Como falar “não”, se impor ou até demitir o cliente tóxico

Acompanhe estes dois depoimentos de um gestor de imobiliária: 1. Após a desocupação de uma casa, o casal de proprietários foi ver como o imóvel estava. Até aí tudo bem, até gostamos quando isso acontece, nos dá tranquilidade, porque há proprietários que ficam anos a fio sem visitar o imóvel, e quando vão, questionam várias coisas, que normalmente são de desgaste natural. Mas esse caso em questão é interessante porque os proprietários cismaram que o locatário havia trocado do vaso sanitário por um de marca inferior, e além disso, exigiram que o espelho que estava oxidado fosse trocado e cobrado do inquilino que desocupou o imóvel. Foram quase 30 dias para se resolver a situação, muitos e-mails trocados, ligações feitas e visitas no imóvel com profissionais para avaliar os itens questionados. Infelizmente a foto do laudo de vistoria não deixou a marca do vaso sanitário muito evidente, mas dava pra ver. Ainda assim o casal de proprietários questionava, e cada contato com eles era muito desgastante, muito mesmo, se fosse de manhã então... o dia acabava pra gente, sem condições emocionais de trabalho, esgotamento mental total. Gastei tempo com pesquisas sobre oxidação de espelhos para provar para os proprietários que o desgaste era natural e não foi causado pelo uso do locatário, e também tivemos que provar que o rejunte ao redor do vaso sanitário era o mesmo do restante do banheiro, evidenciando que não houve a troca. Por fim, apresentamos as evidências, desejamos felicidades ao casal e encerramos as tratativas. Recentemente o casal nos procurou para deixar um imóvel para administramos, agradecemos por terem se lembrado da gente e pela confiança que estavam depositando no nosso trabalho, mas informamos que não tínhamos interesse na gestão da locação do imóvel. (Diga-se de passagem que são pessoas influentes, ela médica, e o esposo empresário). 2. Nós administrávamos as locações de uma proprietária e seu esposo (ambos médicos), quatro imóveis no total, imóveis bons, ticket médio de R$ 2.800,00. O problema é que quando surgia alguma manutenção ela não permitia que nós tomássemos as providências, nem com apresentação prévia de orçamento. Por outro lado, ela ficava de fazer, mas enrolava, enrolava... e os inquilinos reclamando com a gente, nos cobrando a solução. Além disso, as negociações de valor de aluguel eram muito desgastantes, quando tinha reajuste ela queria subir acima do índice e do valor de mercado, sem contar que eventualmente surgia com uma solicitação divergente da legislação e ainda assim, mesmo após a nossa explicação, queria que a vontade dela fosse feita. Naturalmente que não cedíamos. Eu costumava raciocinar com ela colocando-a no lugar da locatária pra ver se ela entendia que a solicitação dela era absurda, mas era dureza. Sempre muito desgastante... parecia um pesadelo. Mas tomamos a decisão e encerramos nosso contrato de prestação de serviço de forma unilateral, embora pacificamente. Os relatos acima são de Anderson Supeleto, gerente de locações da Multi Imóveis, de Cachoeiro de Itapemirim (ES). Mas poderiam ser de Santiago, Marcielly, Giovani, Luiz ou de milhares de outros gestores de imobiliárias Brasil afora. Diariamente, em meio a pedidos, contestações e reclamações absolutamente normais e compreensíveis para uma atividade cuja função é intermediar dois pólos com interesses opostos, as administradoras de imóveis também são obrigadas a lidar com uma minoria de clientes tóxicos, que acumulam grosserias, exigências estapafúrdias, contestações sem cabimento e/ou contatos em horários ou frequências inconvenientes. Embora reduzido, esse grupo acaba por drenar a energia da empresa. Além de minar o estado emocional dos colaboradores, clientes tóxicos demandam horas de trabalho que seriam (muito) melhor empregadas na captação de novos negócios ou no atendimento aos demais proprietários/inquilinos. Em casos mais graves, são capazes de causar afastamentos ou mesmo pedidos de demissão de funcionários. Esse combo de desgaste físico com mental também leva a atitudes mais drásticas, como ocorreu com a própria Multi Imóveis. O estresse contínuo, como o gerado pelos episódios relatados acima, levaram a imobiliária capixaba a vender sua carteira de imóveis residenciais, que representavam 30% dos imóveis administrados. Embora o gerente de locações saliente que esses dois casos não tiveram relação direta com a decisão da venda, a imobiliária concluiu que o conjunto da obra não compensava mais. “São apenas algumas das situações vivenciadas, que no percurso da nossa história nos fizeram enxergar que algo não estava indo bem”, conta Anderson. A negociação dos 220 imóveis da carteira, concretizada neste mês de julho, certamente trará um impacto financeiro imediato - a Multi Imóveis permanecerá administrando apenas as locações comerciais, além de seguir com vendas (residenciais e comerciais). Mas os ganhos com a decisão estão projetados no médio e longo prazo, e não consideram apenas as contas matemáticas. “Neste mês de transição o trabalho tem sido massivo, mas não maçante, porque há uma luz no fim do túnel. Sabemos que num curto período de tempo estaremos mais livres para trabalhar com mais capricho e qualidade, planejar, desenvolver e consequentemente colher melhores resultados sem colocar em risco nossa saúde mental e emocional”, aponta Anderson. Como lidar? Segmentos econômicos que lidam com o público no varejo, como as imobiliárias, precisam conviver com esses clientes inconvenientes. Mesmo sendo um cenário já previamente esperado, essas interações exigem, além de muita paciência, estratégias específicas de gestão de equipes, processos e treinamento. Para evitar chegar a decisões extremas como a da Multi Imóveis - que afinal é um corte na carne do negócio central da imobiliária - , é possível usar técnicas para minimizar o impacto desses conflitos sobre a saúde mental das equipes e também sobre as próprias finanças da empresa.Para Kariny Martins, diretora de atendimento da Cupola e mentora de treinamentos sobre a metodologia da Comunicação Não Violenta (CNV), quando a empresa percebe que lidar com determinado cliente torna-se um problema constante, a avaliação se é mais interessante dispensá-lo deve observar dois aspectos principais: o retorno financeiro para a imobiliária e a saúde emocional dos colaboradores.Por outro lado, antes de chegar a uma decisão mais extrema, é preciso entender o contexto desse cliente e avaliar se o estresse causado não é fruto de um momento pessoalmente difícil. Ou seja, antes de impor as regras, é necessário sim ouvir o outro lado.Com base em conversa com Kariny, publicada também no podcast do Imobi Aluguel, trazemos nesta edição uma lista com orientações para dominar melhor a arte de atender clientes pouco afáveis. Confira: Crie um “manual do proprietário” A conscientização do proprietário começa lá atrás, no início da locação, com uma apresentação clara dos direitos e deveres durante o contrato. “Um manual do proprietário” que traga a descrição minuciosa das regras da relação comercial, pode ajudar muito a demarcar os pontos de possível conflito.Assim, quando quiser confrontar a imobiliária usando argumento incongruente, esse cliente poderá ser “desarmado” ao ser lembrado de que lá atrás houve um acordo assinado, estipulando as normas da administração locatícia. Contabilize as perdas Outro passo importante é identificar o cliente cujo comportamento traz prejuízo financeiro evidente à imobiliária - como por exemplo aquele que se recusa a pagar taxas ou que descumpre regras comerciais previstas em contrato. Mas há outras formas de medir o impacto dessas atitudes. É possível, por exemplo, mensurar as horas gastas pelas equipes para atender aos clientes que demandam contatos excessivos e desnecessários. Será que compensa financeiramente despender essa força de trabalho, considerando o retorno e também o Custo de Gestão de Contratos? Isso sem contar os transtornos emocionais, que são incalculáveis. Coloque profissionais experientes na linha de frente Considere escolher para o atendimento direto os profissionais habituados a conversar com os proprietários de imóveis. Muitas vezes, os iniciantes podem não suportar a pressão ou serem levados a reagir de maneira inadequada. Muitas imobiliárias, inclusive, têm criado a figura do consultor de relacionamento, que coordena a gestão de conflitos e distribui as demandas entre as equipes. “Quanto mais a gente tiver um ponto de contato dentro das empresas, mais provável que tenhamos uma relação mais saudável com esses clientes no longo prazo”, comenta Kariny. Exerça a empatia Mesmo selecionando os profissionais que irão lidar com clientes, é importante treinar as equipes para absorverem melhor os impactos das reclamações por meio da compreensão empática do outro. Ou seja, fazer os times entenderem que os clientes mais agressivos não estão necessariamente injuriados com os funcionários ou com a imobiliária, mas muitas vezes descarregando ali frustrações ou irritações oriundas de outros aspectos da vida.Para Kariny, é importante exercer nesses momentos a escuta ativa - ou seja, colocar intenção no ato de ouvir, para captar o que o outro diz sem rejeição ou pré-julgamentos. E deixá-lo falar, gastando o tempo mais com perguntas do que argumentações. Assim é possível entender o que o cliente está vivendo. Depois, com base nesta percepção obtida, pode-se mostrar de forma mais assertiva o ponto de vista da imobiliária. Ouça os feedbacks da sua equipe É claro que, mesmo com todos os cuidados para reduzir a frequência e a intensidade dos conflitos, eles continuarão existindo. E as equipes lidarão com eles com maior tranquilidade se souberem que serão acolhidas pela empresa quando houver atitudes grosseiras ou inconvenientes por parte dos clientes.“Não significa que necessariamente a cada reclamação, a cada insatisfação desses colaboradores, a gente vai ter um cliente demitido”, ressalta Kariny., “Mas é que muitas vezes essas pessoas não estão preparadas para lidar com aquele tipo de situação e precisam de uma diretriz, de um norte, entender que estão sendo acolhidas nas necessidades delas”, finaliza. PODCAST IMOBI ALUGUEL 3 perguntas para Kariny Martins, diretora de atendimento da CUPOLA A executiva, que também coordena treinamentos sobre Comunicação Não Violenta (CNV), fala sobre a necessidade de preparar emocionalmente as equipes para se comunicarem com clientes mais “exigentes” e da importância de haver um profissional de atendimento para dar suporte às equipes e intervir nos casos mais críticos. Clique e ouça. Ouça episódios anteriores no Podcast do Imobi Aluguel. Notícias da Locação Multa em ação de despejoA Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a multa compensatória segue valendo mesmo quando o imóvel for devolvido por ação judicial de despejo, e que o fiador é solidariamente responsável pelo pagamento da multa. O colegiado confirmou assim acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), para o qual as garantias da locação, inclusive a fiança, se estendem até a efetiva devolução do imóvel ao locador. O caso julgado teve origem em ação de despejo por falta de pagamento junto com cobrança de aluguéis, ajuizada pelo dono de um imóvel contra a empresa locatária e o seu fiador. Aluguel pesa no orçamentoUm levantamento realizado pela empresa de geomarketing Geofusion mostra que os gastos com habitação (aluguel, condomínios, financiamentos e impostos) na carteira de consumo dos brasileiros subiram de 24,2%, no ano passado, para 25,3%, neste ano. Por outro lado, o consumo de material de construção e bricolagem, que teve um elevação de 30% no início da pandemia, agora caiu cerca de 7 pontos percentuais. Conjuntura“O represamento no reajuste de muitos aluguéis, no auge da pandemia, acabou sendo compensado quando as primeiras medidas de flexibilização foram anunciadas. E isso impactou muito o orçamento das famílias. Além disso, tivemos aumento de impostos e condomínios. Isso fez com que o gasto para a reforma do lar fosse praticamente cortado da despesa das pessoas”, avalia Ana Helena Davinha, analista de Dados e Mercados da Geofusion. Se a moda pega…Viralizou nas redes sociais um vídeo em que uma mãe norte-americana passou a cobrar aluguel de US$ 100 mensais, com contrato e tudo, para que a filha de 18 anos recém-completados continuasse morando na casa da família. O objetivo da mãe, que vive em Oklahoma, foi ensinar a filha a pagar as próprias contas e a ler todos os contratos inteiros para não ser enganada. Indicadores Acesse a página especial organizada pelo Imobi Aluguel com os principais indicadores ligados ao mercado de locação: IGP-M, IPCA, Fipe/ZAP, IVAR, QuintoAndar e outros: Indicadores Imobi Aluguel.

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