Opinião

Muito além da mediação de conflitos: Comunicação Não-violenta para dar voz às mulheres e ouvidos empáticos aos homens do setor imobiliário

“Vai ficar parecendo que Comunicação Não-violenta é assunto apenas para as mulheres”. Foi mais ou menos essa frase que ouvi do meu amigo Denis Levati, quando estávamos pensando em convidados para um painel sobre a Comunicação Não-violenta no mercado imobiliário para o ICXP e eu indiquei apenas mulheres. 

Até então, eu não havia pensado criticamente sobre isso, mas, de fato, os cursos e os grupos de discussão sobre Comunicação Não-violenta são todos dominados pela presença feminina. 

A busca pela adequação

Que as mulheres sejam a maior parte das interessadas na abordagem não é nenhum problema, a questão são os motivos que nos levam a isso. Thayna Meirelles, especialista em Comunicação Não-violenta formada pelo Centro internacional de CNV, afirma que a maioria das mulheres procuram seus cursos para serem  mais assertivas ou “menos agressivas”. “Para mim, esse é um retrato claro do quanto aprendemos bem a dedicar nossas vidas a servir os outros e prestar pouca atenção a nós mesmas”, afirma. 

Ou seja, estamos constantemente adequando o que precisamos comunicar para dizer o que é esperado de nós, da forma que é esperado, não necessariamente como realmente gostaríamos de nos posicionar. 

E para as mulheres do mercado imobiliário, isso não é diferente. 

“Em diversos momentos eu precisei ajustar a minha forma de comunicação no mercado imobiliário. Ao longo do anos, eu aprendi que para uma mulher ser assertiva era muito complexo, porque as pessoas me julgavam como arrogante, mandona ou outras características que, hoje eu entendo, combinadas com o fato de eu ser mulher, tornavam-se pejorativas”, conta Elisa Tawil, idealizadora, co-fundadora e líder do Mulheres do Imobiliário.

A ousadia é o que nos levará além

O mercado imobiliário é dominado pela presença masculina, principalmente no que diz respeito a posições de liderança. Quer um exemplo? Das 70 empresas que atendemos na CUPOLA, entre imobiliárias e incorporadoras, apenas cinco foram fundadas por mulheres. E isso não tem nada a ver com falta de competência, porque no quadro de funcionários a presença feminina é massiva em todas.

Em seu brilhante artigo para o ImobiReport, Susanna Marchionni, CEO e fundadora da Planet Smart City, afirma que o mercado de trabalho ainda enxerga o público feminino com um olhar de desconfiança: “Ser uma mulher no ramo da construção civil, um nicho bastante tradicional e masculino, me faz sentir na pele esse desafio. Isso, no entanto, nunca me impediu de chegar aonde cheguei e de querer voar mais alto. E essa ousadia é o que tem feito outras mulheres tomarem seus espaços, furando os ‘clubes de meninos’, muros altos nos quais esbarramos ainda na faculdade”. 

A coragem e a ousadia de não se adequar, de fazer diferente do que é esperado de nós, é uma característica que enxergo nas mulheres que admiro em nosso setor e, não à toa, mulheres que se destacam. 

Uma delas é a Enéia Verdi, que começou a sua carreira há 23 anos, como secretária de um empreendimento imobiliário e hoje é a dona de uma imobiliária que emprega cerca de 30 pessoas em Passo Fundo (RS), a Verdi imóveis. “Muitas mulheres hoje assumiram o protagonismo das suas vidas, das suas escolhas. Esse novo comportamento, esforço de algumas décadas, vem deixando essa passividade, que culturalmente nos foi imposta, para trás. Não foi fácil chegar até aqui. Foi preciso autoconhecimento, autoconsciência, qualificação e resiliência. Temos um mundo para conquistar! Isso é só o começo”. 

Quem também fez diferente do que o mercado espera foram as fundadoras da imobiliária Sis3, de Curitiba (PR),  Fernanda Cunha de Athayde, Paula Cunha Régnier e Luciana Cunha França, que, espontaneamente, acabaram formando uma equipe apenas de mulheres. “Somos atenciosas, empáticas, detalhistas, sabemos a importância de uma casa em uma família. Enfim, acreditamos que o mercado imobiliário só tem a ganhar com a presença das mulheres”, afirmam. 

Por mais mulheres e mais homens na Comunicação Não-violenta

Que a busca de muitas mulheres pela Comunicação Não-violenta venha a partir da perspectiva de se adequar, não significa que este seja o convite da prática.  

A Comunicação Não-violenta vai além, muito além de uma técnica de linguagem, de adequar a forma como falamos dentro de quatro passos. A CNV é, antes de tudo, um convite à autoconexão e ao autoconhecimento. 

No caso das mulheres, é uma abordagem poderosa para que, cientes de nossas necessidades, possamos buscar atendê-las, e não apenas servir às necessidades dos outros, como fomos cultural e socialmente doutrinadas a fazer.  Não é sobre sermos agradáveis e nos adequarmos, e sim usar de autenticidade e empatia para sustentarmos o incômodo, o desconforto de nos posicionarmos. Sobre ser quem se é e não quem fomos ensinadas a ser.

Já para os homens, a CNV traz ensinamentos essenciais sobre a escuta ativa e a empatia. Cito aqui uma passagem da Elisa, em seu livro Proprietárias: A Ascensão Feminina no Setor Imobiliário: “O homem como embaixador da causa feminina precisa ceder espaço de fala para as mulheres sempre que isso for possível […] Abrir essas oportunidades de fala e deixar que elas apareçam, faz parte desse caminho de construção do homem que quer ver a mulher ocupando os espaços na sociedade”. 

E para ver o mercado imobiliário com cada vez mais Elisas, Susannas, Enéias, Fernandas, Paulas e Lucianas, nosso painel no ICXP vai sim ter a presença de homens, porque o papel deles é essencial na construção não só de um mercado, mas de uma sociedade mais equânime.