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Um dilema dos bons ao contratar a locação: arbitragem ou negócio processual?

Você poderá até reclamar do esforço, mas nunca deixará de ser um bom problema escolher como gastar um volume grande de dinheiro: casa de praia, viagem luxuosa, doação a escolas ou hospitais públicos… por aí vai. Problema ruim, é não ter opções, ou precisar escolher em que gastar uma quantia minguada…

Ao ajustarmos uma locação urbana temos atualmente um dilema do primeiro tipo, um bom problema, especificamente ao escolhermos entre deixar que eventuais questões sejam resolvidas por arbitragem ou optarmos pela solução através do Judiciário, mas não pelo jeito tradicional e sim, estabelecendo regras que agora são possíveis, celebrando o que se denomina negócio processual. O que é melhor? 

Esse tema motivou, no último mês, muitos debates nas seccionais de Vitória (ES) e de Marília (SP) da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil, aos quais fui convidado (o que muito me envaideceu), e a sua relevância motivou recordes históricos de audiência e de participação intensa nas casas dos advogados.  A par do orgulho por ter participado desses eventos marcantes, devo frisar: a matéria está sendo discutida, a cada um de nós envolvidos com contratos de locação, cabe pensar a respeito.

A escolha é legal

Ao contrário do que rezava um mito extremamente repetido, a arbitragem em locação urbana é, sim, possível, e os nossos tribunais a validam quando provocados, porquanto claramente legal. O negócio processual, por sua vez, também o é: está previsto no Código de Processo Civil (artigo 190), e este código é aplicável supletivamente (artigo 1.046) à lei das locações. Não bastasse a já existente base legal, o negócio processual foi lembrado até em Projeto de Lei do Senado (PLS 4571/2019) que objetiva modernizar as locações imobiliárias. Ou seja, ambas as modalidades – arbitragem e negócio processual, são legais e possíveis.

A liberdade de escolha existe

Afastem-se as amarras supostamente legais que volta e meia são invocadas! Se a lei contém previsões sobre esses caminhos para solucionar adequadamente os conflitos, que os usemos! Não existe proibição!

Aliás, no arcabouço legislativo brasileiro, já na Constituição outorgada em 25 de março de 1.824 (por D. Pedro I) foi disciplinado (art. 179) que: “Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei”, exatamente o que se diz agora, com base também da Constituição Federal, mas de 1.988, em cujo artigo 5º se encontra que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Como se vê, a liberdade está aí.

Críticas aos dois caminhos de solução

Por que as pessoas passaram a optar pela arbitragem, abandonando a solução tradicional, pelo Judiciário? As maiores críticas eram: a notória morosidade dos processos, com relevo ao tempo de espera para a solução de infindáveis recursos; a dificuldade técnica de juízes e auxiliares para solucionarem conflitos complexos; a publicidade dos litígios, nem sempre desejável na visão dos envolvidos.

De outro lado, as grandes críticas à arbitragem

O seu custo; a morosidade (embora usualmente mais velozes que processos judiciais); a dificuldade de controle da atuação dos árbitros, até devido ao sigilo (ao passo que no Judiciário, sempre se poderá averiguar e recorrer); a não publicação de jurisprudência, que sempre consistiu boa fonte de consultas e razoável elemento de previsibilidade (mesmo antes da seleção e fixação de teses em recursos repetitivos, pelo STJ, quando se passou a usar o sistema de “precedentes”, uniformizando os julgamentos de situações fáticas idênticas).

A verdade, hoje, é que boa parte dos temores podem ter ficado no passado: é patente a crescente sofisticação técnica de parte do Judiciário (varas e câmaras especializadas são evidências importantes) e, é clara a possibilidade de se alcançar velocidade, redução de custos e Justiça exatamente através do negócio processual. Neste, os contratantes combinam algumas alterações no procedimento judicial (o apressando); delimitam o que poderá ser debatido em juízo (por exemplo, poderiam tornar indiscutíveis alguns temas que são arguíveis em tese, mas que se sabe serem sistematicamente julgados em determinado sentido), pactuam critérios para repartição de custas judiciais, para sucumbência (delimitando custos e responsabilidades) e assim por diante.

Portanto, certos de que os caminhos estão abertos e à nossa disposição, na locação imobiliária contrataremos arbitragem ou negócio processual?

A resposta vem de Pablo Neruda: “Você é livre para fazer as suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”, obviamente bem compreendida a menção às responsabilidades, aos deveres decorrentes de cada opção.

A cada um, em cada situação, caberá aquilatar os dados, analisar e entender os contratantes, apreciar as características (duração, investimento, complexidade, valores) da relação a contratar, para então se chegar à definição do melhor meio de solução das questões que, espera-se, será a melhor e será aplicada, realmente, se for preciso. Afinal, liberdade nunca veio sem responsabilidade, não é?

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Jaques Bushatsky

Jaques Bushatsky é advogado, foi Procurador do Estado de São Paulo e Juiz do TIT/SP por dois mandatos e chefiou a Procuradoria da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Presidente da Comissão de Locação e Compartilhamento de Espaços do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, fundador e diretor da MDDI – Mesa de Debates de Direito Imobiliário. Autor da obra “Aspectos Principais do Aluguel Comercial” e coautor da obra “Locação Ponto a Ponto” publicada pelo IASP Instituto dos Advogados de São Paulo.

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