Imobiliárias x STF: polêmica sobre fiador na locação comercial
Resumo
Em entrevista exclusiva, Moira Toledo da Lello fala sobre o problema que uma decisão do STF pode causar para a locação comercial.
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O Supremo Tribunal Federal se prepara para julgar um caso que pode mexer nas regras do mercado de locação, com impactos sobre as garantias locatícias. A análise de um recurso extraordinário pelo plenário da Corte (RE1307334) definirá se é permitida a penhora do único imóvel do fiador numa locação comercial, prática bastante difundida pelo país.
A questão divide o STF: de um lado, ministros como Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso defendem a figura do fiador como estimuladora do empreendedorismo e da abertura de novos negócios – afinal, é a única garantia locatícia gratuita permitida em lei. Na outra ponta, os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Luiz Fux alegam que a moradia é um direito fundamental e por isso o imóvel do fiador não pode ser levado à penhora numa locação comercial.
Diante desse impasse, que tem provocado decisões divergentes nos tribunais, os ministros do Supremo já decidiram por unanimidade que o caso terá repercussão geral – ou seja, o resultado desse julgamento deverá ser seguido em outros processos semelhantes.
O fiador ainda é a modalidade de garantia mais usada no país. Segundo pesquisa do Secovi-SP com dados de fevereiro deste ano, 45,5% dos contratos de aluguel assinados na cidade de São Paulo tiveram um fiador como garantidor. A caução (pagamento de quantia prévia antes de locação) foi usada em 39% dos acordos, e o seguro-fiança (coberto por seguradora mediante análise de crédito) esteve presente em 15,5% dos contratos.
Para as imobiliárias e associações do setor, como os Secovis, a restrição ao fiador pode comprometer o futuro da locação comercial. Agentes do mercado apontam que a migração para garantias pagas prejudicaria especialmente os pequenos comerciantes, principais adeptos dessa modalidade, que poderiam inclusive abandonar os imóveis no atual cenário de incerteza econômica.
Expoente das imobiliárias nessa discussão sobre o papel do fiador no aluguel comercial, a Lello, uma das principais imobiliárias de locação do País e integrante de Rede Avançada de Locação (RAL), chegou a divulgar um comunicado alertando para os riscos da decisão do STF para o mercado.
Para entender melhor a visão das imobiliárias, o Imobi Report conversou com a advogada Moira Toledo, diretora de Risco e Governança da Lello, que diz que a reavaliação no STF de um tema já pacificado anteriormente traz insegurança jurídica ao mercado e pode fomentar a judicialização de conflitos nos contratos de aluguel. Confira:
Imobi Aluguel: Caso o STF proíba a penhora do único imóvel do fiador, qual o tamanho do impacto sobre o locatário, especialmente o pequeno comerciante?
Moira Toledo: Primeiro, é preciso dividir essa conversa em duas. O STF está apreciando exatamente as locações comerciais. No caso de fianças prestadas em locações residenciais, continua valendo a regra de que o bem de família do fiador é penhorável. Ocorre que o STF, em junho de 2018, ao apreciar um recurso bastante antigo, daqui de São Paulo, entendeu que havia uma diferença entre as locações comerciais e as residenciais em relação à penhorabilidade. Isso porque a emenda constitucional nº 26 elevou o direito de moradia a um direito social constitucionalmente garantido, e com isso, naquela oportunidade, sobreveio a discussão se a penhorabilidade do bem único do bem de família do fiador ainda seria possível.
Então, entendeu-se que, primeiro, a moradia não depende de propriedade – o fiador poderia exercer a moradia por outros meios. Segundo, a locação é uma ferramenta extremamente importante, não só para suprir o déficit habitacional no nosso país como também para fomentar a livre iniciativa, os novos negócios. E com o desemprego que temos atualmente, agravado pela pandemia, o empreendedorismo surge como uma segunda via para os cidadãos poderem ter renda.
Menciono todo esse contexto porque na locação comercial, uma sondagem em nível nacional mostrou que em 70% a 80% dos contratos não residenciais de valor pequeno, com média de R$ 3.700, os empreendedores são os garantidores do seu próprio negócio. Ou seja, uma pessoa jurídica que é a locatária e os sócios assumem o risco, sendo os fiadores, porque a garantia da fiança é a única gratuita no nosso sistema. Ela é atribuída na confiança naquela pessoa e no patrimônio que ela tem.
Se esse novo entendimento do STF de fato prosperar, teremos um problema sério porque a garantia gratuita é importante nesse cenário de desemprego e no qual os empreendedores utilizam todos os recursos para abrir os seus negócios. No final das contas haverá dois prejudicados. Os locadores que têm contratos em vigência acreditaram que havia uma segurança jurídica a respeito disso, até porque há um tema estabelecido em repercussão geral pelo STF que dizia já ser possível essa penhora do bem único do fiador, por conta daquela emenda constitucional número 26, sem fazer distinção se a locação era comercial ou residencial. E também vai haver um prejuízo aos locatários que não vão poder mais contar com essa espécie de locação prevista na lei.
Imobi Aluguel: A caução, que é outra modalidade de garantia bastante utilizada, tem um empecilho que é a lentidão judicial na devolução do imóvel ou na reparação de danos. A imobiliária tem meios jurídicos de acelerar ou de alterar esse processo para tornar a caução economicamente mais viável?
Moira Toledo: O que tem ajudado a caução é a possibilidade legal de obter uma liminar quando a garantia prestada se exaure por alguma razão, e quando o valor da dívida supera o valor da caução. Nem todos os tribunais aceitam essa tese, mas ela vem se consolidando de uma maneira muito positiva. E isso inclusive fez com que o número de cauções aumentasse. Agora, o importante para a gente prestar atenção a respeito dessa decisão do STF é que, quando se fixou o tema anterior em repercussão geral, a origem do recurso que gerou o tema, o leading case, era também de locação comercial. Então não havia razão para, depois de 10 anos, você reapreciar a matéria. Afinal, esse instituto da repercussão geral veio justamente para nos dar segurança jurídica. Não é razoável a gente ter uma reapreciação da matéria em tão curto prazo sem termos uma legislação nova, um fato novo, algo que justifique essa modificação.
Aliás, a Lei do Inquilinato foi um divisor de águas em matéria locatícia porque reequilibrou a relação de uma maneira que incentivou o investimento privado nesse setor. Antes o locatário era muito protegido, e esse reequilíbrio fez com que o locador voltasse a acreditar nesse negócio. E essa foi a legislação que estabeleceu a exceção da penhorabilidade, porque ela sabia que esse recurso era necessário.
A sociedade discutiu isso amplamente, tinha a comissão dos inquilinos intranquilos, os Secovis, as associações, todos os players do mercado imobiliário vieram para essa discussão. Foi uma lei muito bem construída e é inegável o sucesso que ela teve nesse sentido. Para mim, o que dói é quebrar a confiança na legislação que criou essa regra, porque você põe em xeque a segurança estabelecida.
E pior, com isso você fomenta a judicialização. A gente tem visto um decréscimo ano a ano no número de ações locatícias distribuídas nos fóruns aqui em São Paulo, pois as pessoas têm utilizado da autocomposição, elas resolvem seu conflito. Ninguém entra com ação contra o locatário sem discutir muito antes, e isso tem sido muito salutar para o mercado. A partir do momento em que você quebra essa segurança, você incentiva que as pessoas vão ao Judiciário tentar obter uma vantagem indevida.
E o leading case, aquele caso principal que está ensejando esse novo julgamento, é exatamente sobre isso, é a praxe do mercado. Trata-se de um casal de fiadores do próprio negócio que assumiram, como empresários que são, a responsabilidade por essa locação, e o locador acreditou na regra do jogo. E aí de repente eles vão ao Judiciário, recorrem com recurso extraordinário ao STF dizendo “olha, eu disse isso, mas o que eu disse não vale, porque a locação era não residencial”. Então é um comportamento extremamente contraditório, que o nosso sistema jurídico não deve admitir.
Imobi Report: Já temos pedidos de ingresso de amicus curiae (os terceiros interessados no processo) e de audiência pública no Supremo para ampliar o debate sobre a penhorabilidade do imóvel único do fiador. É possível antever quando o caso poderá ser julgado, e até talvez, uma tendência nesse julgamento, uma vez que alguns dos ministros já se manifestaram em casos anteriores?
Moira Toledo: Imagina-se que é preciso haver uma audiência ainda, e que esses amicus precisem falar, que essas entidades exponham suas razões para a gente entender os impactos dessas decisões. E isso deve implicar num adiamento do julgamento. Mas é importantíssimo levar essa matéria ao conhecimento da sociedade, porque as pessoas não estão completamente cientes da consequência disso. Os locadores não vão aceitar, quem administra os imóveis não vai aceitar, e com isso vão se exigir outras garantias, que têm um custo. Como houve decisões muito distintas vindas do Supremo é difícil falar em probabilidades, a gente está com o jogo meio dividido.
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