O movimento silencioso das plataformas

Plataformas estão reescrevendo o mercado imobiliário. Quem não construir relevância e presença local ficará invisível Em abril, a Loft anunciou um novo modelo de parceria com imobiliárias, oferecendo leads de proprietários que desejam vender seus imóveis. À primeira vista, um gesto de parceria. Mas, olhando com mais atenção, revela-se algo maior: um movimento típico de quem joga o jogo das plataformas, centralizar a jornada do cliente e capturar a audiência. Essa estratégia não é exclusiva da Loft. É reflexo de uma lógica mais ampla que está transformando silenciosamente o mercado imobiliário. Um fenômeno que já vimos acontecer em outros setores com Booking, iFood, Uber e Airbnb: o intermediário vira protagonista, o executor, acessório. E o cliente? Passa a confiar primeiro na plataforma, depois, talvez, em quem está do outro lado da venda. A anatomia estratégica por trás desse movimento Por trás do discurso de “colaboração com o mercado”, existe uma engenharia bem calculada. As plataformas não estão apenas conectando compradores e vendedores, estão reposicionando quem manda na jornada. Quando observamos com mais atenção, percebemos uma lógica clara de construção de domínio sobre atenção, relacionamento, dependência e receita futura. A seguir, destrincho os quatro pilares estratégicos que ajudam a entender como esse modelo se consolida. 1- Atenção no proprietário poderAo atrair proprietários que antes anunciavam por conta própria, a plataforma concentra uma audiência que era difusa. Quem tem a atenção, dita o jogo. 2 - Relacionamento direto controle da jornadaMesmo que o lead vá para uma imobiliária parceira, a relação de confiança nasceu na plataforma. A imobiliária executa, mas não se relaciona. 3 - Ranqueamento por performance dependênciaQuem performa, aparece. Quem não, some. Isso cria uma corrida por relevância, e uma dependência invisível, mas crescente. 4 - Monetização futura plano realCom a audiência conquistada, o caminho está pronto: comissões, produtos financeiros, times próprios de intermediação, modelo white-label. A “amizade” com o mercado pode ser apenas a porta de entrada. Essa engenharia toda não é acidental, é método. Enquanto muitos ainda enxergam as plataformas como aliadas neutras, elas seguem ocupando espaço, moldando comportamento e criando uma nova lógica de dependência no setor. E o mais curioso (e preocupante) é que essa mudança acontece devagar, quase imperceptível. O que nos leva à próxima reflexão: será que o mercado percebe que está perdendo, mesmo achando que ainda está no controle do jogo? O paradoxo do mercado imobiliário Olhando esse cenário, é inevitável lembrar da provocação de Gary Keller:“O mercado imobiliário perde o jogo tão lentamente, que acha que está ganhando.” Mas talvez a realidade hoje seja ainda mais desconfortável: muitos profissionais já perceberam que o que funcionava antes não funciona mais. A diferença é que, mesmo conscientes, seguem apostando no mesmo repertório. Não por comodismo, mas por falta de novos caminhos claros. A sensação dominante não é de normalidade, e sim de paralisia disfarçada de atividade. Faz-se mais do mesmo com uma nova embalagem tecnológica. Mas como costumo refletir: tecnologia é meio, não é fim. Se o atendimento é ruim, se a estratégia é fraca, se os corretores não estão conectados com o contexto, a tecnologia só vai amplificar o problema. É aqui que entra uma das ideias mais poderosas de Empresas Feitas para Vencer, de Jim Collins: “Enfrente a realidade nua e crua, mas nunca perca a fé.” A realidade nua e crua é que as plataformas, impulsionadas por algoritmos, chegaram para ficar. O cliente já vive num ambiente onde descobre, compara e decide muito antes de chegar a um corretor. Mas ainda existe espaço, e muito valor, para quem não perde a fé no que o setor tem de mais autêntico: sua presença local, sua inteligência de território e sua capacidade de criar relações reais. De canais para ecossistemas vivos Nesse momento da leitura, talvez a pergunta mais honesta seja: “então o que fazer?” A resposta pode estar na mudança de mentalidade, deixar de operar apenas como canal de venda e passar a construir um ecossistema de valor local. Silvio Meira, no livro Marketing do Futuro, já antecipa esse movimento: as empresas que vão liderar os próximos anos não são as que gritam mais alto, mas as que criam ecossistemas conectados e relevantes. No contexto imobiliário, isso significa transformar a imobiliária, ou até o corretor autônomo, em um hub local de estilo de vida. Um ponto de conexão entre marcas, moradores, investidores, cultura e experiências da cidade. Não é mais sobre vender imóveis. É sobre entregar pertencimento. Um ótimo exemplo desse movimento é o trabalho da Souza Gomes Imóveis, de Juiz de Fora (MG). A imobiliária tem adotado uma abordagem que vai muito além da intermediação de imóveis. Criou parcerias com marcas locais, promove eventos culturais e experiências de conexão com o bairro e seus moradores e posicionou a marca como um verdadeiro agente de transformação da cidade. Com isso, construiu uma comunidade em torno da marca, e não apenas uma carteira de clientes. Divergir para não ser engolido Em um dos episódios do Vem Pra Mesa, podcast apresentado por Sérgio Langer, ouvi de Guilherme Blumer, referência em marketing imobiliário, algo que ficou marcado na minha mente: “Desde que o mundo é mundo, o que gera receita é a divergência, e não a convergência.” E isso faz muito sentido no contexto atual. As plataformas buscam padronizar, centralizar, oferecer a mesma experiência para todos, onde quer que estejam. Elas entregam eficiência. Mas, em troca, cobram o controle. O mercado imobiliário precisa divergir. Precisa explorar o que é único, local, relacional. Precisa transformar a presença física, a escuta ativa e os vínculos territoriais em plataforma de valor. Atenção se conquista quando você foge do óbvio. E confiança nasce quando você constrói algo que só você pode entregar. O vício do próximo lead Em meio a esse cenário, outro ponto merece destaque: o vício em geração de leads. Vivemos um modelo onde o foco está sempre na próxima campanha, no próximo lead, no próximo clique. Como já ouvi certa vez: "O corretor é altruísta. Ele ama o próximo. O próximo lead." Investimos fortunas em mídia paga, mas muitas vezes sem estratégia, sem nutrição, sem processo. Confundimos movimento com progresso. Mas a verdade é que mídia gera receita. CRM gera lucro. O CRM não pode ser visto como uma ferramenta, e sim como uma filosofia de trabalho. Não dá mais para trabalhar no fluxo. É preciso metodologia. O diferencial estratégico: dados próprios Em breve, a Inteligência Artificial será commodity. Todo mundo terá acesso às mesmas ferramentas, prompts e automações. O que vai fazer a diferença? A base de dados proprietária de cada imobiliária. Quem construir uma base rica, estruturada, com histórico de interações e contexto local, terá uma vantagem brutal. Integrar essa base a uma IA será um diferencial estratégico que não se copia da noite para o dia. Conclusão: o movimento já começou As plataformas já estão ditando a regra. A atenção do cliente já foi capturada. O que o mercado ainda tem é o território, a cultura e o vínculo. Mas isso só vira diferencial quando vira estratégia. E estratégia começa por uma escolha que muitos ainda evitam: posicionamento. Não dá mais para ser a imobiliária que vende de tudo para todo mundo. Quem tenta agradar todos os perfis, não conquista nenhum de verdade. No mercado guiado por algoritmos e plataformas, quem não define um nicho, vira genérico. E quem é genérico, vira invisível. O setor não precisa de mais anúncios. Precisa de direção. Por fim, a escolha é simples: ou você constrói sua audiência, ou será apenas o executor da de alguém.

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