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Regularização fundiária tem avanços que podem beneficiar mercado imobiliário

De acordo com levantamento do IBGE divulgado em maio deste ano, até o fim de 2019, o Brasil contava com mais de 5,1 milhões de moradias em situação precária. Esses domicílios estão distribuídos em mais de 13,1 mil Aglomerados Subnormais, que são formas de ocupação irregular de terrenos, em 734 municípios brasileiros. Esse dado permite ter uma percepção mais concreta de como a regularização fundiária no Brasil é um assunto que precisa ser discutido – e aprimorado. 

Dependendo da região, esses aglomerados podem ganhar diferentes nomes, todos eles muito conhecidos pela população brasileira, como favela, invasão, comunidade, vila e outros. Independente do nome, todos eles têm um elemento em comum: a ausência de título de propriedade dos imóveis aos moradores. 

Além disso, apresentam pelo menos uma das seguintes características: inadequação de um ou mais serviços de infraestrutura básica (abastecimento de água, fornecimento de energia, coleta de lixo, destino de esgoto), padrão urbanístico irregular ou restrição de ocupação do solo. E todos eles estão fora do mercado imobiliário formal, que poderia se beneficiar com a regularização fundiária nesses locais. 

São justamente os Aglomerados Subnormais que podem se beneficiar da regularização fundiária urbana, cujas regras foram atualizadas pela lei federal 13465/17, sancionada pelo então presidente Michel Temer, e que trouxe grandes avanços para a questão no Brasil. Para entender a relação da regularização fundiária com o mercado imobiliário, é preciso fazer um resgate histórico da legislação brasileira, bem como uma análise da situação atual, que você confere a seguir. 

Histórico da legislação brasileira para a regularização fundiária

A primeira legislação relacionada ao assunto foi a lei federal 6766/79, que apresentava regras para o parcelamento de solo urbano por meio de loteamento ou desmembramento. O dispositivo, entretanto, trazia imposições que dificultavam a venda e acabavam sendo empecilhos para a aquisição de propriedade por famílias de baixa renda, como a obrigatoriedade de o proprietário garantir toda a infraestrutura do terreno antes de reparti-lo para vender. 

“Com isso, teve início o processo de ocupação em torno dos grandes centros, em áreas públicas e particulares, com um crescimento desordenado das cidades. Somente em 2001, com o Estatuto das Cidades, é que e legislação trouxe novidades, como uma preocupação maior com a expansão de forma sustentável, mas aí a realidade da irregularidade já estava estabelecida, bem como seus conflitos”, resgata Gabriel Albuquerque, advogado especializado em Direito Imobiliário e com experiência em mediação de conflitos fundiários e construção de soluções para regularização fundiária. 

Já em 2009, a questão da regularização fundiária propriamente dita foi abordada na legislação pela primeira vez, com a lei federal 11977/09, mais conhecida como “lei Minha Casa Minha Vida”, por apresentar os detalhes do programa como objeto principal de sua disposição. “Dentro dessa lei, existia um capítulo dedicado à regularização fundiária, que já trouxe alguns avanços, como a percepção de que os núcleos urbanos informais sejam regularizados da forma como estão, sem intervenções complexas, com sustentabilidade e considerando situações que vêm de décadas, mas, claro, observando-se aspectos ambientais e de risco”, explica Gabriel. 

Por sua vez, a lei 13465/17 surgiu como uma Medida Provisória, que revogou esse capítulo da lei 11977/09, trazendo um novo procedimento. “Foi essa lei que trouxe o termo Reurb, que é utilizado atualmente para designar as áreas de regularização fundiária urbana. Essa nova legislação veio para detalhar alguns pontos da lei anterior, deixando claro que deve haver intervenção mínima no processo, além de facilitar e desburocratizar a regularização fundiária”, comenta o advogado. 

Informalidade prejudica mercado imobiliário

Para Gabriel, as novas regras para regularização fundiária podem beneficiar – e muito – o mercado imobiliário. “Apesar da informalidade, a dinâmica de venda de posse dessas áreas é muito constante e passa longe dos cofres públicos, que ficam sem arrecadar os impostos referentes a essas transações, e também do mercado imobiliário, que não tem possibilidade de intermediar compra e venda. Se esse mercado irregular fosse trazido para a regularidade, certamente geraria muitos negócios”, opina. 

O advogado ainda defende que a legislação seja acompanhada de políticas públicas que facilitem o acesso a crédito imobiliário para essas famílias. “A legislação, que atualmente já é muito boa, muito melhor do que as anteriores, poderia ser melhorada ainda mais se fossem criados mecanismos de financiamento. Apesar de haver dinheiro circulando nessas comunidades, as famílias de baixa renda não têm acesso a crédito porque não têm como comprovar renda. Mas, se houvesse um projeto de governo nesse sentido, elas poderiam arcar com sua própria regularização e custear a implantação da infraestrutura necessária (água, esgoto, energia elétrica), que é o grande problema dessas áreas onde há moradias irregulares. Não é só uma lei que resolve, precisa de uma criação de políticas públicas, é importante que o governo e as instituições financeiras vejam essas famílias como potenciais clientes”. 

Passo a passo para a regularização fundiária

Mesmo com a desburocratização trazida pela nova legislação, ainda assim todo o processo demora de um a cinco anos para se concretizar, dependendo dos conflitos que houver em relação à propriedade dos terrenos, sejam eles públicos ou privados. “A lei atual diz que mesmo áreas públicas são regularizáveis, principalmente terrenos da União, desde que seja estabelecido que se trata de uma Reurb. Também é possível subdividir o terreno em áreas menores, quando há conflito somente em uma parte, para que o processo tenha continuidade e não haja prejuízo e demora para as famílias que estão em áreas onde não há conflito. Esse também foi um avanço da legislação atual, que deixa clara que a regularização pode ser feita dessa forma”, esclarece o advogado.

Para entender melhor como funciona todo o processo de regularização fundiária urbana, Gabriel explica as etapas: 

  • Identificação dos núcleos urbanos informais; 
  • Famílias procuram município para abrir requerimento, identificando qual modalidade de Reurb que quer (de interesse específico, no qual a elaboração do projeto e a implantação da infraestrutura são custeadas pelas famílias, ou de interesse social, no qual projeto e infraestrutura são financiados pelo poder público); 
  • Município valida pedido com publicação de ato, como decreto municipal; 
  • Uma vez instaurada a Reurb, é feito um levantamento da área e das matrículas anteriores do terreno; 
  • Município notifica proprietários para se manifestarem;
  • Se houver algum tipo de conflito, o processo fica travado, até que o mesmo seja solucionado, por meio de acordo com o proprietário do terreno; 
  • No caso de ausência de manifestação e/ou conflito, é elaborado o projeto de regularização fundiária, contemplando todas as medidas indispensáveis para implementação no terreno e outros estudos, quando necessário, como projeto urbanístico, estudos ambientais e/ou de risco, entre outros, para apresentação para a prefeitura; 
  • Com base nesse projeto, o município identifica a infraestrutura existente e o que ainda precisa ser feito, para aprovação do projeto; 
  • Se a área já tem infraestrutura, o projeto é aprovado mais facilmente, mas em caso de necessidade de melhorias, as famílias devem apresentar um cronograma de obras, apontando quanto tempo levará para a área ter a infraestrutura necessária; 
  • Famílias assinam termo de compromisso referente ao cronograma de obras; 
  • Município emite Certidão de Regularização Fundiária (CRF) e encaminha projeto para o cartório de registro de imóveis;
  • A partir de então, já é possível a titulação dos beneficiários da Reurb, de acordo com os instrumentos previstos na Reurb, como legitimação de posse e usucapião, entre outros, dependendo da posse estabelecida para cada beneficiário.