mulheres no setor imobiliário
Dia das Mulheres

Mês da mulher: mulheres no setor imobiliário e mercado de trabalho

Em 2020, a participação das mulheres no mercado de trabalho alcançou a menor taxa em 30 anos, 46,3%, segundo o Ipea. Ainda há pesquisas que apontam que a crise sanitária pode regredir os direitos das mulheres em 25 anos. Esse cenário é grave e merece reflexão. Por isso, Ana Clara Tonocchi, jornalista do Imobi Report, convidou  profissionais de destaque do setor para discutir a participação das mulheres no setor imobiliário, no mercado de trabalho e no cenário da pandemia. 

Ana Clara Tonocchi: Vou começar essa conversa dentro de casa, chamando Kariny Martins. Kariny, você atua muito próxima de imobiliárias, então se você puder nos dar uma perspectiva sobre este nicho.

Kariny Martins, sócia da CUPOLA e colunista do Imobi: Se tem algo que eu procuro sempre observar, é a diferença da participação entre homens e mulheres.

Hoje na CUPOLA, temos entre os nossos clientes, imobiliárias e incorporadoras. Falando especificamente das imobiliárias, percebo uma participação feminina muito maior e grande na frente de locação, principalmente na parte administrativa da locação. Na parte comercial, varia um pouco de região – tenho clientes em que todos os corretores de locação são homens, o que é bem diferente do nosso cenário de Curitiba ou São Paulo, que eu vejo mais mulheres no comercial da locação.

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Kariny Martins

Já levantei o motivo com alguns clientes e assusta, faz parte do que estamos discutindo: clientes que não se sentem seguros de colocar atendentes mulheres na locação porque a visita ao imóvel representa um risco para essas mulheres. Isso é triste, a mulher tá perdendo a possibilidade de ocupar espaços dentro de empresas, pois a nossa cultura faz com que nós sejamos mais vulneráveis a esse risco.

No setor de vendas, ainda vejo muito dominado pelos homens, mas vejo um número crescente de corretoras. Há uns dois anos, fizemos uma convenção de vendas dos corretores campeões e o evento inteiro só tinha corretores homens e a participação das mulheres era muito mais à frente da gestão comercial.

Levantei também um dado que é sobre as mulheres à frente dos negócios. Dos nossos 61 clientes, tenho aproximadamente 7 mulheres liderando imobiliárias, mas apenas duas que foram fundadas por elas. As demais empresas lideradas por mulheres são empresas, que é algo muito comum no nosso setor, familiares, herdadas, mas o negócio não foi fundado por elas. Entra aí outra questão.

O setor imobiliário reflete a participação das mulheres como empreendedoras em todo o mercado de trabalho. Uma pesquisa da Global Entrepreneurship Monitor fala sobre os motivos pelos quais homens e mulheres empreendem. Entre elas, a maior é por necessidade, não necessariamente porque querem atuar com mais liberdade ou ter o próprio negócio. Muito pelos papéis sociais que são atribuídos a nós: quem vai ficar com os filhos, e se engravidar, e a casa? São perguntas feitas apenas para mulheres e muitas vezes acabam impedindo que elas ocupem mais espaços.

Ana: Elisa, a consciência sobre empregabilidade feminina fez, inclusive, que você lançasse um programa de capacitação para mulheres no setor imobiliário.

Elisa Tawil, fundadora do movimento Mulheres do Imobiliário e head de growth na eXp Brasil: Isso mesmo. O programa de capacitação aconteceu em função de analisar os dados que vocês comentaram aqui já. A baixa participação de mulheres no mercado de trabalho foi um dado que muito me alarmou, fiquei muito impactada com esse retrocesso. E olhando o nosso papel como mulheres do mercado imobiliário, me coloquei muito nesse lugar de “o que eu posso fazer, usar o que tenho na mão para mudar esse cenário?”. Olhei para dados que temos: que a mulher é essencial na jornada de compra de um imóvel, que a mulher valoriza as pessoas e a corretora de imóvel. E achei que o nosso caminho era oferecer oportunidade de recomeço para essas mulheres.

Tivemos 90 vagas para um curso no Sul e Sudeste e recebemos mais de 90 inscrições e pessoas do Brasil todo, o que demonstra que existe uma carência e uma vontade de que mulheres ingressem no nosso setor. Ainda, tivemos 50% das vagas destinadas para mulheres pretas e pardas, em parceria com o movimento Black Money e vamos ver o resultado nos próximos meses, na medida em que o projeto for acontecendo.

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Elisa Tawil

Ana: Elisa, e com a sua experiência no recorte das mulheres no setor imobiliário, você foi convidada para muitas palestras entre ontem e hoje. Pode comentar como foi?

Elisa: Foi mesmo uma semana intensa. Pude participar de painéis de diversas temáticas e pude perceber que existe uma carência do espaço de escuta feminino. Isso também é parte do que eu faço no Mulheres do Imobiliário, mas quando abrimos um espaço para falar e ouvir, coisas incríveis acontecem. A gente se estimula, torce uma para outras, ocupa mais espaços. E isso resulta em mais produtividade: há pesquisas que apontam que empresas com mais mulheres têm mais lucros, empresas com mais equidade de gênero são até 6x mais inovadoras e ativas. Isso traz repercussões para sociedade, quando a gente fala sobre ESG, vemos a importância de termos mulheres em cargos de liderança nas empresas, e uma série de outros valores. Não só valor no sentido financeiro, mas valor de  quanto a causa feminina agrega para o nosso setor. E acredito que estamos conseguindo, pouco a pouco, mudar esse cenário. A prova disso é vermos o mercado mudando seu discurso no dia da mulher, visto o que se falava até pouco tempo atrás. Acredito que estamos conseguindo sim caminhar e temos que comemorar.

Ana: Agora focando na incorporação, Giovanna Carrilho, você pode comentar um pouco da sua experiência?

Giovanna Carrilho, marketing na MGQ Construtora: Hoje, eu tô aqui em Praia Grande, litoral de São Paulo, na MGQ Construtora. O que vejo, relacionando com o que a Kariny comentou, é que aqui na empresa temos uma alta representatividade feminina no setor de vendas e administrativo. Quando vamos para outros, como engenheiras, até temos, mas é minoria. Mas é engraçado pois na nossa maior obra, na obra que tínhamos maior volume de m² construído, quem estava encarregada era uma mulher e era a obra mais organizada. Era a obra que brilhava os olhos, que você olhava e pensava “que organização, olha que obra limpa”.

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Giovanna Carrilho

O que eu vejo de positivo hoje, no meu dia a dia, principalmente com a equipe de vendas, é a questão da flexibilidade de horário. Eu senti muito o impacto do home office – é uma empresa que tem uma cultura até de interior, de cidade pequena, e não estava tão aberta para a ideia de home office. E agora, hoje já flui melhor essa rotina. Inclusive, acredito que a produtividade das mulheres em home office aumentou.

Eu mesma senti bastante com a maternidade isso, aquela pergunta “como eu vou conseguir dar conta de tudo?”, mas sinto que aprendi a gerenciar melhor meu tempo. Tenho uma manhã de trabalho e tenho que produzir, então o foco muda. E eu vejo muito isso nas mulheres da minha equipe. A maioria delas está em home office e acaba entrando em rankings, em representatividade no VGV da empresa que está neste tipo de trabalho. A gente sabe que não é fácil e tem uma tendência da gente ficar romantizando o home office, o estar perto dos filhos, mas quando não se tem uma rede de apoio, fica mais difícil. Mas queria mesmo trazer essa reflexão sobre foco e produtividade.

A Kariny comentou até que nas entrevistas ouvimos o “ah, você tem filhos? com quem eles ficam quando você trabalha?” e acredito muito que o foco é melhor trabalhado. Tenho esse tempo para isso, nesse tempo vou focar nisso. Claro, somos multipotenciais, mas buscamos fazer tudo com muita qualidade. Meu setor administrativo não tem tanta flexibilidade de horário, porém tem muita empatia e acaba sendo mais leve a questão da carga, do olhar do papel da mulher no dia a dia. Por ser uma empresa familiar, acho que isso vem de forma mais natural. Mas a pandemia tá sendo um bom momento de dizermos “somos uma equipe e vamos apoiar um ao outro”.

A flexibilidade de horário funciona muito para mim e tento trazer em outras áreas da empresa, pois a gente sabe como isso faz diferença, se você compensa horas de trabalho para ter uma manhã para ficar próxima dos filhos. A gente tem que ter um olhar macro, porque eu sempre me cobro muito. Brinco que me cobro para ser uma mãe presente, mas uma profissional excelente. Quero ser a profissional do mês e a mãe do ano. É um desafio, mas esse painel, como outros, que trazem novos pontos de vista, discussões, faz com que a gente traga novas soluções para o nosso mercado.

Ana: Mariliza, e você também pode comentar sobre a mulher no setor de incorporação?

Mariliza Pereira, CEO da RioOito Incorporações e Empreendimentos: Queria pegar o gancho e comentar que sim, tivemos um retrocesso da participação das mulheres, não só no mercado imobiliário, como na relação de trabalho, principalmente em áreas de liderança.

Atualmente na RioOito, sou eu e uma sócia, as duas mulheres, e uma das coisas que eu venho investindo muito é em lideranças femininas, até porque sempre acreditei muito no olhar feminino e estou na construção civil há 30 anos – ou seja, trabalhamos com muitos homens. Claro, os homens são importantes, têm seu papel, dentro da engenharia têm uma visão muito necessária, mas nos últimos anos o olhar da mulher (mais especificamente dentro do imobiliário, desde vendas, incorporação), tem sido de muita importância. A gente percebe claramente que quem compra um imóvel, é a mulher. E o olhar dessa mulher compradora para o imóvel é cuidadoso desde a hora que você está sendo atendida, na visita, no estande, todo o atendimento, os cuidados do projeto… Isso é muito importante.

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Mariliza Pereira

Assim, hoje, tenho 100% das minhas gestoras mulheres. Aconteceu, eu brinco que meio proposital. Claro, já tive setores com homens gestores, mas venho fazendo esse trabalho dentro da empresa. Dentro da engenharia, a obra é muito masculina, mas tenho engenheiras, estagiárias e muito foco de, quando vamos contratar, claro que vamos olhar currículo, experiência, mas se pudermos priorizar mulheres, faço questão de priorizar. 

Com a questão da pandemia, não sentimos que a produtividade caiu. Se nós mulheres soubermos dividir nossos sustentos, organizar as nossas vidas, é possível sim. Sinto que às vezes o comprometimento da mulher e a preocupação com a qualidade da entrega é maior. Sinto que elas são mais responsáveis.

Ana: Ainda sobre incorporação, você pode falar mais, Roberta?

Roberta Bigucci, Diretora da MBigucci Construtora: No começo da pandemia, eu senti muita diferença, senti que as mulheres se adaptaram muito melhor ao home office. Os homens ficaram mais dispersos e tivemos dificuldade de cobrá-los. Mas foi pontual, isso aconteceu no começo e voltamos logo no presencial.

No meu caso, sobre representatividade feminina dentro da empresa, estamos na contramão da média do mercado. Na MBigucci, tenho um levantamento de 2018 e 52% do corpo são mulheres. Em 2019, 55%. Só para vocês terem uma ideia, 75% dos gerentes são femininos, 60% de coordenadores e supervisores também, e 52% dos consultores mulheres. 78% do administrativo são mulheres. Só perco no operacional de obra, que 27% é feminino. Mas não sei se posso falar que a gente claramente escolhe mulher. Talvez eu esteja sendo tendenciosa, pois sou gerente do RH, e talvez na seleção eu escolha mulheres (risos), mas não foi proposital. As pessoas de cargos de liderança costumam fazer carreira lá dentro, entram como estagiárias e vão seguindo. Pode ser que sim, as mulheres se destacaram mais e subiram para cargos de gerência. O que acho incrível e até sei por que: organização. Praticidade, mulher não tem que ficar mostrando serviço. A gente faz e pronto, mostra o resultado.

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Roberta Bigucci

Acho que a Giovana fez um comentário sobre a famosa pergunta “você quer ter filhos?” na entrevista e vivi isso na pele faz uns 10 dias. A construtora aqui é familiar e eu pedi para cuidar de um outro departamento, outra área e tive que ouvir do meu pai “mas como é que você vai dar conta de mais um departamento com quatro filhos?”. Eu falei, “oi?! não tem nada a ver uma coisa com a outra”. Fico pensando que isso, numa entrevista, com certeza pesa.

Em uma empresa familiar onde 20% da diretoria é mulher, existe esse preconceito, existe a dúvida, mas como mulheres dão conta? Eu não sei, a gente simplesmente dá e pronto. Eu acho que isso é uma luta que temos que ter, para falar para os nossos pares. As pessoas estão mal acostumadas, acham que precisam aprovar com alguém, que não podemos dar a decisão final, mas o que tenho para acrescentar é que no nosso caso, nós mulheres somos maioria.

Kariny Martins: Me chamou atenção a pergunta feita pelo próprio pai e abre um lembrete de que a gente tem que falar sobre o papel dos homens no aumento da participação feminina dentro do mercado. Acredito muito que nossa parte estamos fazendo, mas precisamos que eles mudem a forma de pensar, de entender como as coisas funcionam. O relato da Roberta lembrou muitas histórias que ouvi ano passado. Relato de mulheres que eram donas da imobiliária, mas tiveram que colocar o marido em contato com os incorporadores porque eles não levavam a sério quando era uma mulher falando de negócios. Entendo que os homens têm papel importante nisso. Às vezes até nós faríamos a pergunta de quem vai ficar com os filhos, então é importante que nós mesmas nos questionemos se faríamos essa pergunta para homens. E ainda, ouvindo uma entrevista com uma corretora sobre o posicionamento dela em redes sociais, ouvi uma pessoa comentando “ah, você recebe cantadas? As esposas dos seus clientes não tem ciúmes?” E eu nunca veria isso acontecendo com um homem. Acredito que os homens têm papel importante de apoiar a participação feminina no mercado como um todo.

Ana: Com certeza, Kariny. Há um papel importante dos homens na busca por equidade de gênero. Vou aproveitar e chamar Tania. Queria que você comentasse um pouco sobre a sua experiência em uma multinacional.

Tania Costa, Networking Development Director da Regus: Ana, claro que não passei uma vida inteira em uma empresa internacional, mas na IWG, empresa que estou atualmente, temos 80% dos colaboradores, mulheres. A nível de gerência, ainda temos uma predominância feminina. Mas quando chegamos na diretoria, já somos 25%. Temos que ter um olhar para isso e entender porque essas mulheres não conseguem fazer o percurso de carreira todo, por que às vezes as empresas buscam por executivos fora.

Isso é uma preocupação no sentido de empoderamento, investimento em cursos de liderança para mulheres que estão na base da pirâmide, para que elas saibam da possibilidade e aspirem as posições de liderança. Eu acho que tanto nas empresas nacionais, quanto nas multinacionais vemos o problema que, muitas vezes, as mulheres acham que aquele lugar não está ao seu alcance. Então, temos um papel social muito grande que temos para dizer para todas “tá sim, sempre esteve, só precisamos de mais pessoas acreditando nisso”.

O mercado imobiliário é um segmento predominantemente masculino, você vai numa reunião do GRI e você conta na mão quem não tá de terno. Mas apesar desse ambiente extremamente masculino, tenho uma visão otimista em relação ao papel dessas mulheres nesse segmento. Se você olhar nas grandes empresas desse segmento, temos grandes nomes femininos com lideranças indiscutíveis. O que precisamos, acredito, é encorajar as mulheres que tão começando carreira, que estão nos momentos de transição de carreira, a olhar para esses exemplos e pensar “é possível, já fizeram e eu posso fazer também”.

E tomando um pouco da fala das colegas, dentro da perspectiva das mulheres almejarem, poderem e efetivamente exercerem posições de liderança, temos que considerar de uma maneira muito forte a importância das parcerias. Seja no próprio ambiente de trabalho, ou um suporte de família, uma estrutura doméstica que permita se ausentar, um companheiro que te apoie e que segure a barra com você, que entenda que a sua carreira é tão importante quanto a dele. O que eu vejo nas empresas multinacionais é que quanto mais seu cargo demanda viagens de longa duração, você vê uma diminuição no número de mulheres. Acredito que isso esteja muito dentro desse viés inconsciente de que a casa, os filhos são mais responsabilidade da mulher do que do homem. Criar essa estrutura de apoio para mulheres que estão crescendo na carreira é super importante. É o ditado que diz que você precisa de uma aldeia inteira para criar uma criança. Muitas vezes, nós mulheres queremos abraçar o mundo. Quer ser uma mãe presente, a executiva no auge da carreira, fazer uma pós graduação, MBA, e ainda ter tempo para malhar, ler… Não dá.

Quando eu me mudei de São Paulo para o Rio, fiz um trabalho de coach e minha coaching me disse uma coisa que mudou minha vida. “A gente é que nem um malabarista, mas não conseguimos manter todas as bolinhas no alto. Então, se você tá num momento que sua carreira está te demandando muito, sua casa vai ficar um pouco mais bagunçada, alguém vai ter que te ajudar com os filhos, etc”. Ouvir isso, para mim, foi libertador.

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Tania Costa

Aproveitando, quero compartilhar uma experiência que me marcou muito.

Estava fazendo um curso de liderança em uma empresa que trabalhei de matriz americana e 24 pessoas tinham sido escolhidas entre mais de 6 mil funcionários do mundo. Destas, éramos 4 mulheres. Ai a coisa já tava desequilibrada. Durante o curso, que passamos uma semana inteira trancados em uma espécie de campus, com atividades o dia todo, uma das minhas colegas desistiu e foi embora no meio do curso. Quando ela disse que estava saindo, fui conversar com ela e ela me disse que tinha uma filha de 4 anos, que nunca tinha ficado tanto tempo longe de casa e todo dia de noite o marido coloca a menina para falar com ela no telefone, e a menina chora. Eu fiquei totalmente chocada, pois isso para mim é sabotagem. E aí temos que pensar em todo o círculo de apoio que temos ou não temos para permitir que realmente possamos almejar o que quisermos profissionalmente.

Acho interessante comentar que observo um movimento que as mulheres em cargos de liderança tendem a abraçar mulheres no começo da carreira, de mudança de fase e de grande potencial. É um movimento que acho muito bacana, uma espécie de mentoria de mulher para mulher sobre os passos de carreira. 

Ana: Tania, enquanto você falava fiquei pensando que é muito relacionado com o que a Kariny apontou. Falar de apoio dos homens para mais equidade é também tratar sobre a rede de apoio que vai permitir que a mulher cresça na carreira.

E vou além, esse estímulo da liderança pode vir desde a infância, ensinando as meninas a já pensarem e agirem como líderes. Fernanda, e você como advogada, pode comentar mais sobre a sua experiência relacionada a mulheres no setor imobiliário?

Fernanda Mustacchi, sócia da Mustacchi Advogados: Queria começar comentando que meu escritório tem 18 pessoas e 16 são mulheres. E nenhuma delas foi contratada pelo simples motivo de ser mulher. Eu as contratei pois elas são incríveis e o trabalho delas é muito diferenciado. Sinto no dia a dia as dificuldades que elas sentem também, sei que recebemos uma carga a mais de responsabilidades, fomos criadas assim, mas é uma realidade que temos que enfrentar. Nunca me senti intimidada, chego no GRI, tem 500 homens, 4 mulheres, não me sinto intimidada.

Uma vez eu dei uma entrevista sobre o porquê eu não via mulheres no mercado imobiliário, principalmente em cargos de liderança. Eu resumo isso a: as mulheres têm filhos. Todas as histórias que conheço de pessoas reais, me passa a impressão que na hora que a mulher tem filhos, ela repensa suas prioridades. E eu não julgo, acho que cada uma tem sua prioridade mesmo. Há muitas das mulheres que param de trabalhar totalmente, ou que seguram a posição na carreira pois sabem que um nível acima vai demandar mais tempo fora de casa, mas acho que é uma decisão que tem a ver com valores, criação, familia… Sinto que as mulheres poderiam aproveitar mais as oportunidades que aparecem. Muitas vezes há uma insegurança e a mulher não tem coragem de ir adiante. Talvez vá de encontro com o que a Tania falou, que vendo que alguém chegou, você consegue chegar, mas acho que há uma questão de coragem, de assumir posições, de ir em frente independente do que os outros pensem.

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Fernanda Mustacchi

Na minha história pessoal, comecei trabalhando em incorporadoras, com toda a equipe masculina, depois fui para escritório de advocacia. Lá tinha uma questão de compartilhamento de agenda, eu conseguia ver a agenda de todo mundo, todo mundo via a minha. Todos os advogados divorciados tinham lá no dia tal da semana o nome do filho. Tipo, quarta-feira estava escrito “João, Felipe”. Ou seja, naquele dia eles saiam mais cedo para buscar os filhos. Eu já era separada naquela época e não tinha dia para ver minha filha, via ela nos finais de semana. Aí decidi colocar na minha agenda de terça e quinta-feira o nome dela, coloquei “Laura”. Ela tinha 3 anos. Aquilo pegou super mal, eles ficaram chocados. Ouvi “Fernanda, o que é isso?”. Ai eu respondi “Isso é o seguinte, vocês não tem o dia certo para ver o filho? Eu também decidi que vou ter dia certo para ver minha filha”. E foi isso.

Então, quando falamos de treinar os homens, podemos começar um trabalho antes. Treinando nossos filhos. O exemplo da mãe que saiu correndo de uma oportunidade, pois o curso de líderes era muito puxado, é uma oportunidade que ela perdeu. Todo o esquema, o marido, a filha, todo mundo ali faltou uma orientação a mais. Já a valorização do trabalho veio da minha família. Acho que temos que educar nossos companheiros, nossos filhos para entender que trabalho é muito legal e evoluir é muito legal.

Outro ponto que queria comentar é que como muitas mulheres têm esse superpoder de fazer várias coisas paralelas, muitas têm muita dificuldade de delegar. Por isso criei uma nova palavra no escritório, eu não delego, eu delargo (risos). Quando eu entrego uma coisa para uma pessoa, quero que ela resolva. E não só no trabalho, na vida pessoal também. Se eu viajar a trabalho, meu marido vai ter que se virar com meus filhos.

Ana: Uma das grandes formas de mudarmos esse cenário é fazer o que fizemos: conversar com mulheres, incentivar outras mulheres na nossa carreira, mentorá-las. É muito importante para que nós ocupemos esses espaços que nos pertencem, que mais meninas nos vejam ocupando esses lugares e nos tendo como referência e, posteriormente, ocupem mais espaços ainda.