Contrato de locação: quando as coisas não ficarem perfeitas
Resumo
Jaques Bushatsky faz uma reflexão sobre os reajustes no contrato de locação, indicando medidas práticas que podem evitar problemas legais.
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Muitos estão irritadíssimos, pasmos, porque quando assinaram o contrato de locação, a correção de seus aluguéis era feita com base no IGP-M/FGV; quando a maré virou, pediram e alguns conseguiram decisões judiciais peremptórias, imputando àquele índice desproporcionalidade, inadequação, definitiva abusividade.
Foi o caso, por exemplo, desta sentença, semelhante a várias, que às tantas entendeu: “Abusividade conjuntural do IGP-M para o reajuste dos contratos locativos, uma vez que seus fatores econômicos se mostram totalmente dissociados do escopo de mera recomposição do poder aquisitivo, alcançando feição próxima da especulação cambial. Substituição para o IPCA, índice mais adequado racionalmente aos propósitos do reajuste”.
Mas a maré mudou novamente (e rapidamente!), e querem fugir do IPCA, porto inadequado para atracar seus pagamentos futuros…
O incômodo não deveria ser provocado pela variação dos índices; deve, com rigor, ser creditada essa dor ao ímpeto de deixar tudo muito definido, de estabelecer supostas verdades (como a aludida “feição de especulação cambial”, penso), de impor uma pretensa racionalidade que, na verdade, é tão boa ou tão ruim quanto a outra, enquanto de índices estivermos falando: o que são eles senão métricas muito bem estudadas para a aplicação adequada a cada caso?
Onde não há racionalidade é na peremptoriedade das imputações a um ou a outro medidor, nesse afã de decretos definitivos, nessa intenção de congelar as situações e concretar o futuro.
Mudanças não são novidade. É verdade que “Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugná-la-íamos se a tivéssemos. O perfeito é o desumano porque o humano é imperfeito”, disse Fernando Pessoa (1.888 – 1.935). Mas querer a “perfeição” de dar a cada situação um caminho absolutamente imutável, pétreo, nós – brasileiros, especialmente – sabemos que não costuma funcionar.
E, nessa imensa imprecisão que é a Vida estão, por óbvio, os negócios, os contratos, os ajustes, as relações que as pessoas mantêm.
Vai daí, a boa resposta de nossa legislação a toda a inexatidão do futuro, seja, por exemplo, prevendo a resolução dos contratos pela onerosidade excessiva (art. 478, do Código Civil) quando ele sofra repercussão “em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis”, caminho semelhante no Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, V) ou, ainda no Código Civil, ao tratar de eventos extraordinários no artigo 393 (“O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”). Ou, recordação inescapável, na Lei das locações de imóveis urbanos, ao outorgar absoluta liberdade aos contratantes para restabelecerem as previsões contratuais, a par de admitir a revisão periódica.
O que nos interessa é lembrar que a própria legislação conta com a possibilidade dessa imprecisão quanto ao futuro, a legislação “sabe” que muito pouco há de ser categórico, tudo há de ser pensado em seu contexto, em sua conjuntura – logicamente mutável ao longo do tempo. Bem por isso a boa técnica contratual de sempre clarear a equação econômico-financeira, será sempre eficiente âncora para os contratantes.
O que fazer, agora, para enfrentar, na atual conjuntura e em futuras situações, as novidades das medições?
De início, quanto às sentenças que açoitaram alguns índices com tão alto grau de definitividade, poderemos lembrar de Raul Seixas (1.945 – 1.989) e “Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes; eu prefiro ser essa metamorfose ambulante; do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”, em “Metamorfose ambulante”. Afinal, parece mais sábio desdizer o afirmado com tanto vigor àquela época (uns meses atrás) do que nos amarrarmos ao que já não tem validade.
Em seguida, no que se refere aos negócios a celebrar ou já contratados: está se avolumando o uso de cláusulas de enfrentamento de novas situações, tais como o (i) estabelecimento da solução de futuras questões por meios mais adequados do que a invocação do Judiciário (conciliação, mediação, consulta a especialista são exemplos de baixo custo e alta efetividade); (ii) a redação de cláusulas que prevejam como lidar com estouros de índices (por ilustração: (1) prevendo utilizar a média entre três índices escolhidos pelos contratantes; (2) prevendo um determinado índice mas estipulando a substituição caso se distancie x% de outros dois medidores); (iii) utilizando o “negócio processual” previsto no Código de Processo Civil e convencionando, já, como tramitará e se desenvolverá o processo judicial em que os contratantes porventura se enfrentarem, de modo a torná-lo mais rápido e econômico.
Ou seja: problemas poderão surgir; querer e acreditar que se trabalhará num cenário perfeito e imutável é infantil; pensar como preservar direitos e conservar o contrato de locação adequadamente é medida salutar (e é legal, é meta admitida e estimulada pela Lei); utilizar os métodos e técnicas que crescentemente têm sido aplicados será, acredito, uma medida inteligente.
Jaques Bushatsky
Jaques Bushatsky é advogado, foi Procurador do Estado de São Paulo e Juiz do TIT/SP por dois mandatos e chefiou a Procuradoria da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Coordenador de Locação e Compartilhamento de Espaços na Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SP. No SECOVI – SP (Sindicato da Habitação) é membro do Conselho Jurídico da Presidência, Diretor de Legislação da Locação, Coordenador do PQE e Pró Reitor da Universidade corporativa.
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