Locação urbana: vale o “não escrito”?
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Jaques Bushatsky
Já passamos pela época dos modelos impressos de contratos de locação, que eram baratíssimos e preenchidos rapidamente (nome dos contraentes, endereço do imóvel, valor do aluguel, período da locação). Valiam.
Vieram depois os modelos encontrados na internet. Também valem. Temos as assinaturas eletrônicas facilitando a celebração, tudo perfeitamente válido.
Entretanto, ainda remanesce senão um verdadeiro desejo dos interessados, uma dúvida: é possível contratar a locação de imóvel verbalmente?
Lógico, nem de longe se suporá que locações mais sofisticadas (imóveis voltados para o built to suit, para postos de gasolina, lojas em shopping centers, prédios com características ou usos especiais etc.) seriam contratadas verbalmente.
E, exceto se estivermos diante de situações muito específicas, nas quais teria sido inviável contratar por escrito, é intrigante essa vontade de combinar somente de boca. Para que, se é tão fácil escrever ou obter um modelo de contrato bastante razoável?
Não me apego aqui ao texto escrito por si só, embora concorde que “uma palavra escrita é a mais fina das relíquias”, como dizia Henry David Thoreau (1817-1862, EUA).
Tampouco se cuida de proclamar amor pela história do mundo, preservada exatamente pelos escritos (um litígio do século 18 AC somente foi conhecido porque a ata do seu julgamento pelo Rei de Hazor – escrita em cuneiforme – pôde ser preservada e está guardada no Israel Antiquities Authority, em Jerusalém: três homens pretendiam para si uma casa e um pomar de uma mulher. Ela venceu a lide e sabemos, graças aos escritos, que até uma pena de 200 shequels (moeda local) foi fixada, para o caso de nova turbação…).
O intento neste rápido comentário é bem prosaico: como facilitar a vida de locadores e locatários? A resposta é simples: certamente, contratando por escrito.
De fato, a lei das locações é bastante transparente quanto à possibilidade de contratar verbalmente, e o Código Civil somente exige forma especial de contratos, quando alguma lei o exigir (art. 107). Logo, ao contrário do que ocorre com, por ilustração, a doação, a convenção de condomínio, o testamento, o pacto antenupcial, cuja validade depende de formas específicas (prevista na lei), é perfeitamente legal contratar-se verbalmente a locação de imóvel.
Mas, é igualmente clara a consequência de fazê-lo, tudo conduzindo à sábia providência de documentar: (i) no art. 46 é atribuída somente às locações “ajustadas por escrito” a resolução do contrato ao fim do prazo de 30 meses; (ii) no art. 22 -VIII se exige previsão expressa em contrato para que se imponha ao locatário o dever de pagar os impostos e taxas incidentes sobre o imóvel; (iii) no art. 48 par. único, exige-se que conste do contrato a descrição dos móveis e utensílios que guarnecem o imóvel locado por temporada – impossível imaginar que constasse de contrato verbal… ; (iv) no art. 51 está a essencialidade do contrato “celebrado por escrito” para possibilitar a ação renovatória da locação dos imóveis destinados ao comércio; (v) no art. 8º está a previsão de cláusula de vigência e a necessidade de averbação na matrícula do imóvel, para possibilitar a continuidade da locação após a venda do imóvel; (vi) no art. 35 é prevista a indenização por benfeitorias, “salvo expressa disposição contratual em contrário”. Essa meia dúzia de situações talvez possa ser tomada como os exemplos mais candentes.
Mas não é somente isso: é manifesta a terrível dificuldade que afligiria os contratantes que não tivessem um documento para provar que existe uma locação e não um comodato; para a prova do valor do aluguel (vá lá, talvez tivessem recibos, outros escritos…); das datas de início e fim da locação (o término, sujeito às restrições da lei em consequência da forma verbal, lembremos); o despejo (que exigiria minuciosas provas, notificações); para demonstrar as condições do imóvel; para identificar a natureza da locação; e assim por diante. A prova do inadimplemento contratual (verbal…) – de parte a parte – e a invocação do Judiciário para a solução exigiriam, também, trabalhos hercúleos.
Mais que privilegiando, demonstrando como são essenciais comunicação e o registro escritos, o historiador Andrew Roberts identificou interessante memorando (escrito…) que Winston Churchill (1874-1955, Reino Unido) mandou ao Gabinete de Guerra, em julho de 1940, certamente porque estava atarantado o líder inglês com o que se dizia – ou se fazia – abusivamente em seu nome: “Que fique muito claro e entendido que todas as ordens emanadas de mim são dadas por escrito ou serão confirmadas por escrito imediatamente depois, e que não aceito responsabilidade por questões referentes à defesa nacional em que se considere que eu tomei decisões, a menos que estejam registradas por escrito”.
Sim, desde que criaram a escrita, ela preserva e defende o ajustado, prova o combinado, elimina dúvidas. Caberá aos interessados simplificarem – ou não – as suas vidas e os seus negócios.
Litígio do século 18 AC guardada no Israel Antiquities Authority, em Jerusalém
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