Opinião

O inquilino que cortou uma árvore benzida pelo Papa – ou a importância de não deixar nada de fora da vistoria

Toda imobiliária tem aquele cliente para quem o imóvel tem um grande valor sentimental. Às vezes, não é tanto com o imóvel em si, mas com a cômoda, o tapete, a árvore do jardim. Antes da Hauseful, quando eu trabalhava como vistoriador em uma imobiliária em Florianópolis, vi de perto uma situação dessa. Uma proprietária que tinha deixado uma árvore no seu quintal. Mais especificamente, uma oliveira. Ainda mais específica: uma oliveira benzida pelo Papa João Paulo II.

Esta proprietária era uma senhora, com alguns imóveis em Floripa. Entre eles, uma casa de esquina, azul, no bairro Balneário do Estreito. Na época em que esse caso se sucedeu, a ponte Hercílio Luz estava constantemente sendo reformada e a construtora responsável alugou uma casa para os operários morarem – a casinha azul da esquina.

Aqui, vale contextualizar que era um grupo de homens morando juntos, trabalhando durante todo o dia e relaxando no período da noite e finais de semana. Os moradores adotaram um cachorro, que era meio atentado. O cachorro saiu comendo todas as plantas do quintal e, entre elas, uma oliveira. Com o cachorro tendo semidestruído a árvore, eles a cortaram.

Corta para a vistoria de saída, com a senhora acompanhando o vistoriador e percebendo a falta da oliveira. E daí para a imobiliária, com a cliente chorando com o toquinho da sua oliveira na mão, toquinho que tinha sido benzido pelo Papa João Paulo II.

A imobiliária se propôs a comprar uma nova árvore e benzer com outro padre em Florianópolis, mas claro que não era a mesma coisa. A solução foi pagar um valor para a senhora, fazer um acordo financeiro para que ela pudesse viajar para Jerusalém buscar uma segunda oliveira. Não preciso me estender para dizer que não foi o suficiente. Ela aceitou, mas tirou todos os imóveis da carteira da imobiliária. A oliveira era pequena, talvez nem fosse virar uma grande árvore. Mas o valor emocional…

Hoje, conseguimos rir com o inusitado da situação, mas é um bom exemplo para aprender com a sucessão de erros. É importante listar alguns passos, para que esses erros não aconteçam:

Em primeiro lugar, a política de locação da imobiliária. Há empresas que delimitam suas políticas, deixando explícito para os proprietários que não se responsabilizam por bens de valor deixados no imóvel locado. Quando falamos bens de valor, referem-se também ao valor emocional, como era o caso daquela oliveira. Há imobiliárias que não relacionam na vistoria itens de decoração, por exemplo.

Isso é importante para deixar claro para o proprietário que o imóvel não fica preservado exatamente igual quando ele é locado. Há o desgaste de tempo, de uso, então o armário de infância deve ser retirado. O tapete que veio de uma viagem especial, também.

A segunda etapa, que se relaciona com a primeira, é a transparência com o proprietário. A relação e o diálogo entre imobiliária e cliente devem ser claros, para que este se sinta na liberdade de listar características importantes no imóvel.

A terceira etapa é garantir uma vistoria que leve em consideração as observações do proprietário ou que seja, inclusive, acompanhada por ele. Em tempos de pandemia, a companhia nem sempre será possível, então o ideal é que, previamente, o proprietário liste para a imobiliária o que é importante, o que não é visível, mas tem que ser listado, os “segredos” da casa. Por exemplo, o depósito no porão, a árvore que tem que ser contemplada na vistoria.

A empatia é uma relação que deve permear todas essas etapas. O ônus de uma situação como a que contei é grande: há um desgaste emocional para todos os envolvidos, um problema de imagem para a imobiliária e uma situação que dificilmente vai ser resolvida na sua totalidade. Ainda mais quando se trata de algo que não pode ser recuperado, como uma árvore benzida por um Papa que já não está entre nós.

Diego Oliveira

Head de vistorias e sócio da Hauseful Serviços Digitais, é formato em administração de empresas e direito, e tem ampla experiência no mercado imobiliário. Atualmente, tem como missão tornar mais leve operações internas de imobiliárias parceiras oferecendo serviços sob demanda de qualidade.