Apressando as ações de despejo por falta de pagamento: uma opção moderna que se aproxima

Devemos apressar o trâmite das ações de despejo por falta de pagamento? Que elas são justas (decorrem de contratos desrespeitados) e admissíveis, isso não se contesta; raríssimos os casos de reversão de algum decreto de despejo, ou de improcedência da ação. São adequadas e legais, dão fim a relações locatícias em que ocorre o inadimplemento pelo locatário, gravoso ao locador (que majoritariamente, nas locações residenciais, depende desse dinheiro para pagar as próprias contas) e, até mesmo, ao fiador ou ao segurador (onde terminam as contas). O problema é que essas ações judiciais se tornaram demasiadamente lentas em diversas cidades. Verdade que em São Paulo, capital, se tanto, elas tendem a tardar 8 meses da distribuição da ação até a retirada dos bens com o caminhão de mudanças (o que não é pouco, obviamente). Pior: são desalentadoramente frequentes os relatos de ações demorando de 18 a 24 meses em outros estados. É tempo demais para o locador não obter a justa renda, para o locatário faltoso se aproveitar indevidamente, para o garantidor arcar. As consequências são conhecidas: desestímulo às tão necessárias locações, acréscimo nos prêmios de seguros, cômputo de elevado fator de risco nos preços (não bastasse a tentação de vender o imóvel e somente investir – sem maiores preocupações – e receber os elevados juros brasileiros... já estamos a 14,5% ao ano.). Daí a conveniência de se apressar o despejo por falta de pagamento, inequívoca premência do sistema das locações. Diante dessa preocupação, passou-se a pensar num afastamento da solução judicial, em busca de velocidade e eficácia maiores, custos menores, desde que mantida a segurança jurídica idêntica à alcançada judicialmente. A solução sem judicialização liberaria o assoberbado Judiciário para que possa julgar questões mais intrincadas, sem jamais se deixar que lesão alguma seja afastada da apreciação judicial, exatamente conforme o comando constitucional (art. 5º - XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito). E o Brasil tem evoluído consistentemente no campo da solução de conflitos sem a invocação do Poder Judiciário. São processados extrajudicialmente, por exemplo, os divórcios, os inventários com ou sem testamento, com ou sem herdeiros menores de idade; a adjudicação compulsória; a usucapião. Não existe notícia de reclamações ou impugnações em quantidade sensível, a demonstrar quão satisfatórias são tais soluções não judiciais. Lembremos, quanto aos processos judiciais de despejo por falta de pagamento: 1) é sabido que não exigem maiores empenhos de erudição, já estando bastante sistematizada a respectiva operação há décadas; 2) temos a certeza legal, declarada no art. 80 da lei das locações: “as ações de despejo poderão ser consideradas como causas cíveis de menor complexidade”. Isto é, de fato e de lei, são procedimentos sem complexidade, simples. Factíveis sem o Juiz. Detectando esse quadro em que se somavam a boa acolhida social dos procedimentos não judiciais, a necessidade de apressar essas soluções de contratos de locação inadimplidos com a simplicidade das ações de despejo, os juristas cariocas Arnon Velmovitsky e Carlos Gabriel Feijó desenvolveram estudos e passaram a preconizar o despejo extrajudicial, levando, aos casos de inadimplemento de aluguéis e de consignação de chaves do imóvel locado, a possibilidade de solução sem que seja necessário percorrer os caminhos forenses. Seus estudos findaram acolhidos no Projeto de Lei (PL) nº 3.999/2.020, do Deputado Hugo Leal, seguindo-se a sua análise pela Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, quando foi relator o Deputado Celso Russomano, que apresentou um projeto substitutivo, aprovado pela mesma Comissão. Particularmente, estranhei a remessa do PL para a Comissão de Defesa do Consumidor, pois locação imobiliária não é matéria de consumo, já o disse o Superior Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp 101.712/RS, Relator Ministro Marco Buzzi, julgado em 03/11/2015) secundado por tribunais em todo o país. As locações são regidas pela lei específica se não pelo Código Civil em algumas situações, jamais pelo Código de Defesa do Consumidor. Mas o projeto está tramitando graças ao seu mérito indiscutível, e cuida não somente do despejo extrajudicial, mas também da consignação extrajudicial de chaves, alterando pontualmente a Lei nº 8.245, de 18/10/1.991 (que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes). Há alguns dias, foi alcançada a aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça, conforme relatório da Deputada Caroline de Toni, que disse, com propriedade: “a sugerida possibilidade de deslocamento, para a esfera administrativa, da resolução de demandas afetas às relações locatícias proporcionará para as partes uma resposta ágil e desburocratizada, sem resvalar no direito de recurso à esfera judicial, expressamente contemplado no texto da iniciativa”. A legislação esperada deverá merecer aplausos, sempre resgatado que, no despejo por falta de pagamento, cada dia importa, pois o débito se eleva. Assegurar a simplificação do procedimento, a celeridade e a efetividade é imprescindível, a justificar a modalidade extrajudicial desejada, preservada a segurança jurídica necessária. A finalidade remota? Estimular as locações, melhor regulá-las para que possam ser mais e mais utilizadas (a propósito: “O princípio da finalidade não é constitutivo, mas regulador”, ensinou Kant). Evidentemente, direito algum poderá ser retirado de locador ou locatário em consequência do caminho escolhido, judicial ou extrajudicial. Tão somente objetiva-se abrir mais um modo de resolver tais problemas locatícios. Afinal, jamais seria o talher de peixe ou de carne que definiria o almoço... ao contrário! Realmente, judicial ou não judicial, o despejo atende aos direitos dos contratantes; há de assegurar, por ilustração, o direito à purga da mora e a sua limitação exatamente como os temas são cuidados no âmbito forense, sempre obedecidas as solenidades estatuídas na lei. Enfim: almeja-se simplificar e baratear os procedimentos, atingindo-se maior velocidade. Obviamente, perseguem-se a utilidade e a equidade na nova lei. Nas palavras de Burke (1.729 – 1.797), “there are two, and only two foundations of law, equity and utility”, algo como: são somente dois os fundamentos da lei: equidade e utilidade. E acredito que tal se atinja na lei em elaboração. Assim, a par de serem cumpridos termos e conceitos já presentes no arcabouço legal vigente, será importante, esta é a sugestão ora resumida e posta em debate, que a legislação cuide (e certamente isso é estudado pelos legisladores) de: Diminuir ao mínimo que atenda a segurança jurídica os atos e passos do procedimento, assegurando velocidade e custos reduzidos. As solenidades existirão, mas deverão ser avaliadas sob os prismas da adequação e da finalidade; b) Na trilha do que é disposto no art. 62 da Lei das Locações, haverá de contemplar a “falta de pagamento do aluguel e acessórios da locação, de diferenças de aluguel ou somente de qualquer dos acessórios da locação”; c) Clarear e afastar a eventual imputação de que seria necessário contrato escrito, habilitando os procedimentos também a locações verbais, desde que seguramente provadas; d) Clarear que a aplicação da legislação não dependerá de estipulação no contrato de locação, afastando eventuais distorções que impeçam a sua utilização, ou seja: permitindo a aplicação imediata em todas as locações; e) Prever a participação de advogado, para assegurar o respeito à lei e evitar alegações de que a ignorância sobre os temas legais teria levado a este ou àquele ato (malgrado seja certo que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, na letra do artigo 3º, da Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro). A participação de advogado não é estranha em procedimentos extrajudiciais: ele participa, por exemplo, nos inventários ou em usucapiões, respeitando o Art. 133, da Constituição Federal (“O advogado é indispensável à administração da justiça...”); f) Regular a purgação da mora e os seus limites de modo congruente com a atual lei das locações; g) Na esteira, prever que o depósito dos aluguéis devidos ou das chaves consignadas se faça unicamente no cartório, evitando-se alongamentos decorrentes de discussões e imprecisões; h) Assegurar que a desocupação realizada não elidirá o direito de cobrança de aluguéis e verbas locatícias em aberto, nem tampouco afastará a cobrança de indenizações por danos por ambos os contratantes; i) Garantir e regular, expressando adequadamente, o acesso ao Poder Judiciário, como a Constituição prevê. São, evidentemente, alguns itens lembrados por mais este – dentre tantos e mais ilustres – estudante da matéria, sempre com o objetivo do aperfeiçoamento e crescimento das locações imobiliárias urbanas.

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