built to suit
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No built to suit, é vital que o locador entregue corretamente o imóvel

A modalidade de locação conhecida como built to suit é especialíssima e a sua concretização depende de o locador obedecer exatamente, minuciosamente, aos interesses, planejamento, padrões e necessidades do locatário. De outro modo, não funcionará.

No contrato de locação built to suit, ou “locação por encomenda”, o locador constrói ou reforma substancialmente determinado imóvel de sua titularidade, por si ou por terceiros, para que possa ser utilizado pelo locatário, atentando com precisão às suas necessidades empresariais. 

Creio merecer insistência, diante de situações que têm gerado litígios: essa obrigação de entregar um imóvel com as características encomendadas é basilar nesse negócio. Se assim não fosse, estaríamos tratando de uma locação não residencial usual, sem especificidades – e sem a contrapartida, é obvio, dos direitos que a Lei das Locações assegura ao locador no artigo 54 – A.

A dinâmica empresarial explica que a locação seja convencionada com essas características em que, além das obrigações costumeiras nas locações urbanas, são estabelecidos outros deveres, específicos a cada situação. São condições “sine qua non”: sem atendê-las, a operação não funcionará!

Esse formato permite que o locatário concentre a sua expertise no seu próprio negócio, não se envolvendo com obras, cumprimento de aspectos específicos e burocráticos para implementação do seu projeto. Tampouco investe seu capital na compra de terreno e construção de um prédio especial, que dificilmente poderia ser usado para outras atividades que não a sua. Lucra com isso. 

Por outro lado, o locatário assume pagar valores que em geral são maiores que os aluguéis correntes; obriga-se a manter o contrato por períodos muito mais longos que os usuais (basta conferir: quando se cogita do direito à renovação judicial por comerciantes, se fala de cinco anos; quando se pensa em locações por encomenda, se fala facilmente em vinte anos renováveis: veja-se a extensão do compromisso que o locatário assume!); se sujeita a obrigações que não estariam contempladas em uma locação usual, tais como a renúncia à ação revisional de aluguel e a submissão a multas elevadíssimas em caso de rescisão imotivada e/ou antecipada (enquanto as locações usuais se submetem por inteiro à previsão de proporcionalidade da multa e seguem um certo limite, entre três e seis aluguéis, tido por razoável). 

Sim, o que poderia ser considerado abusivo numa locação “comum”, não o será numa locação built to suit, esta é a contrapartida entregue ao locador. Talvez baste para ilustrar, a certeza de que em caso de denúncia antecipada, o locador receberá, mesmo assim, multa igual a até a soma dos valores dos aluguéis que venceriam até o dia do final do contrato…

Desnecessário dizer que esse tipo de negócio jamais é celebrado por impulso, mas é precedido de minucioso planejamento. E tudo que motiva o locatário à contratação consiste em dever inafastável do locador, lembremos sempre: se assim não for, não servirá ao cliente, o locatário.

Assim, devem ser rigorosamente respeitados os prazos de entrega do imóvel, afinal o locatário, enquanto o prédio é construído, terá investido em seu core business treinando suas equipes; desenvolvendo produtos e estratégias de marketing; adquirindo ou contratando o fornecimento de mercadorias e insumos; organizando a sua estratégia de capital e financiamento e assim por diante. Se o locador atrasar a entrega do prédio a frustração do negócio será terrível. 

Para exemplificar: imagine-se que o locatário tenha tudo organizado para as vendas e promoções de Natal (produtos e embalagens estocados, propaganda veiculada a preços sabidamente altos devido à sazonalidade, atores selecionados para que vários Papais Noéis recebam a criançada, vendedores e entregadores contratados e treinados, tudo financiado por bancos que pretendem receber a partir do janeiro seguinte). Em seguida, imagine-se que o prédio em que tudo aconteceria não ficou pronto, ou ficou “meio pronto”, ou se mesmo que fisicamente acabado ainda estejam pendentes os alvarás de funcionamento, autorizações, aprovações, tudo a impedir o bom funcionamento, como planejado. Fácil imaginar a frustração do negócio do locatário, decorrente do inadimplemento do locador.

E as exigências detalhadas fazem parte do negócio:  galpões logísticos por vezes deverão ser utilizados para o desenvolvimento de atividades industriais – isso exige liberações pelas autoridades competentes; é previsível a necessidade de razoáveis instalações para a administração, os escritórios – impensável meter as pessoas em galpões sem adequadas ventilação e iluminação, sem bom tratamento acústico, sem condições de moderno conforto; cozinhas e banheiros são obviamente fundamentais, até porque esses galpões findam construídos longe das cidades, dificultando o acesso a restaurantes e outra instalações.

A par das obviedades (construção segura, aprovada, atenta às normas técnicas, eficiente etc), as especificações devem estar nos contratos. É usual que se prevejam que a entrega somente ocorra se feita vistoria formal, para conferir se foi erigido cada um dos itens combinados e que o locador prove (embora isso seja mais que evidente – como funcionar sem?) que obteve todos os alvarás necessários (licenças ambientais, AVCB, Auto de Conclusão, Alvará de Funcionamento na Edificação documentação relativa à geração de Tráfego, etc) nos prazos pactuados e com antecedência suficiente para que o Locatário organize regularmente a sua mudança e a instalação no local (mais uma vez, não são atividades que se possam realizar de “bate pronto”…). 

Em homenagem à justa expectativa do locatário e ao sempre desejável equilíbrio contratual, caso desrespeitado o prazo de correta e integral entrega do imóvel, esse inadimplemento se considerará gravíssimo (mesmo que se consiga realizar a entrega parcial do imóvel, suprindo uma ou outra expectativa do negócio, o que seria objeto de alguma remuneração parcial, conforme a situação) e resultará, como inevitável consequência, no dever de o locador arcar com as penas porventura prevista no trato, de indenizar por danos emergentes e pelos lucros cessantes experimentados pelo locatário malogrado.

Enfim, ao contratar, locador e locatário expressam as suas vontades, mostram quais são os objetivos, assumem os respectivos riscos, informam o ponto de equilíbrio do contrato. O locador se compromete a entregar o imóvel a tempo e condições ajustadas, com exatidão; e o locatário, se compromete a usar e pagar como combinado. Tudo é realizado em atenção ao fim econômico indicado pelos próprios contratantes. E o inadimplemento, que sempre será sério e terá severas consequências, acarreta imediato dever de indenizar.

Jaques Bushatsky

Jaques Bushatsky é advogado, foi Procurador do Estado de São Paulo e Juiz do TIT/SP por dois mandatos e chefiou a Procuradoria da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Coordenador de Locação e Compartilhamento de Espaços na Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SP. No SECOVI – SP (Sindicato da Habitação) é membro do Conselho Jurídico da Presidência, Diretor de Legislação da Locação, Coordenador do PQE e Pró Reitor da Universidade corporativa.

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Jaques Bushatsky

Jaques Bushatsky é advogado, foi Procurador do Estado de São Paulo e Juiz do TIT/SP por dois mandatos e chefiou a Procuradoria da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Presidente da Comissão de Locação e Compartilhamento de Espaços do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, fundador e diretor da MDDI – Mesa de Debates de Direito Imobiliário. Autor da obra “Aspectos Principais do Aluguel Comercial” e coautor da obra “Locação Ponto a Ponto” publicada pelo IASP Instituto dos Advogados de São Paulo.

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