Opinião

Como o compartilhamento de informações acelerou mudanças e ajudou o mercado imobiliário atravessar a pandemia

Um universo muito fechado onde cada empresa criava seu próprio modelo de trabalho, suas próprias regras e o aprendizado era limitado pela sua capacidade de tentativa e erro e pelas suas próprias experiências. 

Era esse o cenário do mercado imobiliário brasileiro em que ingressei há 12 anos no que tange à troca de informações, ao compartilhamento de boas práticas e ao surgimento de ideias e soluções coletivas. 

As imobiliárias e ‘houses’ das primeiras décadas do século XXI eram baseadas em sistemas complexos e centralizados. Nestes, o modelo de liderança individualista era pautado no resultado ‘acima de tudo’ e o exemplo a ser seguido e replicado nas demais empresas do setor.

Para ser um gestor imobiliário de sucesso na primeira década dos anos 2000, o senso comum indicava: acredite no individualismo e incentive a cultura de resultados a qualquer preço.

O filme “O Lobo de Wall Street” (2013), do diretor Martin Scorsese, retrata através da figura de Jordan Belfort o executivo do mercado financeiro cuja voracidade em gerar negócios sempre foi maior que sua responsabilidade com o setor do qual ele fazia parte. Ele é uma boa ilustração comparativa deste cenário. 

Embora o filme relate o cotidiano no mercado de ações, é ainda hoje uma grande referência para profissionais do mercado imobiliário que valorizam a venda pela venda, o atingimento de metas sem pensar nos demais e até na falta de ética para a conclusão de negócios.  

No começo dos anos 2000, a economia e a forma de se fazer negócios era sempre vista sob a ótica da propriedade intelectual, da cobrança de royalties por patentes, do código fechado em softwares e raramente sob a perspectiva do compartilhamento de dados e informações. 

Os anos 2010 e o advento dos portais de anúncios 

Se é verdade que a internet chegou no Brasil em meados dos anos 1990, também é certo que ela só começou a produzir mudanças profundas no mercado imobiliário por volta dos anos 2010, com o advento dos portais imobiliários e das redes sociais. 

Antes limitados aos anúncios das imobiliárias que mais lembravam os antigos classificados impressos, com pouquíssimas informações, os portais permitiram ao público consumidor ter experiências mais ricas com a visualização de fotos, dados de localização e descrições mais completas. 

Com tantas facilidades, os anúncios digitais permitiram novas funcionalidades, que rapidamente caíram no gosto do público consumidor de imóveis. Rapidamente, foram copiadas e assimiladas pelos sites das próprias imobiliárias. 

Considero esse momento muito importante, pois foi quando o mercado imobiliário começou a rever seus processos e a buscar referências de outras áreas para se desenvolver. Construtoras e imobiliárias precisaram procurar empresas de tecnologia, marketing e pesquisa para entender melhor como atender seu cliente. 

O contato desses dois mundos, o do mercado imobiliário tradicional com o de tecnologia, possibilitou novas dinâmicas e alterou, pelo menos em boa parte, o modo de atuação dos profissionais. O que, no primeiro cenário, era muito pautado em produtos e empreendimentos, passou a ser focado no cliente. 

E foi justamente o cliente, agora empoderado por serviços e aplicativos que lhe proporcionaram conforto com mais racionalidade – a Uber é a que melhor simboliza este momento – que começou um novo ciclo evolutivo e de troca de informações dentro do mercado imobiliário. 

Startups, smartphone e seu novo endereço a um clique de distância 

Com as redes sociais, o auge dos portais de anúncios e a proximidade com as empresas de tecnologia, os sites imobiliários ganharam importante destaque na rotina de trabalho e cumpriram papel fundamental na geração de negócios de intermediação e locação de imóveis. 

Acontece que o consumidor, com cada vez mais acesso a serviços tecnológicos sob demanda e acessíveis no seu smartphone, tornou-se cada vez mais exigente e isso se converteu em falta de paciência com os processos imobiliários vigentes. 

Não bastavam mais aos sites imobiliários apresentar imóveis através de tecnologias imersivas, era preciso gerar negócios descomplicados e efetivos através da internet. Surgiram, então, as imobiliárias digitais que, a partir de tecnologias recém desenvolvidas,  prometiam justamente isso: descomplicar o acesso à moradia.

A Quinto Andar foi a imobiliária que primeiramente entendeu esse cenário e se apresentou como uma solução de acesso descomplicado, digital e remoto ao aluguel de imóveis. Rapidamente se converteu no modelo a ser seguido e inaugurou a corrida pela transformação digital. 

Criou-se o estigma de que as empresas tradicionais, que negociavam imóveis por processos analógicos  – e muito ligados a visitas presenciais – perderiam espaço para as imobiliárias digitais, muito mais preparadas para um mundo tão conectado. 

Era preciso se transformar digitalmente para sobreviver no mercado imobiliário. Opções tecnológicas não faltaram para quem buscou este caminho. 

Os estudos que mapeiam o surgimento de proptechs, como o do fundo de investimento Distrito, demonstram que surgiram mais startups nos últimos 5 anos do que nos últimos 20 anos somados. É justamente o período que este artigo se propõe a mapear. 

Seguros e serviços financeiros, precificação e big data, captação de imóveis, marketing, vistorias, assinaturas digitais. É possível encontrar soluções online para praticamente toda a jornada de aquisição ou locação de um imóvel. 

Tanta tecnologia, sem dúvidas, ajudou a produzir um mercado muito mais ágil e no caminho de atender as expectativas e ansiedades do consumidor. Por outro lado, criou uma distinção entre as empresas do setor. 

As imobiliárias e construtoras que se abriram para a tecnologia na virada da década agora se viam como reféns das startups que surgiram a partir de suas próprias falhas. 

O mercado imobiliário entraria em uma nova década, que demandava aos agentes escolher entre os cenários propostos: a agilidade das imobiliárias digitais ou a atenção proposta pelas tradicionais.

Mas, no meio do caminho, havia uma pandemia e mais uma vez, tudo mudou. 

Como a epidemia de Covid-19 unificou discursos dentro do mercado imobiliário

O primeiro ano da década de 2020 prenunciava um crescimento histórico no volume de negócios dentro do mercado imobiliário. Com condições favoráveis ao crédito, muitas empresas e profissionais tiveram o seu melhor primeiro trimestre em muitos anos. 

Veio a pandemia de Covid-19 e tudo mudou. Nenhuma previsão poderia dizer o que seria do restante do ano e mesmo do futuro. O que ficou foi um cenário de incerteza que paralisou o país e que, de certa forma, perdura até hoje. 

Mas é interessante constatar que algumas mudanças de atitude e comportamento puderam ser vistos durante este período. Atitudes que permitiram ao mercado mostrar uma força de reação ante a falta de capacidade de ação de outros setores durante a pandemia. 

É claro que a política de juros foi determinante para que consumidores decidissem comprar imóveis mesmo durante o isolamento social. Mas era preciso criar ambientes favoráveis e seguros para a realização de negócios.

Também não surgiu nenhuma nova tecnologia ou proptech disruptiva que permitisse vantagens competitivas sobre a concorrência. As ferramentas estavam à disposição de todos e o que se viu foi uma capacidade de colaboração e compartilhamento de informações relevantes como ainda não se tinha visto no mercado imobiliário, desde que ele foi impactado pela digitalização. 

As empresas de tecnologia precisaram ouvir a experiência de corretores e clientes para possibilitar acesso aos seus produtos. Isso foi determinante para que deixássemos de pensar no cenário descrito anteriormente, onde se é um ou outro, entendendo que é preciso conviver e crescer juntos. 

Ilhas de conhecimento foram desfeitas e fóruns de trocas de ideias surgiram em profusão. Duvida? Quantas lives você foi capaz de assistir durante os primeiros meses de pandemia? E em quantas se surpreendeu ao constatar: nunca tinha visto essas empresas juntas! 

O debate constante entre imobiliárias, corretores, construtoras e as empresas de tecnologia acelerou as mudanças necessárias para que o mercado pudesse atravessar a pandemia. Quando se combinam ideias e experiências, de diferentes fontes e vieses, novas ideias emergem, tornando melhores as anteriores, criando ciclos positivos de realizações. 

Talvez por tudo isso, o mercado imobiliário tem sido protagonista durante a pandemia, não só por gerar um grande volume de negócios, mas por garantir milhares de empregos na construção civil em uma época onde demissões em massa são esperadas. 

Pode ser que tenhamos visto um recorte muito pontual e, passada a pandemia, tenhamos uma volta a momentos de individualismo como os descritos neste artigo. Mas eu acredito em legados. E se a pandemia deixa algum para o mercado imobiliário, é de que o seu conhecimento é um bem riquíssimo, mas ele tem mais valor quando é compartilhado. 

Parece que, enfim, encontramos a lição que Sócrates deixou a respeito do conhecimento em mais de 300 a.C. “o grande segredo para a plenitude é muito simples: compartilhar!”

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