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Tudo o que o corretor de imóveis precisa saber sobre lavagem de dinheiro

De forma recorrente, os imóveis são protagonistas quando o assunto é lavagem de dinheiro. No noticiário político, por exemplo, são diversos casos marcantes, que remontam há décadas. Constantemente a grande mídia retrata escândalos associados à ocultação de patrimônio e à compra de imóveis de alto valor com dinheiro em espécie.

Não é um acaso: por conta dos altos valores envolvidos, os imóveis se tornam produtos ideais para a elaboração de fraudes e golpes. Desta maneira, é necessário que o mercado imobiliário como um todo esteja ciente das suas responsabilidades no combate a ilícitos em geral.

Estas operações fraudulentas acontecem, principalmente, por meio da redução do valor declarado na compra e venda de imóveis. São manobras utilizadas para o cometimento de crimes como ocultação de patrimônio e sonegação fiscal.

O tema gera desconforto, ao mesmo tempo que faz parte do dia a dia da operação imobiliária. Diante disso, como os corretores e imobiliárias podem fugir de ciladas? E mais: como agir diante de operações suspeitas? 

Todos os envolvidos em transações imobiliárias possuem atribuições e responsabilidades. Além disso, existe a orientação para que sejam realizadas denúncias ao detectar negócios suspeitos diretamente ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

O Imobi Report reuniu sugestões para evitar fraudes e as orientações mais importantes para que os agentes imobiliários possam agir de acordo com a lei, sem que seus negócios sejam afetados, ou a imagem da imobiliária, manchada. 

Lavagem de dinheiro imobiliária: o que é e como fugir dela?

De forma resumida, a lavagem de dinheiro consiste na ocultação do patrimônio, fazendo com que os valores não declarados em uma negociação voltem para a mão dos envolvidos de forma legalizada. 

A forma mais usual de isso acontecer é em negociações em que o valor declarado em escritura pública ou instrumento particular seja menor do que a quantidade de dinheiro movimentada de fato. 

“Vamos supor que eu compre um imóvel, que tem valor de R$ 500 mil, mas faço a escritura por R$ 200 mil. Depois, para lavar esta diferença em dinheiro, obtenho algum tipo de nota fiscal fraudada para justificar supostas benfeitorias no imóvel. Com este documento ilícito, aumento o valor dele de R$ 200 mil para R$ 500 mil e vendo este imóvel, limpando o dinheiro que ficou em minha mão. Na prática, obtive uma documentação do imóvel por R$ 200 mil, mas ao fazer a venda do imóvel, fiz aparecer para o sistema R$ 300 mil”, explica Marcelo Ribeiro Losso, advogado e professor do Curso Superior de Tecnologia em Negócios Imobiliários da Universidade Federal do Paraná.

Outra maneira comum de manipular o valor das transações é fechar a transação por um valor menor, pagando a diferença à parte com dinheiro em espécie, de forma não declarada. “O pagamento em espécie é um indício pesadíssimo de lavagem de dinheiro”, ressalta Losso.

De acordo com o advogado, estas são as fraudes mais comuns observadas no mercado imobiliário. “Porém, existem outras situações que exigem atenção especial de imobiliárias e corretores, todas listadas no artigo 9º da Resolução Cofeci 1.336/2014”, aponta ele.

Entre as situações de suspeita elencadas na resolução:

– Transações incompatíveis com patrimônio, atividade ou capacidade financeira das partes, o que indica a existência de laranjas; 

– Situações em que as partes evitam fornecer dados obrigatórios para as empresas imobiliárias manterem registro; 

– Negócios em que o valor de contrato seja divergente da base de cálculo de ITBI recolhido;

– Transações de valor inferior a R$ 100 mil reais, mas que ocorram de maneira habitual e levantem suspeitas; 

– Pagamentos ou recebimentos realizados por terceiros, em que existem triangulações e pagamentos para pessoas alheias à transação; 

– Pessoas diferentes compondo um pagamento, como, por exemplo, com o uso de cheques de valores menores e vindos de diversas origens;

– E recursos vindos do exterior, de pessoas e empresas com domicílio ou sede em outro país.

Quais são as orientações do Cofeci?

De acordo com o Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci), é obrigatório o cadastro junto ao Coaf para corretores e imobiliárias que tenham mais de dez empregados; ou que realizem cinco ou mais operações imobiliárias por mês; ou que tenham faturamento anual superior a R$ 1 milhão. 

Além disso, deve-se manter em arquivo próprio todos os dados referentes às operações que realizarem, com valor a partir de R$ 100 mil.

Caso o agente imobiliário perceba qualquer situação suspeita nos termos da lei, deve ser feita a comunicação ao Coaf. “Todavia, o corretor ou imobiliária, em nenhuma circunstância, deve comunicar ao seu cliente a informação passada ao Coaf. Este, por sua vez, por força da Lei 9.613/98, manterá sigilo absoluto sobre os dados recebidos”, explica João Teodoro, presidente do Cofeci.

Se a imobiliária ou corretor não houver intermediado qualquer operação suspeita durante todo o ano, até 31 de janeiro do ano seguinte, deve-se fazer ao Coaf uma simples declaração de não ocorrência

“É função do Sistema Cofeci-Creci fiscalizar corretores de imóveis e imobiliárias em relação às suspeitas de lavagem de dinheiro. O mercado imobiliário, por ser um mercado de alto valor, sempre foi muito suscetível a ser utilizado como instrumento de legalização ou lavagem de dinheiro. No entanto, a transparência imposta pelo atual avanço tecnológico tornou isso muito mais difícil. A própria declaração anual obrigatória de bens e rendimentos facilita a detecção de fraudes”, afirma Teodoro. 

No site do Cofeci, há uma cartilha com o passo a passo para que o agente imobiliário saiba como proceder em casos suspeitos.

De acordo com o presidente do Cofeci, a regulação acerca do tema, pela lei 9.613/98, já é bastante completa e complexa. “Não há muito a ser modificado, mas suas exigências poderiam, sim, ser simplificadas. O valor máximo de R$ 100 mil para que a operação não precise ser mantida em arquivo já pode ser atualizado, uma vez que foi fixado em 2014. Por seu turno, o Sistema Cofeci-Creci acaba de criar o SRG, Sistema de Registro e Governança de Contratos, que pode ajudar imobiliárias e corretores na tarefa de arquivar dados de seus clientes”, destaca.

Ao comunicar suspeita, o corretor não precisa abrir mão da venda

O presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo (Creci-SP), José Augusto Viana Neto, reforça que os profissionais do imobiliário não podem se isentar da responsabilidade de zelar pela moral e integridade do setor.

“A conscientização é muito importante. Precisamos conhecer e ter todos os dados dos nossos clientes, além de manter total atenção diante de atitudes suspeitas. Se o imóvel foi pago o imóvel em espécie, se foi pago com vários cheques, se o cliente está comprando um imóvel que no passado já foi seu, se o pagamento é feito com jóias, obras de arte, carros, barcos, entre outras diversas atitudes”, lista Viana.

O presidente do Creci-SP também ressalta que o corretor de imóveis não precisa deixar de fechar negócios ao notar transações suspeitas, contanto que faça a comunicação ao Coaf.

“É importante lembrar que, a partir do momento que o agente imobiliário comunicou a suspeita ao Coaf, ele cumpriu com sua responsabilidade. Ele não precisa deixar de fazer o negócio. Ele pode sim concluir a operação e receber sua remuneração, mas, evidentemente, deve comunicar a situação suspeita logo em seguida. No futuro, se aquela transação vier a ser objeto de investigação, o corretor não fará parte daquele processo, pois agiu de acordo com o que é previsto em lei”, afirma.

Com número de fraudes em alta, imobiliárias se protegem

Um dos principais indícios de corrupção, o pagamento com dinheiro em espécie é uma modalidade recusada em muitas imobiliárias. Em um levantamento realizado pela Folha, 20 empresas do setor imobiliário foram consultadas e informaram que não aceitam esta forma de pagamento. Foram procuradas construtoras, incorporadoras, imobiliárias e casas de leilão.

A alegação é a falta de segurança. Por conta da grande burocracia para justificar a origem de todo o montante, parte do mercado mantém aceso o alerta de desconfiança e se resguarda para não evitar conflitos com a lei.

Cautela que é justificada diante do aumento de transações suspeitas realizadas em todos os âmbitos da economia. Dados do Coaf apontam um recorde nos comunicados realizados em 2021. Na soma total, que engloba negócios suspeitos em todos os setores, não apenas o imobiliário, foram 7,42 milhões de informes. 

Este é o maior volume desde 2013, quando os dados passaram a ser abertos para consulta. Segundo levantamento do Conjur, os cartórios foram responsáveis por quase 70% das comunicações feitas ao Coaf nos últimos dois anos, com mais de 2,5 milhões de registros que poderiam indicar lavagem de dinheiro.

Tamanho aumento das suspeitas de fraude no país reforçam a necessidade de atenção dos profissionais do setor imobiliário. Oportunidades que podem parecer tentadoras têm potencial de colocar em risco a credibilidade e integridade do ecossistema e, principalmente, de sua própria empresa.