Com o bebê no ninho
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Era hora de mudar. Tudo o que montamos dia após dia no nosso lar de Curitiba ia ficar para trás por umas semanas. São Paulo nos recebia em um hotel por um mês. Nesse tempo, uma missão: escolher um novo lar na nossa nova cidade. A realidade era outra. Ainda passeamos alguns dias, conhecemos restaurantes legais. Mas eu já estava em alerta. No café da manhã do hotel eu fui quase preconceituosa: qualquer estrangeiro era ameaça. Digo “quase” porque ninguém pode julgar o instinto materno de proteção. Viramos leoas.
Era um hotel cheio de executivos do mundo todo. Inclusive China e Itália, onde tudo estava um caos. Diziam que era exagero: apenas 8 casos da nova doença no Brasil. Seis em São Paulo. Mesmo assim eu andava com álcool gel – o pouco que eu andava. As áreas comuns do hotel foram subaproveitadas. As mil e uma possibilidades de São Paulo, adiadas. Enquanto o marido trabalhava, passávamos nosso dia no quarto, eu e o bebê. Santo Kindle para mim! Santo Mundo Bita para ele! A regra de ver telas só depois de 3 anos teve que ser descumprida para a distração do bebê que mal via o sol.
Estávamos isolados muito antes das campanhas do “Fique em casa”. Diziam que era exagero, mas está claro que instinto de mãe não falha. Em poucos dias, a quantidade de casos cresceu exponencialmente. Comecei a pedir café da manhã no quarto. Fomos nos confinando. Mas não estávamos em casa de fato. Poderia morar em qualquer lugar. Mas só onde há segurança é um verdadeiro lar. O conforto de um hotel cinco estrelas não serve de nada em uma pandemia e todos os medos que ela cria.
O marido não podia parar. Chegava em casa e eu já fazia dentro da cabeça mil cálculos de possibilidades de contágio e enchia a paciência para ele tomar banho e tirar todas as roupas sujas. Para aquele momento também parecia exagero, mas em poucos dias foi recomendação do Ministério da Saúde.
Como jornalista e antenada no Twitter, acabava consumindo notícias o dia todo. A ansiedade transbordou. Precisava tomar uma decisão. Não estávamos num ambiente seguro para o bebê. Estávamos no epicentro da doença no Brasil, dentro de um quarto de hotel, confinados, com profissionais que circulavam entre quartos de gente do mundo todo e sem nenhuma sensação de estar realmente em casa. Não podia cozinhar e lavar roupa sem deixar todo o salário no hotel.
Sempre fui contra dividir a família, mas era um momento único. Por mim, eu não sairia dali. Não ligaria de passar mais dias no hotel lendo e descansando quando o bebê me dava o aval. Mas ter um filho faz dele nossa nova e eterna prioridade.
Meus pais que tinham ido para São Paulo para matar a saudade e passear, ainda não estavam no mesmo alerta que eu, até porque em Curitiba ainda não havia caos. Chegaram, expus as regras todas, falei que não iríamos passear e que quem estivesse em contato com outras pessoas e lugares desnecessariamente não poderia estar perto do bebê. Aliás, era para o bem deles também. Mais uma vez parecia radical, mas de repente virou regra mundo afora.
Eles mal chegaram, já fomos embora. Precisávamos de casa. Meu marido muito atarefado o dia todo só chegava no hotel pra dormir. Combinamos que voltaríamos em 10 dias, quando enfim tivéssemos um lar. Enquanto isso, matamos a saudade da nossa casa de Curitiba e todas as lembranças de conforto e proteção daquele lugar. O aconchego que faz as dores e medos ficarem menores. Foi uma terapia. Como é bom se sentir em casa. Conhecemos também o novo lar dos meus pais. Convivemos ali. Só de uma casa para a outra. Nem sentimos falta da rua.
Em uma semana, nos reunimos novamente com o marido em Curitiba para preparar a mudança definitiva. Não foi fácil ver a casa desmontada. Mas pegamos estrada para remontar a nossa em São Paulo. Cinco horas de viagem entretendo o bebê. Ufa, chegamos. Epa. O combinado era que o apartamento seria limpo um dia antes. Estava encardido. Isso já é grave normalmente. Imagina nos nossos tempos. Sobrou pra gente. Aprendi que não deixaria esse erro de outra pessoa estragar nossa alegria de estarmos juntos em um novo lar. Respirar e relaxar é regra para não sermos consumidos pelo caos do mundo.
São muitas caixas. A maior parte do dia somos apenas eu e o bebê em casa. Ele percebeu essas mudanças todas e não me deixa ficar muito tempo distante ou atarefada. Paciência. Aos poucos está tudo ficando com a nossa cara. Estamos instalados, na maior bagunça, mas em casa. Não reclamo de não sair. É um privilégio ter esse ninho de proteção. Toda a natureza precisa de um ninho.
Tudo o que listamos e definimos para escolher o imóvel, tudo o que parecia tão importante, na verdade ficou para depois, por mais que esteja ao nosso lado. A localização e os benefícios todos estão em stand-by para aproveitarmos em um futuro, espero, breve. Os mercados, farmácias e lojas aos quais poderemos ir a pé. As piscinas e a academia do condomínio também espero aproveitarmos quando a tormenta passar. São incertezas pequenas perto das grandes incertezas que temos. Para elas, fica a fé. Fica também a esperança. Mas focamos no que temos agora.
Assim seguimos, aproveitando o presente, nos cuidando e cuidando do mundo todo ao não sair. De repente, estar em São Paulo ou em Curitiba não faz tanta diferença, desde que estejamos nos sentindo em casa. Todos estamos longe, mas nos fazemos perto. Pela primeira vez na história contemporânea, usando a tecnologia mais para aproximar do que para alienar. No nosso ninho aqui desenvolvemos amor todos os dias. É o maior antídoto da humanidade.
“Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor”. 1 Corintios 13:13
Mariana Braga
Psicanalista, jornalista, mestra em Teatro, professora de francês e produtora de conteúdo. Deu um tempo da televisão para se dedicar à maternidade. Para ela, esse é o trabalho integral mais difícil e mais recompensador até agora.
Tudo certo! Continue acompanhando os nossos conteúdos.
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