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Distratos: o impacto da decisão do STJ e das vendas “goela abaixo”
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Distratos: o impacto da decisão do STJ e das vendas “goela abaixo”

24 out 2025
Arthur Thomazi
Arthur Thomazi
7 min
Distratos: o impacto da decisão do STJ e das vendas “goela abaixo”
Arthur Thomazi, advogado especialista na área imobiliária e sócio-fundador do C2T Adv.

Resumo

Os distratos imobiliários voltaram ao centro das atenções após decisão do STJ, que limitou a retenção a 25% dos valores pagos, mesmo diante da Lei dos Distratos, reforçando a proteção ao consumidor. Segundo Arthur Thomazi, o problema começa nas chamadas “vendas goela abaixo”, marcadas por pressão, omissão de informações e promessas irreais, que elevam o risco de arrependimento e litígio. O texto defende que transparência, diligência e qualificação do corretor são os principais antídotos contra distratos, preservando credibilidade e previsibilidade para o mercado. Boas práticas — como contratos claros, comunicação padronizada e governança comercial — ajudam a evitar perdas financeiras e reputacionais. A mensagem final é clara: não se pode controlar decisões judiciais, mas é possível blindar o negócio com profissionalismo e informação qualificada — transformando a boa venda em seguro jurídico para incorporadoras, corretores e investidores.

O impacto das “vendas goela abaixo” e o teto de retenção: lições para corretores e incorporadoras

No mercado imobiliário, distratos representam um custo elevado para todas as partes. Cancelamentos motivados pelo comprador quase sempre revelam falhas graves ou precariedade no processo de venda. Em termos simples: quando a jornada comercial é mal-conduzida — seja por pressão, desorganização ou informação incompleta — a probabilidade de arrependimento e desfazimento do negócio dispara.

As chamadas vendas “goela abaixo”, orientadas por metas agressivas para “bater sino” nas imobiliárias, se caracterizam por pressão excessiva, omissão de dados relevantes e promessas desalinhadas com a realidade. Esse ambiente produz assimetria informacional — culposa ou dolosa — e gera expectativas irreais, cujo desfecho previsível é a frustração do comprador e o consequente pedido de distrato.

Casos recentes ilustram essa dinâmica preocupante: investidores compraram unidades habitacionais sem saber que eram enquadradas como Habitação de Interesse Social (HIS), sujeitas a restrições legais para locação. Meses depois, ao se depararem com os limites de uso e com a impossibilidade de executar a estratégia de renda esperada, alegaram ter sido “enganados” por construtora. Independentemente do resultado jurídico desses casos, o fato é que faltou transparência na originação da venda, e a diligência mínima também não foi observada por quem comprou.

Paralelamente, incorporadores se sentem afrontados com a recente decisão do STJ que, em caso específico, flexibilizou a aplicação da Lei dos Distratos (Lei 13.786/2018), entendendo que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) pode prevalecer sobre as regras da própria Lei dos Distratos, limitando — contra o que muitos leem no texto legal — o percentual de retenção em casos de desistência do negócio. Na prática, o entendimento fixou um teto de 25% para a retenção total (soma de multa, corretagem, fruição e outros descontos contratuais), assegurando devolução mínima de 75% ao adquirente-consumidor. Para o mercado, a mensagem é clara: o ambiente regulatório está mais protetivo ao consumidor e a discussão sobre cláusulas de distrato voltou ao centro do palco.

Embora falemos sobretudo de vendas de imóveis em construção, a lição vale para todo o ecossistema: a assimetria informacional — ora proposital para vender mais, ora fruto de falta de qualificação do corretor e da imobiliária — ou impede que negócios fechem, ou faz com que fechem mal. E negócios mal-fechados têm alto potencial de virar litígio, pressão reputacional e custo financeiro.

Síntese até aqui: tais situações são evitáveis com transparência na corretagem, documentação entregue e explicada, e alinhamento realista de expectativas. Em vez de tratar distratos como “inevitáveis”, é preciso reconhecê-los como previsíveis quando falham as boas práticas de informação e diligência.

O que, de fato, aumenta o risco de distrato:

  • Vendas precipitadas elevam o risco: argumentos exagerados ou omissões de informações essenciais (índices de correção, custos extras, prazos e marcos de obra, condições de uso e restrições urbanísticas) aumentam drasticamente a chance de distrato.
  • Compradores maduros não são sempre “enganados”: em diversos casos, faltou diligência na avaliação do negócio. Investimento exige verificação independente e entendimento dos riscos — inclusive de mercado, regulatórios e de execução.

Em suma: promessas infladas e contratos mal lidos são combustível para o contencioso.

Transparência na corretagem: reduzindo assimetrias informacionais

A transparência em cada etapa da negociação é o melhor antídoto contra distratos. No papel de mediador, o corretor de imóveis tem dever legal de atuar com diligência e prudência, prestando espontaneamente todas as informações relevantes ao cliente sobre o andamento do negócio. Isso inclui explicar cláusulas contratuais, detalhar índices de reajuste, apresentar cronogramas e marcos de obra, e destacar riscos identificados.

Uma conduta transparente envolve, por exemplo:

  • Revelar de forma destacada todos os encargos previstos (comissão, multas, despesas de cartório, taxas e custos acessórios, modelo de financiamento).
  • Avaliar o perfil do cliente, socioeconômico e financeiro, para propor produtos aderentes às suas necessidades e capacidade.
  • Esclarecer expectativa x realidade — valorização, liquidez, vocação do imóvel e limites de uso, sem “venda do futuro”.
  • Verificar e repassar documentação oficial (registros, licenças, memorial descritivo, convenção/RI, zoneamento, restrições) para análise segura.

Essas práticas reduzem distratos, elevam a credibilidade do corretor e da imobiliária, e preservam a previsibilidade do setor. A experiência mostra: quando o cliente entende o que está comprando, aceita melhor os riscos e persiste no negócio, mesmo diante de percalços.

Responsabilidade do corretor: informação qualificada x atraso de obra

No ambiente dos lançamentos, o corretor atua como ponte entre comprador e construtor. O STJ (4ª Turma) deixou claro que a corretora não integra a cadeia de fornecimento do imóvel e, em regra, não responde solidariamente por atrasos de obra ou pela entrega do imóvel. A função da corretagem se esgota na intermediação e não inclui o controle do cronograma construtivo.

Isso não diminui a importância — na verdade, reforça — o dever de informação. Além do Código Civil, a Lei 6.530/78 (art. 20) impõe ao corretor diligência e prudência, devendo prestar ao cliente todas as informações sobre o andamento do negócio. Em linguagem prática: confirmar dados essenciais, alertar sobre prazos e condições contratuais (inclusive regras de distrato) e não prometer o que não depende da sua atuação.

Exceções importantes. O STJ admite responsabilização excepcional do corretor quando diretamente envolvido na incorporação ou quando houver vínculo de grupo econômico com a construtora. Fora dessas hipóteses, prevalece a regra: o corretor informa, intermedia e educa o comprador — e, assim, fortalece a segurança jurídica do negócio.

Jurisprudência recente do STJ: limites à retenção em distratos

O Superior Tribunal de Justiça vem redefinindo o marco das rescisões contratuais imobiliárias na busca de equilíbrio. Em decisão recente (3ª Turma), decidiu-se que, quando a compra envolver relação de consumo (destinatário final), o CDC pode prevalecer sobre a Lei dos Distratos, com teto de 25% para a retenção total de valores pagos, mesmo se o contrato disser o contrato (a lei autoriza, em determinados casos, até 50% de retenção).

Importante frisar: cada caso é um caso. O próprio STJ, em hipóteses específicas (por exemplo, lote não edificado), tem admitido descontos alinhados ao texto da Lei dos Distratos (multa e taxa de ocupação), indicando que o contexto fático e contratual importa. A mensagem aos players é dupla: (i) obedecer a boas práticas contratuais e (ii) blindar a operação pela qualidade da venda — que é o fator sob nosso controle.

Investidor informado: cautela, risco e mitos

Em São Paulo, notícias recentes indicaram a compra, por investidores, de unidades classificadas como HIS, com restrições para aluguel. Alegou-se omissão dessa informação na venda, o que motivou reações, reclamações e discussões públicas. O episódio alimenta a narrativa de que “investidores sempre são enganados”, o que não ajuda o amadurecimento do mercado.

É crucial desmistificar: investir não é atividade livre de risco. Cabe ao investidor:

  • Educar-se sobre o produto: histórico de entregas da construtora, regime jurídico (afetação, garantias), e regras de uso do imóvel (zoneamento, ZEIS/HIS, restrições urbanísticas e condominiais).
  • Fazer due diligence mínima: certidões, registros, memorial descritivo, licenças e pesquisa independente sobre promessa de renda e liquidez.
  • Buscar assessoria especializada antes da assinatura, especialmente para estratégias de renda (locação, aluguel por temporada, exploração comercial).

O investidor não deve ser vítima passiva. E corretores responsáveis não devem vender promessas.

Boas práticas recomendadas (para reduzir distratos):

  1. Conformidade legal: evite cláusulas abusivas e sugira contratos claros e autoexplicativos.
  2. Transparência radical: informe todos os custos e condições desde o primeiro contato (corretagem, taxas, marcos de obra, prazos, penalidades, regras de distrato).
  3. Documente tudo: formalize trocas relevantes; entregue checklists e resumos contratuais; registre ciência do cliente sobre pontos sensíveis.
  4. Alinhamento de expectativas: trate valorização como cenário, não promessa; explique riscos e limites de uso.
  5. Qualificação contínua: treine times de vendas e pós-venda para reconhecer riscos jurídicos, sinais de alerta e pontos de ruptura na jornada do cliente.
  6. Governança comercial: crie rotinas de validação documental, dupla checagem de informações sensíveis e política de comunicação que padronize o discurso.
  7. Ponto único de verdade: use materiais oficiais do empreendimento (registro, memorial, licenças) como base de toda comunicação; nada de apresentações paralelas não validadas.

Esses cuidados criam um ciclo virtuoso: menos distratos, mais previsibilidade, menos litígios e mais confiança no setor.

Conclusão: o que controlamos — e o que não controlamos

A venda mal-feita — com assimetria informacional, promessas infundadas e documentação mal explicada — é um problema que podemos controlar. Fazemos isso com processo, treinamento, checagem documental e comunicação transparente do primeiro contato à assinatura (e além).

Já as decisões do STJ, não. 

O ambiente jurisprudencial oscila conforme casos e contextos, e não está sob o nosso controle. Por isso, blindar a origem do negócio é a estratégia mais inteligente: quanto melhor a venda, menor o distrato — e quanto menor o distrato, menor a exposição a interpretações judiciais desfavoráveis. Em outras palavras: profissionalismo e transparência hoje são vantagem competitiva e seguro jurídico — para corretores, incorporadoras e investidores.

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