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A “lei” que os dois lados querem nas ações locatícias
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A “lei” que os dois lados querem nas ações locatícias

04 set 2023
Jaques Bushatsky
Jaques Bushatsky
7 min
A “lei” que os dois lados querem nas ações locatícias

Nenhum de nós pode ditar leis, mas, certamente, todos podemos combinar regras, ao menos no dia a dia. 

Combinar obviamente decorre da anuência de mais um (lembrem-se do Garrincha perguntando se a jogada lindamente planejada pelo técnico Vicente Feola, na Copa de 1958, havia sido combinada com os adversários, os russos…), mas sempre é possível.

Entretanto, às vezes é proibido combinar – ou fazer as próprias leis (falamos aqui de algo acima, mais do que aquele contrato em que estabelecemos deveres e direitos, valores, prazos e que costumamos dizer que é uma “verdadeira lei” entre os contratantes. Ao pensarmos no que é proibido combinar, batemos nas fronteiras traçadas pela própria lei.

É o caso do que se tente contratar em matéria de locações imobiliárias urbanas, em que, ao pensarmos sobre algumas cláusulas contratuais que hoje a Sociedade demanda e que os novos negócios de locação imobiliária exigem, encontramos como freio básico a referência proibitiva contida no artigo 45 da Lei das locações, que decreta serem nulas as “cláusulas do contrato que visem a elidir os objetivos da presente lei”, proclamando a supremacia dos “objetivos da presente lei”. 

Ou seja, da razão de ser da lei há de resultar a sua perfeita aplicação e de alcançar-se sua efetiva meta e, evidentemente, se concluirá sobre a admissibilidade – ou não de determinada cláusula. Este pressuposto norteia a breve análise que se segue. 

Perceba-se, a boa interpretação do dispositivo legal deve ser contemporânea. A evolução dos costumes, da tecnologia, das necessidades e dos objetivos econômicos e sociais integram, obviamente, novos modos de usar a unidade imobiliária e de entender e operar o contrato de locação. 

A ilustrar essa necessidade de interpretarmos as leis e os contratos com atualidade – e essa vocação – dois exemplos dentre tantos que existem, ilustram: (1º) nos condomínios edilícios desenvolve-se a mescla de usos, residenciais e não residenciais, em unidades autônomas, com franco reflexo nos contratos de locação – e na convivência (assunto espinhoso, objeto de tantas discussões); (2º) no dia a dia se pensa em “locações por assinatura” com um redimensionamento do período de locação, quiçá do próprio bem locado, dentre outros aspectos; (3º) “modus operandi” da celebração e operação mudou ((a forma dos textos, as assinaturas digitais e eletrônicas,; ,as soluções debatidas e alcançadas através de troca de mensagens instantâneas ao invés de visitas e reuniões presenciais, entre outras.

As novas relações econômicas (e os novos hábitos, necessidades e metas de locadores e locatários, investidores imobiliários e usuários, novos interesses) exigem, a elaboração de novos contratos e a leitura e a compreensão dos já existentes, com novas óticas, contemporâneas e coerentes com os usos atuais, exatamente para que os interessados possam usar e gozar plenamente dos imóveis, inclusive em discussões que eles levem aos tribunais. Ao longo do tempo as compreensões mudam – impossível neste passo esquecer Karl Marx que dizia que “O tempo é o campo do desenvolvimento humano”. Sim, cabe a interpretação inteligente do convencionado, como o cabe do legislado.

Se aquele artigo 45 traça uma fronteira, a Lei nº 13.874, de 20/09/2.019, decretada com o propósito de instituir a “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”, veio para privilegiar a liberdade expressa nos contratos, alargando as possibilidades de desenvolvimento de previsões pelos contratantes. 

A lei realçou “a intervenção mínima” e fez presumir “paritários e simétricos” os “contratos civis e empresariais”, tudo a enaltecer a quase absoluta liberdade de contratar. Esta é, atualmente, a lei. Com base nela é que são atualmente escritos e lidos os contratos.

Tudo se fará com prudência: o prestígio à boa fé contratual (afastem-se as previsões maliciosas ou safadas: seriam foco de outros estudos), à função social do contrato, do negócio, da propriedade, a submissão às cláusulas gerais do Código Civil, nada disso é novo nem foi abandonado, é, e deve ser respeitado. 

O que existe é maior abertura às novidades contratadas, sua apreciação aberta e sem preconceitos, deixando-se no passado aquele rançoso apego ao que se fez, para se olhar com boa vontade ao que se faz e ao que se fará. 

Pois bem. Em acréscimo, o Código de Processo Civil de 2015 ampliou a possibilidade de as partes alterarem a marcha processual, nos litígios que versem sobre direitos que admitam a autocomposição (artigos 190 e 200, do CPC). 

Melhor, essa abertura poderá constar em texto de lei que tratará especificamente das locações não residenciais, conforme Projeto de Lei 4.571/2019, do Senador Rodrigo Pacheco, prevendo que: “Em qualquer fase da relação de locação, os contratantes poderão estipular mudanças no procedimento judicial para ajustá-lo às especificidades da sua relação e da causa judicial e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, assim como sobre as formas de comunicação de atos, a escolha do mediador ou do conciliador, a delimitação da matéria a ser ajuizada ou sentenciada e à gradação do suporte da sucumbência, tomando, sem a elas se limitarem, como base de tais estipulações, o previsto na Lei n. 13.105, de 16/03/2015”.

Chegamos, assim, ao ponto: os contratantes têm base legal para “fazerem as suas leis” no que se refere a uma série de aspectos do eventual processo locatício em que se confrontem. Valerá o que ajustarem! É o que se denomina “negócio” ou “ajuste” processual: os contratantes combinam como tramitará o processo em que venham a se confrontar. Com muitos, evidentes e enormes limites, nesse nosso microambiente superaríamos a angústia retratada por Charles Gavin em “Estado Violência”: “A dor que angustia. A lei ao meu redor. A lei que eu não queria.” “Estado violência deixem-me querer. Estado violência, deixem-me pensar. Estado violência, deixem-me sentir. Estado violência, deixem-me em paz”.

Por exemplo, locador e locatário poderão livremente regulamentar: (i) a impenhorabilidade de algum bem;  (ii) a dispensa de assistentes técnicos em caso de perícia; (iii) a  ampliação ou diminuição de prazos processuais (com parcimônia, pois já existe controvérsia quanto à possibilidade de diminuição); (iv) o rateio ou não das despesas processuais; (v) a admissão do crédito locatício ou do próprio imóvel a título de caução pelo Locador para cumprir uma exigência legal; (vi) o ajuste de que não seja promovida execução provisória; (vii) a realização de mediação ou de conciliação extrajudicial prévia obrigatória, como pressuposto do ajuizamento de ação; (viii) a renúncia prévia à realização de audiência de conciliação (prevista no CPC); (ix) a disponibilização prévia da documentação (pacto de disclosure) que evitará documentos surpreendentes e permitirá que todos avaliem a conveniência de transações imediatas; (x) a estipulação de sanção, aplicável em situações de inadimplemento; (xi) a concessão de liminar em determinadas hipóteses; (xii) a validade de procuração recíproca (por exemplo, entre sublocadora e sublocatário, entre fiador e locatário); (xiii) que a citação ocorra exclusivamente por correspondência eletrônica; dentre outras hipóteses. 

Esses ajustes processuais, em muito interessam aos contratos de locação, pois é por meio de uma ação judicial, por meio de um processo, que o contrato de locação terá cumprimento forçado ou a sua resolução, caso o locador e/ou o locatário deixem de observar o pacto ou a lei. A ação judicial permite fazer valer o que foi contratado e, se seu trâmite for combinado, tudo ocorrerá de modo melhor, mais rápido, mais barato.

Mas, alerta-se, as previsões deverão ser cuidadosas e minuciosas, evitando-se estipulações vazias, enigmáticas, que nada resolvam. E algumas sinalizações parecem convenientes: (i) será de boa cautela que essa negociação seja realizada quando celebrado o contrato de locação, quando tudo está bem, o momento e as perspectivas naturalmente forem positivos. Guardadas as devidas proporções, exemplifica-se com um casamento: é mais simples e eficaz debater um pacto antenupcial no noivado, do que discutir direitos à época do divórcio; (ii) mesmo itens já referendados pela jurisprudência poderão ser ajustados, para evitar-se a oneração que decorreria de recursos judiciais que, malgrado tenham conclusão previsível, certamente demandariam tempo, energia, custos; (iii) alguns temas não são negociáveis, ao redigir o contrato será essencial atentar à jurisprudência atualizada. 

Enfim, os ajustes processuais consistem importante evolução, dando força às declarações dos que são diretamente interessados no evento, pois a ação adequada e o processo eficiente são bons impulsionadores dos negócios locatícios, visto que locador e locatário conseguem vislumbrar, desde as tratativas, quais são os riscos da locação e, havendo o inadimplemento contratual, qual caminho será trilhado para solucionar a lide. Ou seja, é possível nesse âmbito, fazermos as nossas leis.

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