Imobiliárias

Como o mercado imobiliário pode surfar a onda dos coworkings

A pandemia fez multiplicar o chamado trabalho híbrido (parte na empresa, parte em casa) no Brasil e no mundo, e essa tendência tem trazido efeitos colaterais ao mercado imobiliário. A cada dia cresce o número de empresas que entregam suas salas e migram para espaços menores ou para escritórios compartilhados, os chamados coworkings, mudando a dinâmica do mercado de venda e principalmente de locação comercial. 

Para as das imobiliárias, trata-se de um risco de queda na carteira de clientes comerciais? Sim, porém calma: o movimento também embute uma oportunidade de integração entre os dois mercados.

No ano passado, a Ancev (Associação Nacional de Coworking e Escritórios Virtuais), principal entidade representativa do segmento no Brasil, elaborou o Censo de 2021, em que mapeou 1.647 coworkings ativos nas 100 maiores cidades do País. Mas o presidente da entidade, Douglas de Andrade, calcula que esse número, somando todas as regiões brasileiras, já ultrapassa os 5 mil

Para Andrade, os dois mercados podem coexistir perfeitamente. “Eu nunca considerei a imobiliária como concorrente. O coworking é uma incubadora, onde o profissional nasce e, se quando ele cresce o coworking não dá conta, ele pode procurar a imobiliária para buscar uma sala maior. Isso sempre foi normal e é sadio para os dois lados”, afirma o dirigente, ele próprio dono de uma empresa de coworking em Jaraguá do Sul (SC) .

Mais do que isso, há espaço para criar sinergia e ambos os segmentos aproveitarem juntos essas novas concepções de trabalho. Afinal, se os coworkings têm custo mais baixo e proporcionam facilidades que as salas comerciais oferecidas na carteira não conseguem igualar, as imobiliárias, por outro lado, dispõem de uma rede de relacionamentos e de uma estrutura comercial que é capaz de multiplicar os clientes dos escritórios compartilhados. 

O executivo da Ancev, que tomou posse na entidade em 2020 e tem mandato até 2023, comenta em entrevista ao Imobi Report os fatores que têm impulsionado o coworking nos últimos meses. Confira

Imobi Report: Com a consolidação do modelo de trabalho híbrido no pós-pandemia, já se observa um movimento de empresas devolvendo seus ativos ou encerrando contratos de locação e migrando para escritórios compartilhados. Essa é uma tendência que deve se consolidar em 2022?

Douglas de Andrade: De fato muita gente está entregando suas salas devido à pandemia. Em 2021, a Ancev elaborou um censo no qual fizemos alguns questionamentos ao mercado para sentir o que estava acontecendo. E por incrível que pareça alguns coworkings até duplicaram as suas salas. Quando as pessoas começaram a ficar em casa, as empresas perceberam que não precisam de um espaço tão grande. E aí entram os coworkings, os escritórios virtuais, os escritórios compartilhados, os business centers, que vêm com essa sacada já há um bom tempo. 

As empresas aproveitaram esse momento para reduzir custos ou mesmo para melhorar o próprio ambiente de trabalho. Por exemplo, no caso de um empregado que precisava atravessar a cidade inteira para chegar ao escritório. Hoje essas empresas estão trabalhando no sistema híbrido, algumas pessoas de casa, outras no próprio coworking mais próximo da sua casa e, assim, evitam trânsito, deslocamento, além de que a empresa economiza muitos fatores que agregam o custo operacional de ter uma sala física. 

Os coworkings já são uma tendência e daqui para frente virão bem fortes. Na minha própria cidade [Jaraguá do Sul-SC], as empresas entregaram as suas salas na pandemia, mas em momento algum deixaram de trabalhar. A procura realmente foi bem grande. 

Imobi Report: Já existe algum grau de concorrência entre o mercado de aluguel comercial tradicional e os espaços de coworking, na disputa por acomodar empresas de todos os tamanhos? 

Douglas de Andrade: É uma tendência. As maiores empresas já conhecem o coworking e quando definem seu planejamento migram direto para um deles. As menores já estão conhecendo também. Existem algumas plataformas que já divulgam [as salas compartilhadas]. 

Um advogado, um psicólogo, um profissional liberal vai querer ter uma sala, uma secretária, o cafezinho, enfim, toda a estrutura de que ele necessita para atender ao cliente dele. Um recém-formado que ainda não tem a sua clientela formada vai diretamente para o coworking. E ali ele encontra tudo de que precisa muito rápido, sem disponibilizar aquele custo gigantesco já no início da sua carreira.

Mas é um processo lento ainda. Há empresas que ainda não estão nesse ritmo, que precisam ter pessoas presencialmente, mas eu acredito que a tendência do mercado agora é mudar para esse sistema. 

Imobi Report: E dentro da estratégia de expansão, para o mercado de coworking faz sentido se aproximar das imobiliárias, que têm uma estrutura comercial de atendimento e uma rede de relacionamento muito mais consolidada com os clientes corporativos?

Douglas de Andrade: Eu nunca coloquei a imobiliária como minha concorrente em minha empresa, e a própria Ancev nunca colocou empecilho em fazer parcerias com imobiliárias. Todos têm o seu segmento, propostas diferenciadas… A proposta do coworking talvez seja mais rápida. 

Sempre falo que o coworking é uma incubadora, onde nasce o profissional e quando ele cresce. Se o coworking não dá conta, ele vai procurar as imobiliárias para pegar uma sala maior. Isso sempre foi normal, a gente nunca viu isso como concorrente ou coisa assim. É sadio para os dois lados. 

Eu tenho três imobiliárias que trabalham aqui dentro comigo e que já tiveram salas, mas vieram para redução de custos. Acredito que é até uma necessidade. As pessoas hoje olham basicamente os seus custos e a rapidez do negócio.

Quem entra tem toda a infraestrutura já pronta, internet, cozinha, copa, a parte de recebimento, o atendimento de telefone personalizado… isso ajuda muito e poupa muito tempo. Algumas pessoas querem já começar com salas maiores e às vezes não sabem o custo disso, de colocar segurança, manter uma portaria, o estacionamento. 

Imobi Report: Você vê num futuro próximo imobiliárias tradicionais anunciando espaços de coworking em seus sites e demais canais de vendas, em troca de uma remuneração? Como você projeta essa possível relação comercial?

Douglas de Andrade: Essa conta pessoalmente nunca fiz. Eu tenho parcerias aqui na minha própria cidade com imobiliárias, aquela parceria sadia, de ganha-ganha. No passado muitas imobiliárias nos procuraram para fazer essa parceria, mas ela tem que ser boa para os dois lados. A imobiliária pode estar fazendo a divulgação normal do teu espaço, não vejo problema nenhum.

Imobi Report: Quem são os atuais clientes do coworking? E como a Ancev projeta o perfil deles no futuro?

Douglas de Andrade: O perfil dos nossos clientes hoje é diverso.Tenho professor, cabeleireiro, profissional liberal de todos os tipos, advogados, fonoaudiólogo, psicólogo, engenheiro, representante comercial. E claro, muita parte web, de tecnologia. O nosso segmento abriu portas para pessoas que nem sabiam que existiam salas usadas por hora, por dia, por mês. 

Com a pandemia, podemos nos mostrar ao mercado e o coworking vem forte com essa tendência de redução de custo. Aqui você reduz mais ou menos em 70% o seu custo fixo. Há uma tendência, não estou falando que vai acontecer já, mas é uma tendência. Lá fora é a coisa mais normal do mundo.