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Ouvir antes de “demitir”: o desafio de lidar com clientes tóxicos na imobiliária

Imobiliárias que atuam com locação sabem que estão no fogo cruzado de uma relação potencialmente conflituosa, por envolver os interesses antagônicos de proprietários e inquilinos. É normal, portanto, que surjam divergências e reclamações, mas em meio a esse cenário há uma minoria de clientes tóxicos, que drenam a energia das equipes de atendimento com falta de respeito, exigências inoportunas ou contestações descabidas. 

Com tal pressão, têm sido comuns os relatos de pedidos de afastamento ou mesmo de desligamento por parte de funcionários. E esse desgaste contínuo, por outro lado, leva imobiliárias a “demitir” clientes, abrindo mão do contrato em nome da saúde mental das equipes de atendimento. Ou, em casos extremos, ao ponto de desistir da própria atividade de locação residencial, como ocorreu com a Multi Imóveis, de Cachoeiro de Itapemirim (ES).

No mês passado, a imobiliária capixaba negociou 220 imóveis de sua carteira e agora irá administrar somente locações comerciais, além de seguir com vendas (residenciais e comerciais). Segundo o gerente de locações da imobiliária, Anderson Supeleto, a decisão foi tomada diante do desgaste excessivo causado pelas tarefas ligadas à locação residencial, especialmente o relacionamento com clientes difíceis.

“Num curto período de tempo estaremos mais livres para trabalhar com mais capricho e qualidade, planejar, desenvolver e consequentemente colher melhores resultados sem colocar em risco nossa saúde mental e emocional”, aponta Anderson.

CNV: metodologia para amenizar ruídos

Para evitar esse tipo de solução drástica, algumas técnicas podem reduzir o impacto desses conflitos com clientes tóxicos sobre a saúde mental das equipes. 

Kariny Martins, diretora de atendimento da CUPOLA e mentora de treinamentos sobre a metodologia da Comunicação Não-Violenta (CNV), recomenda que as equipes da imobiliária aprendam a analisar o contexto pessoal desses clientes, para perceberem se o tom mais áspero é fruto de um momento pessoal conturbado – ou seja, se o estresse diz mais respeito a esse indivíduo do que à relação comercial com a imobiliária. 

Ao mesmo tempo, os times devem ser orientados a não baixar a guarda diante de reclamações exageradas e sustentar uma posição quando a empresa entender que está com a razão 

“É importante dar abertura de escuta para esse cliente, entender quais são as necessidades dele, o momento pelo qual ele está passando, e depois colocar qual é o ponto da imobiliária, o que ela precisa fazer para que as regras sejam cumpridas. E relembrar que lá atrás houve um contrato assinado, houve um combinado que foi acordado e isso precisa estar muito claro”, comenta Kariny.

Em entrevista ao Imobi Report, a diretora da CUPOLA fala sobre os cuidados preventivos para amenizar a ansiedade nas equipes de atendimento e comenta os tópicos que a imobiliária deve observar antes de avaliar a possível “demissão” de clientes tóxicos. 

Kariny Martins

Imobi Report: As imobiliárias que operam aluguel costumam lidar com uma minoria de clientes que geram desgaste excessivo e drenam a energia da equipe. Qual é o limite entre absorver e tentar compreender comportamentos inadequados e aquele ponto em que é mais conveniente “demitir” esse cliente?

Kariny Martins: Em primeiro lugar, trago aqui os conceitos e fundamentos da Comunicação não violenta, que é a imobiliária olhar para as necessidades dela e as de seus colaboradores. É muito difícil a gente traçar uma linha objetiva: se passarmos desse ponto, eu vou demitir esse cliente. Mas é importante e interessante olharmos para a saúde financeira da operação. Por mais que possa parecer óbvio, observamos muitas imobiliárias de locação que não fazem a conta do quanto esse cliente está deixando de trazer para a operação. 

Sabemos que o Custo de Aquisição de Clientes da locação é alto e, portanto, leva um tempo para que o contrato administrado gere retorno financeiro efetivo para a imobiliária. E às vezes você tem um cliente proprietário [de imóvel] que se recusa a pagar taxas, ou que não está de acordo com as regras da operação da imobiliária. São casos em que é necessário avaliar. 

Também é importante a imobiliária ter um cuidado com a saúde emocional dos colaboradores. Quando percebemos que lidar com aquele cliente gera um desgaste muito grande na equipe, que é um problema constante, vale a pena reavaliar se não é mais interessante dizer a ele “olha, para nós não faz sentido trabalhar com você nesses termos”. Ou então, se é o caso de buscar uma solução para esse tipo de conflito. Eu colocaria, então, como pontos de observação a saúde financeira da imobiliária e a saúde emocional dos colaboradores.

Imobi Report: E como deve ser a comunicação com esse cliente tóxico, para que a imobiliária seja firme em fazer cumprir o que está acordado sem ser rude e agressiva, o que poderia até gerar transtornos maiores futuramente? 

Kariny Martins: O ponto é que a gente precisa – e observo isso muito atentamente – preparar melhor as equipes para se comunicar com esses clientes, ouvi-los. Também é muito comum que a imobiliária já queira colocar para os clientes: “as regras são essas, essas e essas, você tem que cumpri-las”, sem necessariamente ouvir o lado do cliente, ouvir o momento pelo qual ele pode estar passando. 

Trazendo outra máxima da Comunicação Não-Violenta: nada nem ninguém nos causa sentimentos. Quando lidamos com os nervos mais aflorados, de um cliente que chega muito nervoso, ele não está necessariamente estressado com a imobiliária ou com aquele atendente. Ele pode estar passando por diversas outras coisas. 

Então [é recomendável] dar uma abertura de escuta para esse cliente, entender quais são as necessidades dele, o momento pelo qual ele está passando, e depois colocar qual é o ponto da imobiliária, o que ela precisa fazer para que essas regras sejam cumpridas. E relembrar que lá atrás houve um contrato assinado, houve um combinado que foi acordado e isso precisa estar muito claro. 

E isso precisa acontecer desde o início da locação, por meio de um manual do proprietário e de um manual do inquilino. Muitas empresas ainda não têm essa prática, não entregam esse tipo de material e para o cliente acaba não ficando claro quais são esses combinados. 

E a equipe deve estar preparada para fazer essa comunicação sem se exaltar, sem “soltar os cachorros” em cima do cliente, mas também sem “engolir sapo”, do tipo “ok, a gente vai fazer o que o senhor precisa”.

Já observamos empresas que criam verdadeiros comitês de crise para ter mais de uma pessoa envolvida. Isso é importante, e é o que praticamos inclusive dentro de casa. Temos às vezes algumas questões com os nossos clientes aqui na CUPOLA. Então você tem um profissional de atendimento envolvido, mas muitas vezes eu, como diretora de atendimento, preciso e devo me envolver para ter um olhar global do caso, um olhar de fora. 

Casos críticos devem ser levados para o gerente, para uma liderança, e deve haver uma comunicação previamente combinada, uma preparação de como esse profissional vai se comunicar com esses clientes nesses casos.

Imobi Report: Como consultora de Comunicação Não-Violenta para imobiliárias, você costuma defender que o conflito não deve ser evitado, até porque ele é inerente a uma atividade que intermedia dois pólos com interesses opostos,e que a imobiliária deve aprender a encarar esse desconforto de não concordar sempre com o cliente. Qual o ganho em longo prazo com essa postura? 

Kariny Martins: Exatamente isso, o primeiro passo é admitir que não há como evitar conflitos, principalmente quando falamos de locação, em que há uma relação de longo prazo. 

Com isso podemos dar um suporte a essas equipes que lidam com tantos problemas, especialmente as que estão na frente do recebimento de chamados de manutenção. Elas trabalham recebendo ligações e mensagens de pessoas que estão passando por um momento complicado: caiu uma telha, entupiu um cano em casa, choveu muito e entupiu a calha, enfim.

É importante  entender que enfrentar os conflitos e não necessariamente concordar com esse cliente não significa que eu vou ser violento com ele, não significa que eu vou simplesmente impor a ele todas as regras às quais a imobiliária está submetida.

E aí volto no ponto de preparar emocionalmente, do ponto de vista de comunicação, as equipes que estão nessas frentes. Eu vejo que muitas vezes são colocadas nessas posições pessoas iniciantes no mercado de trabalho. E não é uma posição fácil, não é simples você lidar com esse tipo de conflito o dia inteiro. 

Então [é importante] ter uma pessoa mais preparada para falar com os proprietários, outra que vai falar com os inquilinos, inclusive fazer divisões dentro da imobiliária de quem vai lidar com essa comunicação. 

Tem se tornado muito comum dentro das imobiliárias a figura do consultor de relacionamento. Ele é a central de relacionamento com o cliente, um único profissional que recebe as demandas e distribui ali entre financeiro, manutenção… então quanto mais a gente tiver um ponto de contato dentro das empresas, mais provável que tenhamos uma relação mais saudável com os clientes no longo prazo.

Imobi Report: Num caso de relação tóxica com o cliente, é importante que a imobiliária abra canais para que os próprios colaboradores exponham e tragam suas queixas quando tiverem dificuldades extremas com os clientes? 

Kariny Martins: Com certeza, a comunicação dos colaboradores com os clientes vai refletir o clima interno dentro da imobiliária e o estado em que eles estão. Quando os colaboradores se sentem acolhidos pela empresa, eles com certeza vão trabalhar com muito mais foco e trazer muito mais resultados positivos para a operação.

O ideal é que a posição de gestão de pessoas seja um canal constantemente aberto para os colaboradores. Além de a pessoa poder contar com o líder direto para falar a respeito dessas situações, tentar resolver esses conflitos, que ela tenha nos profissionais de gestão de pessoas esse canal para dizer como ela se sente em determinadas situações e para que a imobiliária possa agir quanto a isso. 

Não significa que necessariamente a cada reclamação, a cada insatisfação desses colaboradores, a gente vai ter um cliente demitido. Muitas vezes essas pessoas apenas não estão preparadas para lidar com aquele tipo de situação e precisam de uma diretriz, de um norte, precisam entender que estão sendo acolhidas nas necessidades delas. 

Conflitos serão constantes, sabemos o quanto isso abala as imobiliárias, mas precisamos de equipes mais preparadas para lidar com eles. Entender que isso é normal, mas que pode impactar bastante a saúde emocional desses colaboradores, a motivação que eles têm para trabalhar. E quando eles percebem que a empresa, a imobiliária está do lado deles, isso faz toda a diferença mesmo nos momentos mais tensos.

Gostou deste texto? Ele foi adaptado de uma das edições do Imobi Aluguel, principal comunidade de aprendizado e de criação de conteúdos do País focada na locação de imóveis. 

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