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Especialistas ampliam debate sobre penhora de imóvel por dívida de antigo dono

A penhora de imóvel por dívida de antigo dono virou notícia em primeira mão aqui no Imobi Report no final de julho, mas segue repercutindo. O tema surgiu por conta de uma brecha aberta por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e causou preocupação ao mercado imobiliário, pelo entendimento de que há risco na aquisição de imóveis cujo antigo proprietário possua dívida ativa junto ao governo.

A partir do caso em questão, surgiram interpretações variadas. Por um lado, mais preocupante, entende-se que negócios imobiliários fechados desde 2005 podem estar sob risco. Na outra ponta, de visão menos alarmada, entende-se que os negócios são protegidos após o prazo de quatro anos.

Por conta da ampliação do debate, o Imobi Report abriu espaço para que mais especialistas do direito imobiliário façam suas pontuações sobre o assunto. 

Ambiente de negócios deve ser seguro para evitar fraude e penhora de imóvel

Rubens Carmo Elias Filho, diretor jurídico da Associação Brasileira do Mercado Imobiliário (ABMI)

A construção do entendimento de que o ambiente de negócios deve ser estável, seguro, capaz de conferir confiança às partes e, desta forma, facilitando o trânsito de riquezas tem implicado a consolidação legislativa, doutrinária e jurisprudencial no sentido de que eventuais situações jurídicas que possam afetar o adquirente devem estar previamente inseridas na certidão de matrícula imobiliária, mediante o princípio de concentração dos atos no registro imobiliário, de modo que o adquirente somente poderia ver sua aquisição afetada e sujeita à invalidação se os ônus, gravames e ações judiciais estiverem devidamente inscritos na matrícula objeto do imóvel adquirido, como contemplado no artigo 54, da Lei 13.097/2015, com as alterações introduzidas pela Lei 14.382/2022. 

A lei, de toda forma, traz exceções como negócios celebrados com empresas que venham a falir ou ainda se eventual perda da propriedade por formas de aquisição não sujeitas a prévio registro, como a usucapião, o que se mostra necessário, diante das peculiaridades das situações excepcionadas.

Acontece que a legislação acima referida ainda está sujeita ao amadurecimento jurisprudencial, de modo que eventualmente se verificam situações que possam ser antagônicas ao aqui mencionado, gerando desconfiança e, portanto, insegurança, o que é natural em um sistema jurídico em constante evolução, num país de dimensão continental, como o Brasil, em tempos de tantas transformações sociais como o atual.

Desta feita, como sempre, as aquisições imobiliárias devem ser realizadas de forma cuidadosa, com a adequada assessoria de imobiliárias, para uma adequação análise de mercado e necessidades do cliente, bem como assessoria jurídica especializada para conferir o maior grau de segurança jurídica na aquisição de um imóvel, bem de capital, de expressão econômica e social relevante, muitas vezes se tratando do único imóvel que a família virá adquirir ao longo da vida, inclusive.

Ferramentas para pesquisa de dívida ativa já existem, mas precisam avançar

Alice Navarro, especialista em direito imobiliário e sócio do escritório Lecir Luz e Wilson Sahade Advogados 

Antes de tudo, é importante deixar bem claro que a compra de um imóvel  (pelo menos para a maioria da população) não é um negócio corriqueiro. Por isso, não deve ser tratada como uma negociação qualquer. Então, a análise prévia da matrícula e levantamento de informações não só do vendedor, mas também dos proprietários anteriores, é imprescindível para adotar estratégias que reduzam o risco da compra.

Uma curiosidade: rápido levantamento das decisões mais recentes do STJ sobre esse tema revela que a maior parte dos casos tinha fortes indícios de fraude – assim como em alguns casos havia fortes indícios de que o comprador estava de boa-fé. Mas há algo em comum em quase todas essas ações: ocorreram várias transações do imóvel em um curto período de tempo. 

Ou seja, se você está negociando um imóvel que teve várias transferências em um curto prazo, vale o esforço a mais para levantar toda a documentação de todos os proprietários. 

Em qualquer caso será necessário levantar as certidões de dívida ativa de todos os estados e municípios? Enquanto a consulta e pesquisa de imóveis, em todo território nacional, é cada vez mais simples (até mesmo pela instituição do SERP), a consulta à dívida ativa não está acompanhando essa evolução. 

Existem mais de 5.500 municípios no Brasil, e nem todos possuem uma forma eletrônica e facilitada para levantamento de informações. Este é, de fato, um ponto que ainda precisa ser melhor analisado pelos tribunais, e dependerá de análise caso a caso. Espera-se que, com o tempo, a tese do STJ institua uma limitação territorial para proporcionar maior segurança ao mercado imobiliário. 

Então, para buscar mais segurança é sempre recomendado levantar, pelo menos, as certidões do local do imóvel, da residência do vendedor e proprietários anteriores.

Existe um prazo que proteja o imóvel? Apesar do prazo decadencial de débitos fiscais (quando uma dívida é extinta porque foi cobrada depois do prazo estabelecido em lei), podem existir situações que alterem esse prazo. Por isso, o simples fato de ter decorrido o prazo para a cobrança de um tributo não é suficiente para garantir que o seu imóvel esteja isento de riscos.

Se todas as certidões forem levantadas, o risco deixa de existir? Existe um ponto importante e que reforça a necessidade dos cuidados prévios – e que aqui é, de fato, um posicionamento muito perigoso do Judiciário – que é colocar essa presunção de fraude como absoluta.

Essa presunção absoluta significa que quem comprou o imóvel não pode nem mesmo apresentar provas de que tinha boa fé quando da aquisição. Apesar disso, a boa-fé não é a única tese capaz de evitar a penhora de imóvel: você sempre poderá comprovar que agiu com zelo e tomou todas as cautelas, que revelaram a inexistência de débitos fiscais. 

Existem estratégias que podem tornar a compra mais segura como, por exemplo: destinar o valor do imóvel para pagamento de débitos fiscais conhecidos; ou mesmo analisar a existência de outros bens capazes de garantir a dívida fiscal.

Em conclusão: o entendimento do STJ é uma forma de evitar a ocultação de patrimônio e pode sim conduzir a uma insegurança na negociação de imóveis – mas não há motivos para pânico, até porque é um posicionamento que já vem sendo aplicado desde 2008. 

Caso de penhora de imóvel por dívida antiga ressalta importância da apuração de documentos

Jessica Wiedtheuper, advogada do escritório Mota Kalume Advogados, especialista em Direito Imobiliário

Para compreensão do entendimento do STJ é necessário, primeiramente, esclarecer qual o conceito de fraude à execução. A fraude à execução ocorre quando há um processo de execução em curso contra o devedor e este vende ou dispõe de seus bens e rendas para se eximir de pagar a dívida cobrada pelo credor.

No âmbito na execução fiscal, o entendimento anterior à Lei Complementar 118/2005 (LC 118/2005 era de que essa fraude era presumida a partir da citação do devedor para tomar conhecimento do processo de execução fiscal. No entanto, após o advento da referida lei, o momento que passou a ser presumida como fraudulenta a venda do bem imóvel é a partir da inscrição do crédito tributário da dívida ativa.

Sob essa perspectiva, se antes já era prudente e aconselhável que o adquirente consultasse a existência de ações judiciais movidos pelos entes federativos contra o vendedor do imóvel, agora, é necessário que o adquirente consulte a existência de débitos inscritos na dívida ativa perante a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, dos Estados e nas Prefeituras Municipais, visto que a mera inscrição na dívida ativa do devedor já pode configurar a fraude à execução em caso de venda do imóvel.

O que se verifica, na prática, é que o processo de due diligence (diligência prévia) sempre foi necessário para a realização de compra segura de imóvel. A alteração legislativa somente tornou este processo um pouco mais complexo e custoso, na medida em que os sistemas para a consulta de existência de débitos inscritos na dívida ativa em nome do vendedor são individualizados e distintos a depender do estado e do município.

Outra alteração que trouxe maior impacto aos adquirentes é que a presunção da fraude à execução passou a ser absoluta. Antes, o entendimento era de que a presunção era relativa, de modo que o adquirente poderia comprovar a inexistência de má-fé na aquisição do imóvel com o objetivo de liberar a penhora recaída sobre o seu imóvel.

Neste momento, ainda que evidenciada a boa-fé do desavisado adquirente, se o imóvel for vendido por devedor inscrito em dívida ativa, é considerada configurada a fraude à execução, sendo única exceção no caso do devedor ter reservados bens/valores suficientes para o pagamento integral da dívida. Isso traz, de certa forma, uma insegurança jurídica maior aos adquirentes, sobretudo se não realizado o processo de due diligence de forma a certificar a segurança na compra do imóvel, visto que as chances de reverter a penhora de imóvel se tornam menores e muito mais dificultadas.

O que não significa que não haverá chance de defesa do adquirente. Pelo contrário, conforme mencionado, se for demonstrado que o devedor possui outros bens de sua propriedade passíveis de penhora para pagamento integral da dívida, será afastada a configuração de fraude à execução.

Ainda, se tratando de bem imóvel de família, isto é, o imóvel é utilizado como local de residência do adquirente, é possível arguir a impossibilidade da penhora de imóvel. Com razão a preocupação do mercado imobiliário e dos adquirentes, os quais devem acautelar-se ainda mais para, além das cautelas de praxe, realizar pesquisa prévia de débitos inscritos na dívida ativa, a fim de se precaver e solicitar as medidas necessárias à regularização do débito fiscal ao vendedor do imóvel.

Due diligence passa ter mais protagonismo

Ana Carolina Osório, especialista em Direito Imobiliário. Membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/DF e Especialista em Gestão de Negócios Imobiliários pela FGV.

A decisão proferida pelo STJ decorre da literalidade do artigo 185 do Código Tributário Nacional, segundo o qual presume-se fraudulenta a alienação de bens realizada pelo devedor após a inscrição do débito em dívida ativa. 

A única hipótese em que o negócio não se caracteriza fraude ocorre quando o devedor oferece bens em valor suficiente para garantir o pagamento do débito. Nesse sentido, é desnecessário avaliar a boa-fé do adquirente. Esse entendimento diz respeito, especificamente, a débitos fiscais. 

Em se tratando de débitos de outra natureza cobrados judicialmente, via de regra, a alienação do imóvel pelo devedor somente será considerada fraudulenta se tiver sido averbada na matrícula constrição judicial, ou se, ainda que não exista constrição averbada na matrícula, o débito cobrado judicialmente supere o patrimônio do devedor.

A compra de imóvel deve ser avaliada com cautela e prudência. É necessário realizar um levantamento de informações do vendedor, também chamado de due diligence, que envolve a expedição de certidões fiscais e certidões de feitos ajuizados em nome dos vendedores.

A due diligence mostrará se a compra do imóvel é segura ou se envolve riscos, os quais deverão ser ponderados.