João Teodoro da Silva, presidente do Cofeci
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Capacitação do corretor de imóveis é o maior desafio do presidente do Cofeci

Há mais de 20 anos no cargo, João Teodoro da Silva reconhece “picaretagem” em muitos cursos de TTI; Cofeci defende exame de proficiência e diploma universitário para novos corretores

No ano 2000, quando a profissão de corretor de imóveis dependia de expediente na imobiliária, visita presencial dos clientes, catálogo com fotos dos imóveis e outras práticas de um tempo analógico, em que a internet ainda engatinhava, o paranaense João Teodoro da Silva iniciava sua jornada como presidente do Cofeci (Conselho Federal dos Corretores de Imóveis).

Mais de vinte anos depois, adaptar o profissional da corretagem às mudanças bruscas que as novas tecnologias impuseram ao mercado imobiliário tornou-se o maior desafio de Teodoro no comando da principal entidade representativa da categoria.

Não por acaso, as queixas mais recorrentes dos corretores têm sido a dificuldade de acompanhar o avanço de novas ferramentas e do volume de informações, diante da escassez de cursos de atualização e das deficiências do curso de Técnico em Transações Imobiliárias.

O diploma no chamado TTI é requisito obrigatório para o credenciamento dos profissionais nos Conselhos Regionais de Corretores de Imóveis (Crecis), mas a grade curricular mantém-se praticamente inalterada desde 1978, quando foi regulamentada a Lei 6.530, que rege a profissão.

Teodoro reconhece a baixa efetividade dos cursos de TTI, apontando, inclusive, a existência de instituições “picaretas” que tentam oferecer o aprendizado. Como solução alternativa, tem defendido um adendo à Lei 6.530 que obrigue os novos corretores a apresentar um diploma universitário para se inscrever nos Crecis.

Também lançou, em dezembro de 2020, em conjunto com o Sebrae, um evento focado em informações técnicas sobre a profissão, chamado Saber Imobiliário, e planeja uma parceria com o Creci de São Paulo para disponibilizar cursos online para todos os corretores credenciados do País.

Enquanto isso, somente na última plenária do Cofeci, realizada no início de dezembro, foram avaliadas e aprovadas portarias que autorizam o funcionamento de 24 novos cursos de TTI em vários Estados.

Em entrevista ao Imobi Report, João Teodoro fala também sobre as atividades de fiscalização, especialmente no entorno das startups imobiliárias, que costumam ter embates com o sistema Cofeci/Creci por absorver atividades tradicionalmente feitas pelos corretores. Ele comenta ainda a conjuntura atual do mercado imobiliário e diz como planeja a sucessão no comando do Conselho.

João Teodoro da Silva, presidente do Cofeci

Imobi Report: Em novembro de 2020, o Imobi Report conversou com vários Crecis, que se posicionaram contra os programas que remuneram porteiros, zeladores e funcionários de condomínios em troca da indicação de imóveis. O Cofeci tem recebido denúncias e tomado medidas contra esse tipo de atividade?

João Teodoro: O sistema Cofeci/Creci obviamente é contra porque nós temos uma reserva legal de mercado, estabelecida pela Lei 6.530, e o trabalho dos porteiros remuneradamente configura sim o exercício ilegal da profissão. A Lei é muito clara em seu artigo 3º quando diz que todo contato com cliente com objetivo de transacionar qualquer tipo de imóvel é responsabilidade exclusiva de corretores de imóveis devidamente inscritos no seu Creci. Porém, não temos registrado grandes problemas porque os próprios porteiros já sabem disso.

Há um trabalho forte dos conselhos regionais, junto também dos Secovis e das empresas que trabalham em gestão condominial, para alertar os porteiros para que não caiam nessa esparrela de trabalhar como “intermediadores” na venda de imóveis, porque poderão ser autuados por exercício ilegal da profissão e responder processo administrativo, pagar uma multa… é bem complicado.

O que tem acontecido é que principalmente essas plataformas novas de negociações imobiliárias têm induzido esse pessoal de portaria de condomínio porque eles trabalham com poucos ou quase nenhum corretor de imóveis propriamente dito. E inclusive houve uma outra tentativa há pouco tempo, que nós também repudiamos por ser o exercício ilegal da profissão, que foi a de fazer com que motoristas de aplicativos fizessem indicação de clientes.

Imobi Report: Em termos de fiscalização, qual o principal foco hoje do Cofeci?

João Teodoro: Embora a lei confira ao sistema Cofeci/Creci também o direito de representar interesses da categoria, o objetivo fundamental é a fiscalização do exercício profissional da atividade de corretagem imobiliária. E é isso que nós temos feito com mais frequência. E à medida em que você coíbe o exercício ilegal da profissão, você está protegendo a sociedade.

Se não tiver uma formação técnica nem um constante aperfeiçoamento, que é o que fazem os conselhos regionais, o Cofeci e outras entidades ligadas ao mercado imobiliário, o cidadão vai prestar um serviço de péssima qualidade e ocasionar prejuízos. Aliás, há muitos processos correndo nos próprios conselhos regionais por pessoas que sofreram prejuízos por quem se fez passar por corretor de imóveis.

Imobi Report: Falando sobre aperfeiçoamento técnico, uma das principais demandas dos corretores é justamente a atualização profissional. Percebe-se uma defasagem tecnológica entre os profissionais mais experientes e os novatos, e o programa dos TTIs não sofreu evolução significativa para superar esse quadro. O Cofeci tem atuado para modernizar a grade curricular dos cursos técnicos?

João Teodoro: Planos não, nós temos uma atuação efetiva em cima disso. A função educacional das escolas é competência legal das Secretarias de Educação e dos Conselhos Estaduais de Educação, mas o Cofeci não aceita, por exemplo, a inscrição de pessoas no sistema cujo curso não tenha no mínimo passado por nossa análise quanto a sua legalidade.

Infelizmente nós temos pouca ingerência no exercício da atividade de ensinar, e lamentavelmente há muita picaretagem no meio, não tenha dúvida. Temos tentado suprir esse problema oferecendo cursos, palestras e workshops. Recentemente, por exemplo, desenvolvemos um programa chamado “Saber Imobiliário” pela internet, que foi um negócio fantástico, mais de 40 mil pessoas participando no Brasil inteiro, trazendo informações sobre contratos, novas tecnologias, escrituração eletrônica, enfim, todas essas novidades que temos hoje no mercado.

Paralelamente, temos também incentivado as universidades de boa qualidade a criarem cursos de formação superior. Já existem vários cursos no Brasil de Gestão de Negócios Imobiliários ou Gestão Imobiliária, e hoje temos seguramente mais de 15 mil profissionais com formação superior específica na área. Inclusive eu tratei de fazer o meu logo no início. Em 1995, quando começamos a fazer o levantamento do perfil do corretor de imóveis, apenas 23% dos nossos colegas já detinham um diploma ou estavam matriculados num curso superior. Em nosso levantamento mais recente, que é de 2011 e já está um pouco defasado, detectamos que 64% dos corretores de imóveis do Brasil tinham curso superior ou o de pós-graduação.

E o mais interessante é que a profissão é muito diversificada. Por exemplo, temos médicos e dentistas que abandonaram suas profissões para se dedicar à corretagem imobiliária. Temos ainda administradores, economistas, engenheiros, arquitetos, advogados, enfim, uma infinidade de profissões que estão conectadas de alguma forma com a atividade e se dedicaram à corretagem de imóveis. Então conseguimos melhorar muito o perfil do corretor de imóveis, não exatamente por causa do curso de TTI, que lamentavelmente é carente de melhor qualificação, mas sim através de tudo aquilo que a gente faz para melhorar a qualidade do profissional.

E agora, por conta da pandemia, tivemos uma modificação substancial. Hoje os corretores que não estiverem integrados nesse processo vão acabar saindo da profissão. Então a gente tem apoiado o máximo possível. Inclusive estive reunido recentemente com o Creci de São Paulo, que representa 38% do contingente de 400 mil corretores no Brasil, e dispõe de um centro educacional muito bem montado, com muitos cursos online, para, se Deus quiser, estabelecermos um acordo e disponibilizar todos esses cursos também para o resto do Brasil.

Como você mencionou, as pessoas da minha faixa etária, da geração X, que não têm ainda se acostumado com a tecnologia, certamente enfrentam muita dificuldade. Mas também temos programas dentro dos conselhos regionais para que essas pessoas possam buscar a sua adaptação.

ImobiReport: Além da exigência do diploma universitário para a o exercício da profissão, que é uma das bandeiras do Cofeci, outro ponto que tem sido defendido pela sua gestão é o exame de proficiência, similar ao da OAB, para que apenas os aprovados estejam aptos a exercer a profissão. Em que pé está o pleito para que o exame se torne um requisito legal para inscrição nos Crecis?

João Teodoro: Esse é um problema sério. Nós tivemos os exames de proficiência no sistema Cofeci/Creci há cerca de 15 anos e ele perdurou por 4 anos. E foi uma coisa fantástica, porque nós saímos de uma aprovação, veja que absurdo, de apenas 3,4% das pessoas que fizeram o exame, aí foi crescendo esse percentual até chegarmos ao nível de aprovação de 34%. As qualidades profissionais dos corretores de imóveis melhoraram muito, tanto que o nível de reclamações contra corretores nesse período caiu 20% – pois às vezes o cidadão recebe uma reclamação no conselho não porque ele é maldoso, não porque ele queira prejudicar alguém, mas porque não está preparado.

Então quando você faz um exame de proficiência, como o da OAB, você força o cidadão a aprender. Se ele tiver cursado uma faculdade ou um curso ruim, ele vai ser obrigado a estudar para poder passar no exame. Só que infelizmente nós fomos obrigados a eliminar o exame temporariamente.

Nós havíamos feito isso mediante resolução, porque não está previsto na nossa lei de regência. Agora temos trabalhado para inserir isso na lei. A gente enfrenta alguma oposição também no Congresso Nacional, que lamentavelmente tem muita gente populista, que fala em dar emprego para todo mundo. Mas trabalhar sem qualidade infelizmente é ruim. Não queremos evitar que o cidadão seja corretor de imóveis, queremos que ele seja um bom corretor de imóveis, porque aí ele não vai causar prejuízo para ninguém.

Mas não abdicamos da vontade de fazer com que isso aconteça. Temos uma frente parlamentar, fazemos uma agenda parlamentar anualmente, e há várias atividades que o sistema faz junto ao Congresso para tentar viabilizar a aprovação de leis que atendam aos anseios não só da categoria como os da sociedade também. 

Mas vieram as ações judiciais e lamentavelmente o Judiciário decidiu que se não estiver na lei, não podemos aplicar o exame de proficiência. E aí fomos obrigados a extingui-lo, mas estamos lutando, vai acontecer se Deus quiser.

Imobi Report: Na hipótese da retomada do exame a ideia é que só os novos ingressantes na carreira o façam, ou os atuais corretores de imóveis também serão submetidos à prova?

João Teodoro: Não podemos exigir que os atuais façam porque eles já estão regularizados. Mas temos também outro projeto paralelamente que é o da reciclagem automática. Como acontece nos Estados Unidos, por exemplo, onde você tem a cada 2 anos uma espécie de revisão de conhecimentos.

Funciona da seguinte forma: você pode fazer um curso de atualização que a própria instituição ofereceria, ou você participaria dos eventos promovidos. Por exemplo, para cada curso oferecido pelo sistema, que geralmente é gratuito, o cidadão recebe a sua certificação, que tem uma pontuação. E ele é obrigado ao final de dois ou três anos a atingir uma pontuação para que sua inscrição seja renovada por mais três anos. Senão ele vai ter a inscrição suspensa até que ele faça um curso de atualização e aí ele possa se reintegrar. Não é o cancelamento da inscrição, mas a suspensão temporária para que ele busque se atualizar quanto aos conhecimentos técnicos necessários. Ainda é um sonho, mas vai acontecer, se Deus quiser.

Imobi Report: O ano de 2020 foi desafiador para quase todas as atividades, mas positivo para o mercado imobiliário, apesar da tragédia social e sanitária que ainda acomete o país com a Covid-19. Qual a perspectiva do Cofeci para o mercado imobiliário em 2021? O setor depende da vacinação para dar saltos maiores?

João Teodoro: A gente conseguiu passar muito bem por 2020. Nossa expectativa quando encerramos 2019 era de que teríamos um crescimento de 20%, dando continuidade ao movimento de recuperação do mercado imobiliário após a recessão. Só que em março veio a pandemia e botou tudo por água abaixo. Mas o mercado imobiliário teve uma surpresa muito grande que foi a rebaixa brusca dos juros. A Selic a 2% incentivou as pessoas a saírem dos investimentos financeiros, que hoje não remuneram mais do que 1,8% ao ano, tirando os de alto risco, e migrarem ao mercado imobiliário, onde, se você tiver um imóvel alugado, pode conseguir até 6% ou 7% ao ano, sem contar a valorização do próprio imóvel. Isso fez com que tivéssemos um crescimento que deve chegar perto de 5% em relação a 2019, o que é muito bom diante da pandemia.

Para 2021, o Banco Central já estabeleceu que o crescimento da Selic vai ser muito moderado. Eu diria que no máximo, pelas perspectivas dos economistas e do próprio Copom, vamos chegar ao final do ano com uma taxa de juros de 3,5%. Se você lembrar que há 3 anos nós tivemos a Selic a 14%, é uma queda muito brusca.

Ainda temos outros fatores a considerar, como o déficit habitacional, que ainda está na casa de 7 milhões de unidades. O governo tem de incentivar a construção imobiliária, não só para suprir esse déficit mas acima de tudo para oferecer empregos, porque não podemos deixar essa taxa de desemprego altíssima subir e prejudicar o andamento do mercado.

Nossa preocupação é que, se as vacinas não começarem a ser aplicadas rapidamente, e as pessoas não puderem voltar ao trabalho normal, aí a economia vai continuar lá embaixo, o que traz reflexos ao mercado imobiliário. Mas a gente não acredita muito nisso, até porque o mercado de compra e venda de móveis está muito mais alicerçado nas classes média/alta e alta do que nas classes baixas, que não constituem, digamos assim, o grosso da receita da intermediação de negócios imobiliários. A expectativa, portanto, para 2021 é que tenhamos um crescimento – não exatamente um boom imobiliário inédito, mas um crescimento tranquilo e uniforme, sem surpresas.

Imobi Report: Em 2020, o senhor completou 20 anos na presidência do Sistema Cofeci. Já tem uma estimativa de até quando pretende seguir no cargo? Planeja como pode proceder uma eventual sucessão?

João Teodoro: Tenho pensado muito em fazer um sucessor. Nós teremos eleição ainda em 2021 para recomposição dos conselhos regionais e consequentemente do Conselho Federal, e eu não sei ainda se devo permanecer ou não, só as circunstâncias dirão. Por exemplo, se aparecer oposição é muito provável que eu abdique, porque não vou bater chapa com ninguém, não tenho interesse nisso, tenho minha vida. O trabalho de presidente não é remunerado, a gente faz por diletantismo. 

Então se quiserem que eu continue pode ser, vamos ver qual será a configuração dos regionais na próxima gestão [cada um dos 25 Crecis elege dois conselheiros regionais, e esse colegiado de 50 nomes elege o presidente do Cofeci]. Se for por aclamação, tudo bem, pode ser que até eu assimile alguma coisa a mais. Mas acho que nesses 20 anos, sem querer jogar confete em cima de nós mesmos, fizemos um trabalho muito bom de qualificação. Nós mudamos o perfil do profissional corretor de imóveis no Brasil e acho que isso é bem valorizado pela categoria.