Imobiliárias

Planejamento sucessório no mercado imobiliário: como preparar a empresa para a próxima geração

Preparar a sucessão dentro de uma empresa é tarefa delicada, pois além de obrigar a uma reflexão sobre a finitude, é necessário mexer com estruturas familiares. E no mercado imobiliário, onde o capital mais relevante é imaterial (marca, confiança, relacionamento) e o patrimônio financeiro não costuma ser elevado, é necessário cercar-se de cuidados ainda maiores através do planejamento sucessório.

Assim, transparência e planejamento antecipado são fatores-chave para que o negócio perdure após a morte ou a aposentadoria do proprietário. Infelizmente, esses casos são minoria – no Brasil, 70% das empresas familiares fecham as portas após o falecimento do fundador, de acordo com dados do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Para superar essas dores das empresas, profissionais se especializaram em planejamento sucessório. E, ao contrário do que muitos possam imaginar, esse serviço não é exclusivo para grandes corporações. “Trabalho muito com pequenos e médios [empresários]. Há esse estigma de que fazer um planejamento sucessório é coisas para grandes, para famílias de muita riqueza, mas não é verdade”, diz o advogado Gabriel Villarreal, sócio do escritório Villarreal Advogados, autor do livro “Planejamento Sucessório”, de 2019, da Editora Sirius e diretor jurídico da RE/MAX Brasil. “Às vezes a limitação de orçamento não vai permitir fazer algo mais arrojado, mas a base de um bom planejamento sucessório é acessível a todo mundo”.

O escritório comandado por Gabriel formata por volta de 10 sucessões empresariais por ano. E para entender os caminhos a serem trilhados após a saída de cena do gestor principal – algo que muitas vezes não está claro -, a banca criou um sistema de entrevistas individuais com os donos e seus sucessores. 

“É preciso ouvir a intenção dos sucedidos e, principalmente, dos sucessores. Se o filho vai assumir um negócio com o qual não tem afinidade, ele fica escravizado. Às vezes é nessas entrevistas que o pai descobre o desinteresse do filho. Para desatar esses nós familiares, nem sempre a saída é juridica”, comenta o advogado. 

Sucessão no mercado imobiliário será um dos temas tratados no ICXP, evento do Imobi Report que acontecerá nos dias 18 e 19 de março, em Curitiba. Já se inscreveu?

Em entrevista ao Imobi Report, Gabriel Villarreal conta, entre outras coisas, as soluções para as empresas de serviços, como as imobiliárias, garantirem uma sucessão mais justa após a saída dos sócios fundadores. Confira:

Imobi Report: Qual o passo inicial que uma empresa pequena e média do setor imobiliário deve adotar ao pensar no planejamento sucessório?

Gabriel Villarreal: Tomar consciência. É incrível como a sucessão é algo inevitável, mas ao mesmo tempo falta um pouco de consciência com relação a isso. É aquele assunto que sempre acaba ficando para depois.

O planejamento sucessório você não fez necessariamente porque acha que pode morrer. As pessoas às vezes falam: “pela minha idade, não estou na época”. Na verdade, o planejamento sucessório é organizar as coisas caso certos eventos indesejados aconteçam. Um deles pode ser o falecimento, mas podem acontecer vários outros tipos de eventos. 

A ideia é justamente tomar consciência dos imprevistos para assumir o controle da sua vida, dos negócios. Quando a gente deixa à sorte, as coisas acontecem aleatoriamente. 

Todo empreendimento vincula pessoas, vidas, os familiares, as pessoas que diretamente e indiretamente trabalham no empreendimento, e todo este universo pode ser afetado imediatamente por alguma ocorrência. 

Então é pensar nisso, pensar na interligação entre negócios e família, que às vezes são mundos que ficam separados na vida dos empreendedores. Como ver o impacto da minha ausência dos negócios e isso modificando a vida da minha família. Como ver a posteridade dos negócios, criar um segundo escalão, um terceiro escalão, como ver a minha empresa se organizando para que lá na frente eu não precise estar à frente dela, mas possa me beneficiar dela. 

Essa primeira consciência é a porta de entrada para um trabalho que pode ser sempre muito saudável, muito bom para qualquer empresa de qualquer setor, mas principalmente do setor imobiliário, porque empresas de serviços têm desafios sucessórios bastante peculiares. 

Imobi Report: A grande maioria dos donos de empresas que procuram seu escritório para tratar de sucessão têm mais de 60 anos. O caminho inverso, que seria antecipar esse planejamento sucessório da empresa, traz que tipo de vantagens na prática?

Gabriel Villarreal: O perfil claro do cliente que nos procura para fazer o planejamento sucessório é pelo menos over sixty [acima de 60 anos]. Tem o maior de 70 anos e eu atualmente estou fazendo o planejamento sucessório de um empresário de 83 anos. Então muitas vezes essa tomada de consciência só acontece quando o temor da morte se faz presente. Mas não é bem isso.

O que a gente fala é cuidar de pessoas, e novamente o primeiro foco é o grupo familiar, daquele que vai ser sucedido, mas ao mesmo tempo a gente tem que cuidar de outras pessoas que são relevantes dentro do próprio empreendimento. E quanto mais cedo melhor. 

O planejamento sucessório tem a ver com você traçar quem você quer ser no futuro, como você quer que as coisas aconteçam. Se você quer chegar aos 60 tranquilo você pode começar a planejar aos 40, porque planejamento sucessório envolve também aspectos patrimoniais, sua perspectiva com relação ao negócio, que tipo de liquidez, que tipo de patrimônio você pode construir ao longo dessa jornada para lá na frente ter uma tranquilidade melhor. 

Planejamento sucessório tem a ver com você poder se aposentar e transferir o seu negócio para uma segunda geração, para gerar novos escalões na sua empresa que te permitam uma melhor idade mais tranquila. 

Imobi Report: Um dos caminhos mais comuns que as empresas com certa estrutura tomam ao pensar em sucessão é a criação de uma holding. Mas você é um crítico desse modelo. Por quê?

Gabriel Villarreal: As pessoas vêm aqui no escritório e dizem “eu preciso de uma holding”, é uma frase marcante do trabalho com planejamento sucessório. E eu respondo: por que você precisa de uma holding? A holding virou aquilo que eu gosto de chamar de produto enlatado: vende-se, vende-se, vende-se, mas nem as pessoas que estão vendendo sabem corretamente como funciona ou para que serve. É um remédio que as pessoas não sabem qual doença cura. 

Há muito tempo havia aspectos tributários da holding altamente benéficos para que você pudesse fazer a sucessão internamente na sociedade, evitando um inventário. Estamos falando de 20 a 30 anos atrás. Mas muitas dessas coisas foram mudando e a holding também foi se mostrando pouco eficaz para isso.

A principal demanda que a gente recebe é colocar todos os imóveis do cliente numa holding para economizar imposto da sucessão. E esse movimento na verdade dobra o imposto, porque haverá tributação na incorporação dos imóveis ao patrimônio da holding e depois teremos que inventariar a própria holding, que terá um valor patrimonial alto por causa dos bens. Acaba dando uma tributação maior. 

E o grande problema do planejamento sucessório – respeitando a crença de todo mundo – é uma brincadeira que eu digo: o cliente não volta para reclamar. Então é uma responsabilidade muito grande orientar corretamente, porque a família muitas vezes fica de fora do processo e também não compreende por que que foi feito dessa forma. 

A holding é uma boa solução para certas situações, que precisam ser corretamente diagnosticadas diante dos custos que ela representa. E eu posso dizer com a minha experiência que em 90% a 95% dos casos eu consigo provar para o cliente por A mais B que não é benéfico abrir uma holding”. E ele consegue se planejar numa estrutura mais simples e mais barata, num caminho mais curto e mais eficaz para chegar onde ele quer. 

Imobi Report: Se o fundador percebe que os herdeiros não têm capacidade ou interesse para manter o negócio, qual a saída mais viável para a hora da aposentadoria: vender a empresa e dividir o patrimônio ou preparar terceiros para que a empresa prossiga e os lucros sigam sustentando a família? 

Gabriel Villarreal: Esse é seu maior desafio de uma empresa de serviços. Quando a empresa tem ativos, tem estoque, imóveis, você fala “OK, temos um patrimônio aqui que a gente fecha a empresa e distribui”. Agora, as empresas de serviço são o caixa que elas produzem mês a mês. 

O meu escritório de advocacia e as agências imobiliárias são empresas que vivem do serviço. Faltando o serviço o que sobra como ativo é muito pouco. São empresas que eu chamo de geradoras de renda, e não propriamente ativos. Se a gente parar de trabalhar, o que sobrou? Mesa, cadeira e computador. É a mesma coisa aqui no meu escritório – são unidades de negócio altamente rentáveis, mas que têm um valor patrimonial muito baixo. 

E aí já vem uma primeira chamada de atenção importante para sócios de imobiliárias: o que acontece com a sucessão se você falecer e se o teu outro sócio tocar o negócio? O que a sociedade tem que pagar para sua família? A sociedade, por lei, vai ter que pagar o valor do balanço patrimonial da empresa dividido pelo percentual que o sócio falecido tem. E veja só, você vai pegar empresas que têm um faturamento milionário de caixa, mas que quando você vai ver o patrimônio, qual é o patrimônio de uma imobiliária? O mesmo que o meu aqui: mesa, cadeira, computador, impressora… é muito baixo. 

Então imagine se o sócio com 50% da imobiliária falecer, ainda que essa empresa fature milhões ao longo do ano, o balanço vai apontar que a imobiliária vale R$ 100 mil ou R$ 200 mil. A família dele vai receber R$ 50 mil a R$ 100 mil na mão. Uma das coisas que fazemos muito no planejamento sucessório para empresas de serviços é precificar previamente entre os sócios quanto será pago pela sociedade à família do sócio falecido. Isso é muito importante. 

E estamos falando de sucessão com pagamento, sem ninguém vindo para dentro. Agora, quando a gente fala de mecanismos em vida, também temos que tratar sobre herdeiros que não têm sintonia com o negócio. Como eu faço para o negócio continuar? Eu vou conseguir um segundo escalão que mantenha a roda geradora de renda frutificando em prol dos sócios, e eu vou virar aquele sócio que tem um percentual menor, que fica mais distante, mas recebe todo mês? 

Eu tenho que converter o meu protagonismo para o protagonismo de outras pessoas à frente do negócio, para talvez eu virar um minoritário que não participa, apenas que serve. Esse é um processo natural.

Eu tenho 41 anos e aqui no meu escritório tenho 16 anos de empresa. Eu estou focado em até os 50 já ter feito essa passagem. Estou focado em até meus 45 anos estar em determinado lugar e aos 50 em outro. Numa estrutura que dependa menos de mim, que consiga manter fluxos de receita para onde eu possa me dedicar a certas atividades. Para isso eu tenho que começar uma sucessão agora, com meu segundo escalão de sócios se fortalecendo.

“E seus filhos?” Meus filhos são muito pequenos, eles não vão querer nem poder assumir, são profissões regulamentadas, tanto a de corretor de imóveis quanto a de advogado. Então, se a família não quer vir, só tem dois jeitos: ou vender ou perpetuar na mão de terceiros. E esses terceiros terão que ter vantagens para continuar um negócio que eles não criaram, mantendo um fluxo de renda suficiente para aquele que criou. É bem desafiadora a sucessão em empresas de serviço. 

Eu gosto de falar que a grande beleza e a grande missão nossa no planejamento sucessório é fazer com que a perda se torne meramente emocional. Essa é irreparável. Mas que a gente possa cuidar das pessoas para que a vida caminhe da melhor maneira.

Imobi Report: Um serviço de consultoria em sucessão empresarial, que abrange questões comerciais, tributárias e hereditárias, é mais adequado a organizações de maior porte ou pode caber no orçamento de pequenas e médias empresas?

Gabriel Villarreal: Eu trabalho muito com pequeno e médio, incrivelmente. Há esse estigma de que fazer um planejamento sucessório é coisas para grandes, para famílias de muita riqueza, mas não. Na verdade é cuidar de pessoas. 

Vou passar uma referência, sem falar de honorários porque é antiético: [é possível] a gente planejar uma sucessão através de um instrumento fantástico e muito versátil chamado testamento, que para fazer custa nos cartórios ao redor de R$ 1.500. O resto é inteligência que a gente pode criar em cima para implementar isso. 

Com R$ 1.500 você consegue resolver uma série de assuntos sucessórios, trabalhando bem um testamento e conhecendo bem as ferramentas veiculadas através dele. 

Mas quanto é uma estrutura? A gente já fez estruturas de planejamento sucessório que envolveram a criação de trusts internacionais porque o patrimônio era muito alto, internacionalizado, e aí você terá uma operação de custo muito elevado. Mas também há soluções muito mais acessíveis.

Todo empreendedor, todo empresário pode sim se planejar. Ah, mas eu vou poder fazer tudo que eu quiser? Se não puder fazer tudo, pelo menos faça algo. Às vezes a limitação de orçamento não vai permitir fazer algo mais arrojado, mas a base de um bom planejamento sucessório é acessível a todo mundo. Os custos não são altos e, principalmente, os benefícios são magníficos. 

Eu digo isso como alguém que, se por um lado eu brinco que o cliente não volta aqui para reclamar, por outro lado eu sou a primeira pessoa que a família liga quando acontece alguma coisa com o cliente. E eu fico encarregado de garantir que aquela última vontade do nosso cliente seja feita, a de acompanhar essa família e deixá-la numa trilha segura. 

Recomendo que um bom planejamento sucessório envolva todas as pessoas da família. Deixar claro para a família o que está sendo planejado. A gente trabalha numa metodologia em que eu faço entrevistas individuais com todos os sucessores para saber que alinhamento eles têm com o planejamento imaginado. E aí você começa a ver o quê? Que nossa missão é cuidar de pessoas, fazer com que elas possam ter a melhor vida possível dentro de diferentes cenários. Com pequenas ferramentas acessórias a gente resolve grandes problemas.