STF cria comissões para mediar despejos: qual o impacto no mercado?
Resumo
Decisão do STF que atualiza as regras sobre as ordens de remoção e despejos, causou alvoroço no mercado imobiliário. Saiba tudo sobre o tema.
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Tem causado alvoroço no mercado imobiliário uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que atualiza as regras sobre as ordens de remoção e despejos, que estavam suspensas há cerca de um ano e meio.
Ontem, os ministros do Supremo formaram maioria para seguir a determinação do ministro Luís Roberto Barroso, relator na ação, que autorizou a retomada do regime legal para ações de despejo em caso de contratos de locações individuais. No entanto, foram acrescentadas regras transitórias para a desocupação de áreas coletivas habitadas antes da pandemia.
A reintegração de posse, agora, deve ser mediada por comissões de conflitos fundiários a serem instaladas por Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, que sirvam de apoio aos juízes. A decisão gerou receio de parte do mercado, que teme maior lentidão para casos de reintegração de posse de áreas coletivas. De que forma isso pode impactar o mercado de vendas e de locações de imóveis?
Como ficam as locações individuais?
Vale ressaltar que as novas regras de transição não serão necessárias nas ações de despejo em locações individuais (de uma única habitação). Para o ministro Barroso, essas locações estão reguladas em contrato e não têm a mesma complexidade das ocupações coletivas.
O fim da proibição de despejos levou em conta o arrefecimento da pandemia, com redução das mortes e avanço da cobertura vacinal no Brasil. A suspensão das remoções ocorreu inicialmente em junho de 2021, com validade de seis meses. Mais tarde, foram definidas três novas prorrogações até o final de março, junho e, finalmente, 31 de outubro, quando foi expedida a atual decisão.
Decisão é positiva para o mercado da locação?
A decisão do STF significou um alívio para o mercado de locações, especialmente proprietários e inquilinos. “É preciso diferenciar ‘ocupações’ de locação, seja pela natureza jurídica propriamente dita, como também pelas partes envolvidas”, destaca Alexandre Hermes Rodrigues Corrêa, vice-presidente Jurídico e de Assuntos Legislativos do Secovi Rio.
“A decisão anterior de suspender os despejos trouxe irremediável prejuízo para os locadores, que ficaram desprovidos da posse do imóvel e, principalmente, sem auferir qualquer renda, a pretexto da pandemia, que afetou ambas as partes da locação de maneira absolutamente idêntica. Dessa forma, a atual decisão traz um alento para o mercado, especialmente para os locadores, ao restabelecer o direito de retomada do imóvel em caso de inadimplência do locatário”, complementa Corrêa.
O ponto é reforçado pelo advogado Arthur Thomazi, sócio do escritório de advocacia CCT, de Belo Horizonte (MG), que atende imobiliárias. “Especialmente no que tange à locação de imóveis urbanos, a decisão autorizou a retomada do cumprimento de medidas liminares de despejo (Lei do Inquilinato) que estavam suspensas em face da pandemia. Quanto ao regime de transição e criação de comissões nos tribunais, a meu ver, é aplicável às ocupações habitacionais coletivas informais, não abrangendo situações novas de inadimplência de débitos locatícios e respectivos pedidos de despejos”.
E qual o efeito nas ocupações coletivas?
Ao mesmo tempo em que a criação das comissões pode ser entendida como uma humanização do processo de reintegração de posse de áreas ocupadas coletivamente, surgiu entre imobiliárias o receio de que as soluções demorem muito para acontecer, já que a formação e largada destes grupos de trabalho não irá acontecer do dia para a noite – especialmente com a aproximação do recesso forense.
“O ministro está criando, na caneta, algo que não está previsto na lei. Não há previsão estabelecendo comissões ou determinando a participação de terceiros, como Ministério Público e Defensoria Pública”, aponta Marcelo Ribeiro Losso, advogado e professor do Curso Superior de Tecnologia em Negócios Imobiliários da Universidade Federal do Paraná.
Segundo Losso, a intermediação e as inspeções judiciais antes da decisão de desocupação, mesmo em casos que decisões anteriores já tenham determinado o despejo, posterga o cumprimento da lei.
“São situações que acabam dificultando o cumprimento de obrigações já determinadas por juízes e tribunais. Veja, quem teve que entrar em juízo é porque já exauriu a fase de negociação. A repercussão negativa é pela falta de segurança jurídica que este tipo de decisão transmite”, afirma Losso.
A intranquilidade dos proprietários também é o receio apontado por Wilson Martins, advogado, mestre e especialista em Direito Imobiliário. “O que me preocupa é a sensação transmitida de que, eventualmente, a Justiça está sendo benevolente ao não cumprir a lei. Para lidar com questões de moradia, o caso já pode tramitar por quatro instâncias. Estabelecer a criação das comissões pode acabar procrastinando ainda mais o direito legítimo do proprietário, causando intranquilidade e insegurança jurídica”.
Vai haver estímulo a invasões?
Com a perspectiva de que as desocupações aconteçam de forma lenta, surgiu nos grupos e canais de conversas de gestores imobiliários o receio de que as regras de transição poderiam até mesmo estimular indiretamente a invasão de imóveis.
O vice jurídico do Secovi Rio tranquiliza o mercado ao comentar que as regras não abrem caminho para invasões, uma vez que as normas se referem somente a áreas ocupadas antes do início da pandemia. “A decisão não se aplicaria a ‘novas invasões’, tanto assim que o ministro Barroso trata as inovadoras medidas como sendo de transição, ou seja, para situações cuja desocupação foi obstada (impedida) por conta da pandemia… o que não seria o caso de ocupações indevidas que ocorrerem daqui para frente”, comentou Alexandre Corrêa.
A visão é compartilhada por Daniel Führo Souto, diretor jurídico da Associação Brasileira de Mercado Imobiliário (ABMI). O advogado considera que a determinação não envolverá eventuais novas invasões, mas possivelmente causará lentidão nas reintegrações.
“Neste caso, impactaria negativamente o mercado imobiliário, pois traria inclusive risco de mais conflitos. Resta saber em quanto tempo os tribunais estarão aptos para formar tais comissões. As áreas indevidamente ocupadas devem ser reintegradas o mais rápido possível, pois os titulares destas propriedades já aguardam há bastante tempo pela solução judicial”, ressalta.
“Fim da propriedade privada” é fake news
Um dos desdobramentos da decisão do STF foi o surgimento de diversos memes com desinformação e notícias falsas. Entre elas, o suposto fim da propriedade privada no Brasil.
“Não existe o fim da propriedade privada. Não é disso que trata a decisão. O que existe é uma dificuldade para cumprir as ordens judiciais de reintegração”, esclarece Marcelo Ribeiro Losso.
E por que agora?
Em grande parte, o alarido do mercado surgiu devido à proximidade entre o anúncio das medidas do STF e o resultado das eleições presidenciais. Porém, a decisão não teve relação com a apuração eleitoral, uma vez que a data da determinação do ministro Barroso (31/10) coincidiu com o final do prazo temporário após a última extensão da proibição de despejos por conta da pandemia (no final de junho).
Cabe lembrar ainda que o arcabouço jurídico brasileiro tem um histórico de proteção ao inquilino que remonta há décadas – a Lei do Inquilinato, de 1991, buscou inclusive trazer maior equilíbrio nesta relação entre as partes. “Aqui, temos dois inquilinos morando sem pagar e dois aposentados passando aperto por não poder despejar. Porém, há de se atentar que esse dirigismo estatal não foi criado agora. Ele vem desde o início do século passado. Quem atua há mais de 40 anos no mercado sabe como era difícil, ou quase impossível, despejar um inquilino antes da Lei do Inquilinato”, comenta Luiz Moreira, proprietário da tradicional Self Imóveis, de Niterói (RJ).
O que diz a decisão do STF
A decisão foi tomada no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, na qual o ministro suspendeu, inicialmente por seis meses em junho de 2021, ordens de remoção e despejos de áreas coletivas habitadas antes da pandemia. Esta definição teve três prorrogações e terminou em 31 de outubro de 2022..
Barroso não prorrogou novamente a proibição de despejos, mas determinou um regime de transição que tem três pontos principais.
1. Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais devem instalar, imediatamente, comissões de conflitos fundiários que sirvam de apoio aos juízes. De início, as comissões precisam elaborar estratégia para retomar decisões de reintegração de posse suspensas, de maneira gradual e escalonada;
2. As comissões de conflitos fundiários devem realizar inspeções judiciais e audiências de mediação antes de qualquer decisão para desocupação, mesmo em locais nos quais já haja decisões que determinem despejos. Ministério Público e Defensoria Pública devem participar;
3. Além de decisões judiciais, quaisquer medidas administrativas que resultem em remoções também devem ser avisadas previamente, e as comunidades afetadas devem ser ouvidas, com prazo razoável para a desocupação e com medidas para resguardo do direito à moradia, proibindo em qualquer situação a separação de integrantes de uma mesma família.
*Com colaboração de Rodrigo Arend
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