Essa imobiliária criou um “comitê de crise” para a negociação do aluguel
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Quando começou a operar em regime de home office, no último dia 23, a equipe da imobiliária Franciosi já tinha em mente quais seriam os trabalhos a enfrentar neste período excepcional. Como boa parte das empresas, antecipou férias de alguns funcionários. Mas foi além: entendendo que a demanda de locação diminuiria, a equipe foi remanejada para dar suporte ao atendimento a inquilinos e proprietários, por meio de um verdadeiro comitê de crise do coronavírus, para negociação do aluguel.
Para montar o pelotão que tem atuado diariamente no contato com os clientes, foram recrutadas três profissionais do departamento de contratos e outras três do setor financeiro, além de duas advogadas que atuam na redação dos termos de acordo e na orientação jurídica, esclarecendo dúvidas. São oito mulheres que já tinham experiência prévia de atendimento e também do funcionamento geral da empresa e que foram, nas palavras da gerente Adriane Matias, treinadas ao longo da vida da imobiliária para trabalhar na gestão de conflitos.
Em entrevista ao Imobi, Adriane conta como tem sido gerenciar a equipe à distância e garantir um bom resultado na negociação de conflitos entre proprietários e inquilinos.
IMOBI: Como foi o processo de montagem dessa equipe?
Adriane: Essas pessoas já trabalhavam com negociação de todo tipo, multas, pagamentos, contratos. Criei na segunda-feira o “Plano Coronavírus”, até endereço de e-mail corona e grupo de whatsapp, pra debater coisas em conjunto, pra fazer um acompanhamento melhor em cada trabalho. A maioria das funcionárias são experientes, trabalham com a gente há bastante tempo, não temos muito entra e sai na equipe.
IMOBI: Como foi organizado o fluxo de atendimento?
Adriane: Disponibilizei celular para cada uma e o telefone fixo da imobiliária direciona para a casa da telefonista. Quando atende lá, ela encaminha para essa equipe, fazendo rodízio. E no meu sistema, por aplicativo, o cliente já pode abrir chamados, conversar com a gente. Nós divulgamos aos clientes para abrir pelo chamado, para que nada ficasse sem registro. A partir desta semana, senti dificuldade das pessoas. Como a gente não emite boleto impresso, sentiu algumas pessoas com dificuldade para imprimir. Então, coloquei plantão na imobiliária das 9h às 14h, com parte do departamento financeiro. Entra um por um, fica na porta, que nem fila de banco.
IMOBI: Como essa equipe tem reagido a mudanças tão repentinas?
Adriane: A minha equipe já era muito aberta a mudanças, não parou no tempo. Inclusive as funcionárias dizem “não aguento vocês, toda hora é novidade”. Então tem essa cultura de testar, nada impede de voltar como era, mas tem que testar. A minha equipe, em especial, sou grata a elas, todas mulheres. São muito parcerias neste sentido. Compram a ideia, me apoiam. E a gente já é muito antenado com tecnologia. Já tem DocuSign, tem aplicativo de vistoria, tem aplicativo da imobiliária, pra gerar extrato, boleto, imposto de renda, contrato, abrir chamado. Ajudou muito, já tivemos centenas de acordos em uma semana. Elas estão sabendo desenvolver melhor do que esperava.
IMOBI: Como tem sido liderar em um momento tão conturbado como esse?
Adriane: Primeiro de tudo, o líder tem que comprar a ideia. Para daí a equipe comprar a ideia, ela precisa estar muito parceira neste momento, para fazer o processo andar. Faço um auxílio individual para os funcionários e reunião virtual através de hangout. Se for menor, com até quatro pessoas, em chamadas de vídeo pelo whatsapp mesmo. Cada equipe tem uma liderança legal, ajudando. E eu procuro estar animando, pra não abalar. Ontem uma delas me ligou chorando, tive de ficar fazendo uma hora de Psicologia, mostrar que a gente tem que ajudar as pessoas que estão precisando neste momento.
IMOBI: Quais foram a primeiras impressões deste comitê de crise?
Adriane: Me surpreendeu a quantidade de pessoas. Todo comércio parou no dia 23 no Estado de São Paulo (a imobiliária Franciosi tem sede em Itapetininga, no interior paulista). A gente imaginou que os aluguéis vencidos de 23 a 10 de abril não teriam tanto problema. Pra minha surpresa, no dia 24, os clientes já não tinham dinheiro pra pagar aluguel. Tivemos de explicar, de forma não agressiva, que era cedo para não pagar, que fizesse um acordo.
IMOBI: Os proprietários estão reagindo bem aos acordos?
Adriane: Temos recebido muitos elogios dos proprietários. Recebi questionamentos até de proprietários de outra imobiliária. Os proprietários estão sendo flexíveis, sendo parceiros, fazendo acordo. A maioria tem aceitado, está disposto a negociar. Muitas vezes não 100% da proposta do inquilino, mas um meio termo. É um ou outro que fica nervoso. 80% dos proprietários têm o aluguel como complemento de renda. Tive uma cliente que falou “estou muito preocupada, porque não estou trabalhando e vivo desse aluguel, não sei o que vou fazer”.
IMOBI: Que recomendação você tem dado a eles nestes casos?
Adriane: Muita paciência, muito amor no coração, empatia com o cliente. Ouvindo e praticando. O meu lema, para todos os departamentos é: o cliente sempre tem razão. Escute e depois a gente vai apurar o que vai fazer. Ligar começando a conversa não com cobrança, perguntando como estão as coisas. Nunca dizer não de imediato, nem ser agressivo. A gente trabalha num mercado onde já dá conflito. Todo dia tem um cliente que não pode pagar, desocupou e não ficou contente com a vistoria. A gente já é preparado, agora, mais do que nunca, tem que ter paciência. Respira fundo e vai. Já passei por outros situações onde houve essa necessidade de negociação, então já tinha esse histórico.
IMOBI: Que tipo de situações?
Adriane: A mudança da moeda, de URV para real [nos anos 1990]. Foi muito difícil, tinha que explicar a conversão e adequar o valor do aluguel ao que estava acontecendo. Na época era presencial, tinha fila na porta da imobiliária.
IMOBI: Que argumentos vocês tem usado nesse convencimento ao proprietário?
Adriane: Me preocupa não poder entrar com ação de despejo até dezembro. É o argumento que estamos usando com o proprietário: melhor fazer acordo e manter inquilino. Mostrar que não é saudável não fazer acordo. Vai haver uma oferta de mercado grande, uma demanda grande de desocupação. Minha carteira é 95% de aluguel garantido, são poucos sem garantia. Nossa garantia é de aluguel, água, luz, IPTU, condomínio e reparos de vistoria final. Meus clientes têm uma confiança muito grande na gente. Quando a gente liga e fala “olha, o inquilino vai negociar”, a primeira coisa que ele pergunta é “mas não é garantido?”. Procuramos fazer o possível para manter o relacionamento saudável, convencer a fazer o acordo e manter o inquilino. Mas muitos proprietários ainda acham que a crise é por pouco tempo.
IMOBI: Qual o perfil destes inquilinos que recorrem à negociação?Adriane: Quase todos os casos, 90%, são contratos comerciais. Tem um grupo que paga super em dia, nunca atrasa, e antes de vencer já entra em contato prevendo que terá dificuldade. E tem uma parte que já vinha com atraso historicamente. Essa minoria tá numa situação pior ainda. A maioria dos brasileiros não têm reserva, não tem capital de giro. A maioria produz na semana o que tem de compromisso pra pagar. Aqueles que têm capital de giro e reserva estão aflitos, porque estão guardando pagamento do funcionário. Isso eu tenho ouvido bastante. É a gota d’água. Não é só o aluguel, é o funcionário, fornecedor, casa, família… Tenho um caso de um inquilino que acabou de abrir o negócio, pagou só o primeiro aluguel. E o próprio proprietário ligou pra mim e sugeriu a isenção, por entender que ele acabou de abrir, que tá difícil.
IMOBI: E quanto aos inquilinos residenciais?
Adriane: São os autônomos, vários têm ligado explicando que não fizeram nada de trabalho durante a semana. E tem uma diferença: o comercial pede negociação, não isenção total, são mais profissionais na negociação. O residencial está pedindo pra baixar, não prazo.
IMOBI: Como têm funcionado os outros setores da imobiliária?
Adriane: As rescisões vêm acontecendo normalmente, estamos fazendo vistorias. Aquelas que têm que ser acompanhadas, o vistoriador vai com luva, máscara, álcool gel e álcool 70, higieniza a chave. Tem a opção do cliente não acompanhar, aí faz em vídeo. Pra pessoa que tava já em andamento com a rescisão, não pode parar. O vistoriador recebe a chave no próprio local, informa o departamento que foi criado, por whatsapp, que então faz a rescisão, envia boleto. Muitos clientes estão fechando reparos e vistoria final com uma equipe terceirizada, parceira da imobiliária, que também tem contribuído nas negociações, parcelando os custos dos reparos para o cliente.
IMOBI: O comercial também continua funcionando?
Adriane: O departamento comercial não parou de maneira nenhuma. Também montei uma equipe de atendimento online, agendamento de visitas através do site. Eu tive nesta primeira semana de isolamento 191 pessoas atendidas pedindo informações sobre imóveis de locação. E são clientes que realmente estão interessados. Hoje, só entra em contrato o cliente que realmente tem interesse, diferente de outros tempos, que existe muito “caroço”, como a gente diz aqui, só pra bisbilhotar. Tive 50% de conversão, entre a reserva e o fechamento. E esses outros 50% ainda estão em andamento, vale a pena tratar muito bem, porque é o cliente quente. Não pode desanimar.
IMOBI: Qual o perfil desse interessado em locação mesmo durante o isolamento?
Adriane: Nós atendemos uma pessoa que veio para trabalhar como gerente de banco e até se surpreendeu com o atendimento. Ele precisava de um imóvel pra hoje, super rápido. Estava num hotel e precisava mudar. Então, ainda existem clientes com real necessidade de mudança. Quem procurava imóvel antes tinha mais tempo, via mais imóveis. Estamos em um cidade com 150 mil habitantes, o cliente ia visitar presencialmente todos os imóveis que ele tinha interesse. Hoje não, ele vê primeiro no aplicativo e visita só um.
IMOBI: Mesmo o cliente mais resistente à tecnologia mudou esse comportamento?
Adriane: O cliente que era resistente à tecnologia agora entende que a humanidade depende disso. Não é só a imobiliária, mas o banco e outros serviços. Para a imobiliária é uma revolução, os clientes vão reaprender como faz uma locação de imóvel.
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