Há 25 anos, a moeda brasileira virava o real e coube às imobiliárias explicar isso a boa parte dos clientes
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Há 25 anos, a moeda brasileira virava o real e coube às imobiliárias explicar isso a boa parte dos clientes

25 abr 2020
Última atualização: 24 abril 2020
Ana Clara Tonocchi
Ana Clara Tonocchi
6 min
Há 25 anos, a moeda brasileira virava o real e coube às imobiliárias explicar isso a boa parte dos clientes

A moeda no Brasil já mudou onze vezes. O real, adotado atualmente, é a moeda com mais tempo de vida desde o Estado Novo. Passamos por muitos tipos de cruzeiro. Tira centavo, volta centavo, entra governo, sai governo, até que, em 1994, quando Itamar Franco era presidente, foi estabelecido o Plano Real. Não vamos entrar em detalhes sobre os motivos políticos e econômicos que envolveram as mudanças. Mas, para quem já atuava no mercado imobiliário, foi uma grande confusão. Compradores, inquilinos e proprietários: todos confusos com as moedas e com o que significaria para seus respectivos imóveis. E as imobiliárias no meio, explicando e administrando essas negociações. Quem viveu, lembra.

Embora sejam de naturezas distintas, a mudança de moeda e a crise do coronavírus que vivemos atualmente têm lá suas semelhanças. Ambas são situações fora do comum, que exigem jogo de cintura para lidar com clientes, e há outro paralelo: a digitalização. Ao longo dos anos 1990, as imobiliárias começavam a transição de gestão de imóveis no papel para o computador. Já a pandemia que estamos vivendo obrigou muitas equipes a trabalharem em home office e pede que pessoas permaneçam em isolamento social, fazendo com que muitas empresas adotassem a transformação digital dos seus serviços na marra.

Renato Gomes Netto começou a trabalhar na imobiliária da família no final de 1987. Viu a mudança do cruzado para cruzado novo, para cruzeiro, para cruzeiro real e, por fim, para real. Na vida profissional, Renato foi office boy, faz-tudo, mostrador de imóveis até que, coincidindo com o Plano Real, tornou-se gerente de locação. “Bem na conversão da URV (Unidade real de valor, índice de transição entre o cruzeiro real para o real), eu estava iniciando meu trabalho na gestão da carteira de imóveis de locação”, conta Renato. Hoje, é diretor de locação e administração na imobiliária da família, a Procuradoria de Imóveis, de Natal, e ocupa o cargo de Presidente do SECOVI-RN. E, assim como todos nós, vive o momento inédito da pandemia da Covid-19.

Entrevistamos Renato para saber como foi a mudança do cruzeiro para o real, quais desafios enfrenta agora e quais os paralelos que ele observa entre os dois episódios.

Renato Gomes Netto, diretor da imobiliária Procuradoria de Imóveis, de Natal, e Presidente do SECOVI-RN

IMOBI: Como foi a transição entre moedas em 1994?

Renato: Eu estava na minha primeira fase de gestão de locação e administração. Na época, a imobiliária já tinha uma carteira grande e controlávamos tudo por fichinha, pastinha, papel impresso. Estávamos, aos poucos, iniciando a informatização da empresa, os famosos computadores XP, alguma coisa assim… nem me lembro mais (risos).

IMOBI: Como funcionava? 

Renato: Nós estávamos saindo de um momento de hiperinflação e o cálculo era muito complexo. Você tinha que converter a moeda, do cruzeiro real para URV, e depois de um tempo passar para o real. Tinha que fazer a média e as pessoas não entendiam direito como era feito, tinha que estudar bastante para entender. Inclusive, fui chamado ao Procon na época, que era um órgão recém-criado. Lá, fazíamos reuniões para entender a conversão, especialmente no caso de aluguel. Essas reuniões, quase audiências, eram verdadeiras guerras de interpretação e demonstração de certo e errado. Foi bem complicado. Com o tempo, as coisas foram se esclarecendo.

IMOBI: E as pessoas também foram se acostumando?

Renato: Sim, foram se acostumando. Quando a conversão para o real foi definitiva, ficou mais fácil, com regras claras. Inclusive, a questão do reajuste mínimo de aluguel ser no período de um ano prevalece desde aquela época. Muita gente não sabe desse detalhe.

IMOBI: A própria Lei do Inquilinato foi “testada” neste período, certo?

Renato: A Lei do Inquilinato é de 1991, mas sempre foi muito permissiva. Quando ela entrou em vigor, em 1992, estávamos vivendo um momento forte de inflação. O proprietário podia fazer um contrato de locação comercial com reajuste mensal. Foi a legislação de 1994, paralela ao Plano Real, que definiu que os reajustes de aluguéis fossem anuais. Vinha dando certo até agora, mas não sei como será com essa pandemia.

IMOBI: Você percebe quais diferenças no comportamento das pessoas da década de 90 para o momento atual?

Renato: A velocidade da informação mudou muito. Em 1994, tínhamos uma legislação definida e clara que dizia “você vai pegar a média dos aluguéis, multiplicar os meses, converter em um URV e lá na frente transformar em real”. O máximo que acontecia era uma divergência de cálculo.

Hoje, nós ainda não temos uma legislação, nem relacionada ao isolamento nem especificamente ao imobiliário. Vimos o projeto de lei do senador Anastasia (PSD-MG), que ainda não foi aprovado (projeto tratava sobre a inadimplência dos aluguéis, mas a questão foi retirada – no que se refere ao imobiliário, despejos estão suspensos até outubro). Por outro lado, as mídias sociais e o acesso à informação têm facilitado. Quando você vai conversar com os clientes hoje, eles já sabem da situação, têm informações em mãos.

IMOBI: E hoje, como tem sido trabalhar em meio à crise?

Renato: É uma situação difícil, complicada. Nós, que estamos à frente das negociações, vivemos um momento muito complexo. Temos que ter sensibilidade e sempre deixar claro que são três partes envolvidas. Há o locatário, que pode estar em dificuldade em pagar o aluguel, como, por exemplo, por ser autônomo ou ter sido demitido do seu emprego. Temos também o locador – em 75% das locações residenciais no Brasil, o proprietário tem só um imóvel e o utiliza como fonte de renda complementar. A pessoa pode ter aquele aluguel para ajudar a pagar um plano de saúde, comprar remédio, bancar a faculdade de filho, neto… E, por fim, tem a terceira parte, não menos importante, que somos nós, as imobiliárias. Precisamos manter a equipe trabalhando para administrar os imóveis e interesses.

IMOBI: Como vocês estão lidando com as restrições e isolamento?

Renato: Nossa equipe está parte em férias e os demais em home office. O núcleo central da administradora de imóveis não pode parar, porque se parar se instala o caos nas relações locatícias. O inquilino vai pagar quem? Quem vai transferir esse dinheiro pro proprietário? Quem vai controlar se o condomínio está sendo pago, se o IPTU está em dia, conta de luz, conta de água… Na minha opinião, os governos deveriam tratar as empresas administradoras de imóveis como essenciais. A imobiliária sabe se o inquilino é um inquilino que é autônomo ou funcionário público, por exemplo. Também conhece o proprietário que depende do dinheiro ou que tem mais de 10, 15, 20 imóveis. Sem agredir ninguém, sem ferir ninguém, usando técnicas de negociação, as imobiliárias podem demonstrar aos inquilinos e proprietários todos os lados. Além disso, tem a questão judicial. Considero que estamos auxiliando o judiciário para que não haja uma enxurrada de ações, seja revisão de contrato ou despejo.

IMOBI: Como os inquilinos e proprietários estão lidando com as negociações?

Renato: Da experiência da minha própria empresa, já conseguimos mediar quase 50% dos casos. E estamos com cerca de 30% a 40% em fase de fechamento, faltando só detalhes. A cada dia que passa, as pessoas também estão ficando mais conscientes. Nos primeiros dias, conversávamos com os clientes, que reagiam com “isso, em 15 dias, está resolvido”. Agora, estamos vendo que não é bem assim.

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