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Decretos sobre corretores de imóveis expõem conflitos entre Crecis e empresas do setor imobiliário

O imbróglio envolvendo o Decreto 11.165, que modificava a regulamentação da profissão dos corretores de imóveis e que acabou revogado pelo presidente Jair Bolsonaro no dia seguinte à sua publicação, por enquanto mantém intacto o entendimento sobre as leis que regulam o mercado imobiliário. 

Porém, o vaivém regulatório deixou uma herança: a exposição pública de uma ferida que há tempos mina a relação entre as categorias que representam os corretores e as empresas que contratam esses profissionais, notadamente imobiliárias e incorporadoras. 

Um dos pontos críticos do decreto original foi a remoção do parágrafo único do art. 3º do Decreto nº 81.871/78 (a regulamentação da atividade de corretor), que estabelecia que “o atendimento ao público interessado na compra, venda, permuta ou locação de imóvel, cuja transação esteja sendo patrocinada por pessoa jurídica, somente poderá ser feito por Corretor de Imóveis inscrito no Conselho Regional da jurisdição”.

“Era esta a redação que restringia o acesso ao mercado àqueles que tinham a titulação necessária e devida inscrição, e que impunha às imobiliárias terem em seus quadros corretores de imóveis individualmente inscritos, para o atendimento direto ao público interessado na compra, venda, permuta ou locação de imóvel”, aponta o advogado Marcelo Ribeiro Losso, professor do Curso Superior de Tecnologia em Negócios Imobiliários da Universidade Federal do Paraná.

Entre os dispositivos inseridos na nova regulamentação, de modo a disciplinar o que são as atividades de intermediação imobiliária, o novo decreto retirou da categoria de corretores de imóveis a exclusividade para exercer “atividades e serviços auxiliares” à corretagem. 

O documento trouxe alguns exemplos dessas atividades auxiliares: publicidade ou marketing imobiliário; atendimento ao público; indicação de imóveis para intermediação; e publicação, hospedagem em sítio eletrônico ou divulgação na internet de imóveis à venda ou para locação.

Ajustando-se à prática

Essas foram as alterações que mais enfureceram as entidades de classe que representam os corretores de imóveis, uma vez que reduziam o leque de atribuições antes exclusivas da categoria.

Por outro lado, a desregulamentação contida no decreto original atendia a interesses de imobiliárias e incorporadoras. Com as novas normas, as empresas estariam livres para contratar pessoas sem registros nos Conselhos Regionais (Crecis) para as funções “auxiliares” – vale lembrar que a intermediação direta das negociações imobiliárias havia sido preservada pelo Decreto 11.165 como exclusiva para os corretores de imóveis registrados.

O Decreto 11.165, portanto, foi uma maneira de regulamentar práticas já corriqueiras do mercado, como admitiu o próprio Ministério da Economia, pasta responsável por redigir o texto final. 

“Outras atividades, como publicidade ou marketing imobiliário e serviços auxiliares como atendimento ao público em geral — a exemplo do realizado por recepcionistas, ou a distribuição de panfletos — não são atividades privativas da profissão de corretor. Fica mantida a intermediação imobiliária como atividade exclusiva do corretor de imóveis capacitado e devidamente inscrito no conselho profissional”, explicou a pasta sobre as mudanças, que mais tarde acabariam revogadas.

Porém, caso as mudanças vingassem, os Crecis sofreriam severas restrições em seu poder fiscalizatório sobre imobiliárias e incorporadoras. 

Bom para as empresas

Alguns imobiliaristas, ao analisar o cenário com o decreto original, compararam com setor de farmácias, no qual as lojas precisam disponibilizar um farmacêutico profissional de plantão, mas não há obrigatoriedade de que todos os atendentes tenham o mesmo registro. 

Da mesma forma, a imobiliária precisaria de um “corretor-chefe”, que seria o responsável pela unidade, mas poderia contratar livremente outros profissionais sem registro formal de corretor de imóveis. O que representaria uma redução de custos de mão de obra para essas empresas – ou então o fim das multas dos órgãos fiscalizadores. 

“O decreto não era ruim para nós, imobiliárias e corretores autônomos. Em nenhum momento a prerrogativa do corretor na intermediação foi ameaçada. O decreto falou em serviços acessórios, como publicidade, marketing, indicação… O objetivo era tirar os sindicatos e conselhos regionais e federais da zona de conforto em que se encontram há décadas”, comentou Lecio Narciso, sócio-diretor da Atrium Netimóveis, de Vitória (ES).

 “Mas essas entidades conseguiram colocar a classe dos corretores contra o decreto, que apenas regulamentava o que já existe hoje e diminuía a ingerência (fiscalização e cobrança) dos Conselhos nos nossos negócios”, completou Narciso.

A visão é compartilhada pelo diretor jurídico da ABMI, Daniel Fuhro Souto, para quem o decreto original teria o atributo de desburocratizar o exercício da profissão. “Os Crecis e o Cofeci são importantes para regulamentar e fiscalizar a atividade. Porém, o decreto melhorava o cenário, esclarecendo pontos dessas atividades acessórias, que o mercado na prática já vinha dividindo com o corretor”, apontou.

Próximos passos

Antes da publicação do Decreto 11.165, o Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci) e o Conselho Regional de Corretores de Imóveis de São Paulo (Creci-SP) haviam entregado ao Ministério da Economia a minuta de um documento com objetivo de modificar a regulamentação da atividade de corretor.

A ideia é que um futuro decreto alusivo à categoria dos corretores seja editado no bojo de um outro decreto, mais amplo, que o governo federal costura e que teria função de simplificar o funcionamento de todas as autarquias que regulam atividades profissionais – como, por exemplo, os Conselhos Federais de Medicina, de Engenharia e Agronomia, de Contabilidade, entre tantos outros.

Segundo o presidente do Creci-SP, José Augusto Viana Neto, antes da publicação e revogação do decreto 11.165 já havia pontos de divergência entre o documento entregue pelas entidades de classe dos corretores e as intenções do governo. 

“A partir de agora, vamos envidar esforços ainda maiores para que o decreto proposto pelo Sistema Cofeci/Creci seja definido com a máxima urgência, haja vista a importância da regulamentação e da organização da categoria em questões de interesse da sociedade, especialmente no que diz respeito à coibição à lavagem de dinheiro por meio do mercado imobiliário. Sabemos que a organização de nossa categoria vai muito além do simples exercício da atividade profissional”, afirmou Viana, em comunicado à imprensa.

Portanto, novos capítulos da novela sobre a regulamentação da corretagem de imóveis ainda estão por vir.