índice de reajuste do aluguel
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Índice de reajuste do aluguel, qual escolher?

Vivenciamos época de polêmica diante do IGP-M como índice de reajuste do aluguel. Algumas decisões judiciais privilegiando a substituição compulsória pelo IPCA, grande parte das sentenças deixando corretamente o tema para solução pelos contratantes, em exata aplicação da lei.

No passado, chegamos a vivenciar o IGP-M “em queda”, a provocar, àquela época, até a dúvida: o valor nominal do aluguel deveria ser reduzido, sempre que fosse “negativa” a variação do índice? E, era justo – sempre pesquisando a história – que em 2017, contratos com aniversário em junho fossem atualizados pelo índice de 1,0157%, enquanto os que aniversariaram em fevereiro o fossem pelo de 1,0665%, por exemplo?

Primeiramente, é sempre conveniente sublinhar que é do “reajuste” do valor do aluguel que tratamos aqui, e não da sua “revisão”. Feita a ressalva, deve ser anotado que o índice mede a oscilação do valor efetivo da moeda: com um real de hoje, compra-se um tanto menos (ou mais) do que se comprava um ano atrás. Esse “a mais” ou “a menos” é medido pelo índice. E, a aplicação desse índice (como de qualquer outro) ao “valor nominal” do aluguel resulta no novo “valor nominal”, mantendo o valor intrínseco desse montante. 

Cada índice se distingue dos demais, basicamente, pela metodologia do seu cálculo, pelo organismo que o gera, pelo período e itens que abrange, pelo setor que foca. Nenhum está errado, afirme-se, mas cada um deles pesquisa um universo do seu interesse e se destina a um objeto específico, daí as variações dos seus resultados. Assim, em rápida lembrança dos índices mais afamados, pode ser anotado apertadamente que:

INPC – o Índice Nacional de Preços ao Consumidor é apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e calculado entre os dias 1 a 30 de cada mês, em 11 capitais brasileiras, medindo a variação do custo de vida percebida por pessoas que recebem entre 1 e 8 salários mínimos (é o índice adotado para apuração da inflação oficial do país); 

IPCA – é calculado desde 1980, em moldes semelhantes ao INPC, porém reflete o custo de vida das famílias com renda mensal de 1 a 40 salários mínimos. É utilizado como alvo das metas de inflação – “inflation targeting” – no Brasil e mede a evolução nas regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, Brasília e município de Goiânia; 

IGP – Índice Geral de Preços, calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), é uma média ponderada dos índices de preços no atacado (IPA), de preços ao consumidor (IPC) e do custo da construção civil (INCC), sendo apresentado em três modalidades que se diferenciam segundo o período de obtenção de dados: o IGP-DI, o IGP-10 e o IGP-M (tão utilizado, a ponto de ser chamado de “índice do aluguel”, para imaginável irritação dos economistas que o criaram e o conduzem); 

IPC – Índice de Preços ao Consumidor, pela Fundação de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo (FIPE) apura o custo geral de bens e serviços comprados por um consumidor típico, sendo computado em período de 30 dias.

INCC – Índice Nacional de Custo da Construção. Uma obra está sujeita a imprevistos e mudanças em seus custos, principalmente de materiais que serão utilizados e, assim, o INCC é utilizado para que haja o devido reajuste do saldo devedor.

FIPE-ZAP – Índice FipeZap de Preços de Imóveis Anunciados é índice com abrangência nacional que acompanha os preços de imóveis residenciais e comerciais. O índice é calculado pela FIPE com base em informações extraídas de anúncios de imóveis (apartamentos prontos, salas e conjuntos comerciais de até 200 m²) para venda e locação veiculados nos portais ZAP.

IGMI-R – Índice Geral do Mercado Imobiliário – Residencial, índice que acompanha os preços dos imóveis residenciais, tomando como fonte de informações os laudos de avaliações dos bancos que fazem financiamento imobiliário. As entidades responsáveis pelo levantamento de dados são a FGV e a ABECIP (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança).

IVAR – Índice de Variação de Aluguéis Residenciais. O IVAR é calculado com base na captação de preços diretamente de contratos de locações residenciais, obtidos em agentes do mercado imobiliário. As informações são referentes aos valores dos contratos novos e dos reajustes de contratos existentes, sendo consideradas as características de cada imóvel. A metodologia estatística empregada visa à mensuração robusta da variação média dos aluguéis ao longo do tempo, refletindo o comportamento dos fundamentos de oferta e demanda do mercado de locação de imóveis residenciais. A abrangência geográfica da pesquisa, atualmente, restringe-se a Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.

São índices invariavelmente idôneos por suas fontes e por seus critérios, perfeitamente utilizáveis. Não existe um índice melhor, porém existe um mais adequado a cada situação. Números por números, por si, podem ser aritmeticamente acertados. Mas, o que queremos descobrir com eles? E, o que pretendemos fazer com eles? A resposta levará ao índice adequado a cada situação.

Por exemplo: se estivermos numa operação “built to suit”, o locador provavelmente terá tomado dinheiro no mercado, para erigir o imóvel que locará. Nessa hipótese, será seguro que ele utilize nas duas pontas de sua operação – no recebimento de aluguéis e no pagamento de financiamentos – o mesmo índice, pena de sofrer (ou, talvez, lucrar) com o descasamento de índices.

Ou, se estivermos diante de singela locação de apartamento, cujo resultado seja destinado pelo proprietário aposentado para suprir seu orçamento e pagar o aluguel de outro imóvel: interessará que ambos os contratos usem o mesmo índice… 

Bem por isso a lei prevê que locador e locatário poderão escolher qualquer índice inflacionário para o reajuste. E o candente artigo 17 da Lei das locações proclama logo de início: “é livre”, referindo-se tanto à fixação do aluguel, quanto ao seu reajuste, impedida tão somente a “estipulação em moeda estrangeira e a sua vinculação à variação cambial ou ao salário-mínimo”. 

Ora, sendo livremente escolhido determinado índice inflacionário e obedecida a periodicidade legal, os contratantes devem aplicar o índice, exceto se ocorrer, porventura, situação de o índice escolhido falhar ao não retratar verdadeiramente a oscilação que deveria medir (essa situação já ocorreu no Brasil nos tempos em que ditadores mandavam nos índices de inflação, mas não é usual). 

Evidentemente, um mesmo índice, conforme o período de apuração (o que o mercado chama de aniversário do contrato), levará a valores divergentes. Buscando, mais uma vez, exemplos na história: a aplicação anual do reajuste com base no IGPM/FGV em julho de 2.009, redundou no fator de 1,0152 e, no mês de agosto seguinte, no fator de 0,9933. Ou seja, reajustes em julho elevaram o valor nominal e em agosto o reduziram, situação bem mais gritante do que a atualmente experimentada, aliás.  

Porém, não existirá perplexidade, bastando recordar que se trata do elementar cálculo da oscilação do valor efetivo da moeda, que é assim preservado, exatamente como quer a lei e querem os contratantes.

Lembrada a mecânica dos reajustes e a absoluta liberdade de escolha pelos contratantes (quem saberia melhor de seus negócios, do que eles?), recordemos que o objetivo, justo e saudável, é conservar o contrato preservando-se o seu âmago, o equilíbrio da relação entre os celebrantes.

Mas, nem tudo são flores: não obstante as pessoas tenham conseguido com seriedade e boa-fé contratar e resolver suas divergências sobre índices e reajustes e, naqueles poucos casos em que não o conseguiram, tenha o Judiciário funcionado bem, ressurgiu a má ideia consubstanciada em alguns Projetos de Lei, de se fixar um índice único e obrigatório para os reajustes de aluguéis, em abandono do espírito da legislação até hoje vigente. 

O ressurgimento dessas intenções tem inequívoco viés autoritário e parte, essencialmente, do execrável e falso pressuposto de que alguém, seja quem for, saberia o que é mais apropriado a dois particulares que estudam, pensam e contratam.

Ora, temos liberdade para eleger qualquer índice de atualização, a exercemos com responsabilidade e, por isso, as relações locatícias funcionam. Cabe-nos, como cidadãos, preservarmos essa liberdade, festejá-la sempre.

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Jaques Bushatsky

Jaques Bushatsky é advogado, foi Procurador do Estado de São Paulo e Juiz do TIT/SP por dois mandatos e chefiou a Procuradoria da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Presidente da Comissão de Locação e Compartilhamento de Espaços do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, fundador e diretor da MDDI – Mesa de Debates de Direito Imobiliário. Autor da obra “Aspectos Principais do Aluguel Comercial” e coautor da obra “Locação Ponto a Ponto” publicada pelo IASP Instituto dos Advogados de São Paulo.

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  1. Glauci Palhares disse:
    Concordo com a matéria, ainda bem que temos liberdade para escolher o índice de inflação. Espero que não tenha êxito o projeto de lei que visa fixar o índice.

    às 16:57

  2. Mariana Oliveira disse:
    Finalmente alguém esclareceu porque os índices são diferentes entre si e que como ensinou o professor nenhum está errado, cada um pesquisa o universo do seu interesse. Obrigada

    às 16:53