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Medidas práticas para combater o assédio moral e sexual no mercado imobiliário
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Medidas práticas para combater o assédio moral e sexual no mercado imobiliário

26 mai 2023
Fernanda Bertonha
Fernanda Bertonha
9 min
Medidas práticas para combater o assédio moral e sexual no mercado imobiliário

O assédio é um inimigo que muitas vezes se aproxima de maneira sutil, fazendo com que a própria vítima não tenha certeza sobre a conduta adequada a adotar quando uma situação desconfortável acontece. Entre os principais tipos de assédio estão o sexual e o moral – que se manifesta por comportamentos injustos e inadequados e discriminações de diferentes origens, como étnica, religiosa ou racial. 

Lidar com sua ocorrência na prática, infelizmente, ainda não é um movimento fácil nem usual. Principalmente pela falta de encorajamento que as mulheres, principais vítimas do assédio sexual, lidam no dia a dia – seja pela omissão de boas práticas da empresa à qual ela está vinculada, seja pelo receio de que nada seja feito e ela torne-se a única prejudicada ao se expor.

O assunto veio à tona no mercado imobiliário com o recente caso ocorrido numa conhecida construtora do interior do Paraná, cujo CEO foi indiciado por assédio sexual após ser acusado de constranger uma colaboradora da empresa. De acordo com o boletim de ocorrência, registrado na Delegacia de Mulher de Londrina (PR), o empresário chegou a levá-la ao motel contra sua vontade.

Normalizar o assédio, no entanto, cada vez mais está fora de cogitação e algumas empresas do setor imobiliário já estão tomando atitudes práticas para que o vilão, dia após dia, seja enfraquecido. 

O Imobi Report mostra os dados mais atuais sobre assédio no mercado de trabalho, com um recorte sobre o mercado imobiliário, assim como medidas efetivas que podem ser adotadas para combater este mal. 

92% das mulheres já sofreram machismo no ambiente de trabalho 

Pelo segundo ano consecutivo, o Instituto Mulheres do Imobiliário, junto com o Ipefem (Instituto de Pesquisas & Estudos do Feminino), realizou o IRA – Índice Regional de Assimetrias. O estudo de 2023, que o Imobi Report teve acesso com exclusividade antes do lançamento oficial, contou com mais de 550 respostas e analisou novos contextos relacionados ao trabalho, assédio e oportunidades neste segmento. Os dados mais alarmantes da pesquisa são os seguintes: 

● 92% das entrevistadas alegaram ter sofrido machismo em seu ambiente de trabalho. Entre elas, 63% falaram sofrer machismo de forma frequente;

● 49% discordam totalmente que “homens e mulheres têm oportunidades iguais”;

● 53% discordam que “os cargos de liderança são distribuídos entre homens e mulheres de forma equilibrada”;

● 79% alegaram conhecer uma ou mais pessoas que sofreram assédio moral em empresas do setor.

Abrindo o caminho para o fim da impunidade 

Já o “Mapa do Assédio no Brasil”, divulgado neste mês de maio pela consultoria KPMG e que contou com mais de mil participantes do todo o País, apontou que 81,47% dos respondentes já sofreram assédio em pelo menos uma oportunidade. Chama a atenção de Ana Addobbati, fundadora do movimento “Livre de Assédio”, o fato de que a maior parte dos assédios notificados são do tipo moral. 

“O assédio sexual é mais fácil de identificar, porque geralmente é o toque inapropriado, um comentário de conotação sexual. Enquanto isso, o moral por muito tempo passou despercebido – pela vítima achar que é piada, por achar que a pessoa do outro lado tem poder e recuar. Quando vemos que 80% já passaram por algum tipo de assédio moral, é sinal de que a conduta está sendo identificada”, diz ela. 

Apesar disso, a maioria dos casos não foram notificados. Apenas 17,67% foram reportados em algum canal de denúncia, contra 82,33% que passaram sem registro. “A maioria não reporta e o assediador fica impune. Isso ocorre principalmente por duas razões: porque as empresas não conseguem identificar o assediador por falta de denúncia e segundo porque as pessoas não são encorajadas, seja pela ausência de um ambiente naturalmente seguro ou porque sabem que não há um canal apropriado ou sequer haverá investigação”, explica ela. 

Boas práticas para prevenir o assédio no mercado imobiliário

Elisa Rosenthal, diretora presidente do Instituto Mulheres do Imobiliário, aponta que o primeiro passo para combater o assédio é a conscientização. “O imobiliário precisa se conscientizar que esse é um dos mercados com um dos mais altos níveis de assédio. Uma vez que a gente toma consciência disso e se envolve como agentes importantes da transformação, o passo seguinte é engajar as lideranças para que ofereçam medidas informativas, com o uso de cartilhas e palestras, seguidas de canais seguros de denúncia e apoio às vítimas”, afirma ela. 

Addobbati vai ao encontro do argumento. Para ela, prevenção de verdade só se faz com educação corporativa, com pessoas entendendo que comportamentos que muitas vezes elas performam podem configurar uma microviolência ou até mesmo assédio sexual. Ela ressalta como as empresas precisam ter governança para lidar com essas situações. “Isso significa você ter investigação, código de ética e mecanismos de monitoramento que indiquem que certas condutas não estão acontecendo no ambiente de trabalho, o que pode ser combinado com pesquisas de clima”, diz ela. 

Outras atitudes, ainda que pareçam simples, também podem ajudar a prevenir situações de risco no dia a dia da mulher corretora de imóveis. 

De acordo com Rosenthal, a mulher que trabalha neste contexto deve ter sempre um protocolo de compartilhar sua localização. “Além disso, ela deve se prevenir em relação ao horário, ou seja, ir sempre na hora agendada, preferencialmente durante o dia”. Estar acompanhada também é adequado, principalmente em ambientes mais inóspitos e desconhecidos pela profissional. 

Por fim, uma dica extra e muito importante. “Nunca, em hipótese alguma, a mulher deve deixar a chave na porta. Chaves devem estar sempre na posse da corretora, de modo a deixar vias de rotas de fuga sempre abertas e disponíveis”, indica Rosenthal. 

Canal de denúncias como uma das portas para o combate ao assédio

A existência de um canal de denúncias seguro, por onde a mulher de fato possa exercer o direito de denúncia sem que ela seja exposta ou que sofra consequências, é uma das bases para o combate ao assédio. 

Com este objetivo, o CRECI-DF instituiu no âmbito das imobiliárias do Distrito Federal o “Selo Imóvel + Integridade”, iniciativa que tem como objetivo criar uma cultura de integridade e boas práticas para prevenir riscos dentro das empresas que fazem parte do mesmo. 

“Dentro desse contexto está a criação de um canal de denúncias para vedação ao assédio, de modo a facilitar denúncias que possam prejudicar a imagem da instituição imobiliária. Esses programas são um avanço para que a empresa se profissionalize nesse quesito”, conta Diego Gama, diretor-secretário do CRECI-DF e segundo-diretor secretário do COFECI. 

Vigente no Creci-DF desde 2020, o selo é concedido pelo Sebrae Nacional, Banco do Brasil, BRB, Caixa Econômica, Instituto Ethos, CGU (Controladoria Geral da União), além de entidades públicas ou instituições sem fins lucrativos de promoção à integridade e a vedação à corrupção. A única entidade privada que chancela a iniciativa é o portal DF Imóveis. 

O Selo + Imóvel Integridade atualmente está na sua terceira edição. Na primeira, contou com 5 empresas participantes. Na segunda, com 15. E agora está com as inscrições abertas para participação na terceira edição. “Esse é o espírito do selo e o canal de denúncias é um dos seus pilares mais importantes. Em seguida a empresa deve constituir também um código de conduta, que deve contemplar a vedação ao assédio e demais práticas negativas no ambiente imobiliário. Esse é um dos requisitos para validação do selo”, explica ele.

Uma das imobiliárias que participa da iniciativa, implementando na prática todas as políticas e incentivos para combate à corrupção, assédio e demais práticas nocivas ao ambiente imobiliário é a 61 Imóveis, de Brasília (DF). Pablo Bueno, fundador e gestor da imobiliária, conta melhor como o canal interno de denúncias funciona. 

“Na 61, esse canal é anônimo e a pessoa se identifica apenas se desejar. Ele está disponível no site da empresa e os homens não ficam sabendo quem faz a denúncia. Nem mesmo eu sei, porque sou homem”, conta Bueno. “Eu como gestor só vou ficar sabendo da ocorrência em si na hora de tomar as medidas e providências cabíveis considerando a individualidade de cada caso”, explica ele. 

A 61 registrou três ocasiões em que o canal foi utilizado para denúncias de assédio. A primeira foi de um porteiro de um prédio que foi demitido após assediar uma corretora da imobiliária. O síndico foi envolvido na conversa e optou pela medida. 

“E já tivemos dois casos internos. Um de um corretor que fazia ‘piadinhas’ com mulheres. Esse caso foi resolvido com conversa e conscientização: ele permaneceu na equipe, mas nunca mais repetiu esse comportamento. E o segundo de um corretor que tinha mania de tocar ao conversar. Ao incomodar uma pessoa da empresa que denunciou, esse comportamento também foi 100% eliminado”, conta Pablo, indicando que a 61 está em um esforço coletivo de divulgação do canal de denúncias, de modo a incentivar seu uso por parte das colaboradoras. 

A importância da rede de apoio 

Ter com quem contar para evitar situações desconfortáveis e principalmente alguém que possa socorrê-la na ocorrência de uma situação de assédio é fundamental para a mulher corretora que faz visitas a imóveis desacompanhada.

Para Addobbati, do movimento Livre de Assédio, o primeiro passo ao identificar uma conduta inadequada é tentar evitar que ela escale. “Em uma situação que a vítima começa a identificar olhares, comentários que estão invadindo a privacidade, que não pertencem ao contexto profissional, o mais adequado é já interromper, mudar de assunto, não se sentir na obrigação de ‘rir amarelo’ porque infelizmente ele pode ser interpretado como uma permissibilidade para o assediador seguir em frente”, explica ela.

Em seguida, no próprio atendimento a mulher pode chamar outra pessoa para acompanhá-la, trazer um colega para fazer uma rede de apoio. “Essa atitude eu costumo chamar de ‘corta luz’, porque a presença de outra pessoa pode minar o assediador de persistir nessa conduta. Mas é fato que nem sempre é possível evitar uma situação de assédio e nem mesmo assegurar que a presença de outra pessoa irá controlar o assediador”, diz ela. 

No caso da Judice & Araújo, imobiliária de alto padrão que atua no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro (RJ) e que possui uma equipe 100% feminina de vendas, são tomados alguns cuidados individualizados neste sentido para que as mulheres se sintam sempre assistidas.

De acordo com Patrícia Judice de Araújo, sócia e VP da imobiliária, o primeiro cuidado está em entender quem é o cliente. A empresa tem o hábito de fazer uma checagem sempre que um novo cliente marca uma visita, pesquisando e buscando entender quem ele é. 

“E é claro que também buscamos ter maior segurança na visita. Se for um homem visitando sozinho um imóvel, por exemplo, é muito comum que nossas corretoras trabalhem em dupla: a captadora do imóvel vai junto com a corretora que está conduzindo a negociação. Não é necessariamente um protocolo, uma ação específica. Mas nós temos cuidados individualizados, caso a caso, para evitar qualquer situação desconfortável para as nossas corretoras”, afirma ela. Vale por fim lembrar que além de ser amparada pela empresa, a mulher tem todo o direito de prestar queixa na delegacia em situações de assédio. “A mulher pode pedir as câmeras se o ambiente tiver, assim como usar prints de WhatsApp com mensagens desrespeitosas para comprovar uma situação de assédio. Tudo isso é evidência e pode ser levado à delegacia, uma vez que a lei de importunação sexual existe desde 2018”, finaliza Addobbati.

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