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Empreendimentos econômicos: incorporadoras e imobiliárias se reinventam diante da alta dos insumos

Passados alguns meses desde que os preços dos materiais de construção começaram a subir, não há dúvidas de que a alta dos insumos tem afetado empreendimentos de todos os portes Brasil afora, especialmente os econômicos. Com isso, incorporadoras e imobiliárias que atuam nesse segmento estão tendo que se reinventar para enfrentar esse obstáculo e a possibilidade de redução de estoques. Sobretudo agora, depois de o Governo Federal ter anunciado um grande corte no orçamento dos programas habitacionais, que deve atingir principalmente empreendimentos da faixa 1 do extinto programa Minha Casa Minha Vida que ainda estavam em andamento. 

Ainda que tenham decidido não abrir mão completamente dos imóveis econômicos, empresas que tradicionalmente trabalhavam nesse segmento estão optando por diversificar seus produtos para manter a sustentabilidade de seus negócios. Esse é o caso da construtora Tricon, de Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba (PR), por exemplo. “A gente já estava sentindo dificuldades há algum tempo, mas a pandemia e a alta dos insumos piorou ainda mais a situação. Por isso, já estávamos fazendo a transição para outros tipos de empreendimentos, como o SBPE de entrada (para famílias com renda a partir de R$ 5 mil), há quase dois anos, com elaboração de projetos e formatação do produto”, conta Cesar Gustavo Teles Ribeiro, sócio administrador da Tricon.

De acordo com ele, a expectativa era de que a divisão da carteira da construtora ficasse com 70% para Casa Verde e Amarela e 30% para SBPE. Porém, com a alta dos insumos, o planejamento teve que ser repensado. “Não vamos abortar completamente nossa participação no programa, mas estamos considerando inverter essas porcentagens, passando para 70% SBPE e 30% Casa Verde e Amarela, porque a conta não fecha mais”, afirma. Para 2021, portanto, o plano da Tricon é continuar com os empreendimentos que já estavam previstos e ir expandindo suas outras frentes de atuação aos poucos. 

No total, a Tricon conta atualmente com três empreendimentos do programa Casa Verde e Amarela. “Um deles já está em cerca de 87% de execução, então o impacto financeiro é menor porque já tínhamos um bom percentual executado. O outro, que está com cerca de 20% de execução, já foi um pouco mais impactado e tivemos que repassar um tanto para o valor final. Por último, temos um empreendimento que foi lançado há cerca de dois meses e aí, nesse caso, tivemos que subir o ticket, de R$ 150 mil para R$ 190 mil, chegando ao teto do programa, senão ele acabaria inviabilizado”, comenta Cesar. 

Imobiliárias diversificam suas carteiras de imóveis

Desta forma, o incorporador entende que haverá redução de estoque de empreendimentos econômicos em médio prazo, principalmente para faixa 1 do Casa Verde e Amarela. Pensando nisso, a imobiliária Clarim, que também atua em Campo Largo e comercializa empreendimentos da Tricon, também está diversificando cada vez mais seus negócios, para não depender completamente das vendas atreladas ao programa habitacional. “Nossa carteira sempre trabalhou com uma gama muito variada de imóveis, que vão desde os econômicos até propriedades rurais, justamente por estarmos localizados na Região Metropolitana de Curitiba. Agora, com essas dificuldades que estão surgindo, estamos dando mais atenção a esses outros produtos”, explica Fabiane Guiraud, gerente da Clarim. 

“Desde o terceiro trimestre do ano passado, estamos segmentando cada vez mais nossos negócios, trabalhando com corretores especializados em cada área, principalmente imóveis industriais e propriedades rurais, que foi uma demanda que aumentou muito com a pandemia. Temos muitos clientes que moram em apartamentos enormes no Centro de Curitiba, mas vêm nos procurar para ter o seu ‘pedacinho de chão’, em busca de uma chácara para passar o fim de semana ou como segunda moradia para sair do corre-corre da cidade, agora que o home office permite que essas pessoas não estejam 100% do tempo nas cidades”, completa. 

Por outro lado, Fabiane garante que a imobiliária não vai deixar de atender o programa Casa Verde e Amarela, para não deixar essa fatia da população desassistida, mas os clientes desse segmento terão que fazer algumas concessões para adquirir seus imóveis. “Antes, a gente trabalhava muito com condomínios de casas, justamente por estarmos localizados em uma região mais rural, mas se continuássemos insistindo nisso, a conta não ia fechar mais, pois esse produto acabou se tornando inviável. Então, o que estamos fazendo para continuar atendendo a demanda do Casa Verde e Amarela é partir para a comercialização de apartamentos. Atualmente, é o que a gente consegue fazer, trazendo principalmente como atrativo o conceito do condomínio clube, que era algo que não existia em Campo Largo”, ressalta. 

Em Rio Verde (GO), tem acontecido o processo inverso. “Até agora, estávamos trabalhando com apartamentos, mas temos poucas unidades, então vamos passar a comercializar imóveis em um condomínio de casas que está para ser lançado”, conta Matheus Ranulfo, gestor da Realize Pra Você. A mudança no perfil dos imóveis, entretanto, não é considerada um problema para a imobiliária, pois a população da cidade tem preferência por condomínios horizontais. “Em geral, as pessoas aqui preferem casas mesmo, mas antes a gente oferecia apartamentos para aqueles clientes que não tinham condições de comprar casa”, ressalta. 

Como o estoque já tem diminuído bastante, a imobiliária também está atuando com mais força em outras frentes, com as quais já trabalhava antes. “Como já não há muitas opções de lançamentos, a revenda acabou aumentando, até porque o próprio cliente está mudando, por causa da pandemia. Apesar de pagar um pouco mais, a vantagem é que ele já recebe o imóvel pronto para se mudar, que é o que está buscando neste momento. É um segmento com o qual a gente já trabalhava, mas estamos intensificando agora, pois além do interesse dos compradores, os proprietários também perceberam que este é um bom momento para vender”, considera Matheus. 

Mercado anseia por revisão nos programas habitacionais

Apesar de a alta dos insumos ter impactado significativamente o mercado de empreendimentos, quem trabalha na área já sentia dificuldades há tempos. “Ninguém foi pego de surpresa, pois já tem algum tempo que a gente sabia que o mercado ia colapsar, pois os programas, primeiro o MCMV e agora o Casa Verde e Amarela, vinham se tornando cada vez mais burocráticos e detalhistas, principalmente se comparados com o SBPE, que tem critérios mais simplórios e dá mais rentabilidade”, comenta Cesar. Para ele, há uma necessidade urgente de que os programas habitacionais passem por uma grande revisão para poderem continuar atendendo a população de baixa renda. “Se houver mais alguma alta e nenhuma atualização do programa, logo não teremos imóveis que se enquadrem nele”, analisa. 

“Por conta de uma desatualização do plano, a maior parte da demanda habitacional do país está rendida, não tem para onde correr, não vai conseguir comprar um imóvel e vai ter que voltar para a revenda ou locação. Por isso, é preciso que haja uma revisão do programa, ainda mais considerando que não há perspectivas de baixa dos preços dos materiais de construção, apenas uma estabilização, e os consumidores também não estão tendo atualização de salário”, completa o sócio administrador da Tricon. 

Fabiane concorda. “Nos últimos dois anos, a revisão dos conceitos do programa foi gritante. Nós vínhamos de condomínios de casas, com terrenos privativos de 150 m², e hoje estamos com apartamentos com 40 m² de área privativa. E a tendência é enxugar um pouco mais, se o zoneamento permitir, para fazer a conta fechar. Ainda assim, o preço subiu e daqui a pouco não teremos mais como atender as faixas mais baixas do programa”, avalia. A preocupação se torna ainda maior, agora que o Governo Federal anunciou grandes cortes ao orçamento habitacional. 

E não é apenas a faixa 1 do programa que demanda revisão. Trabalhando com as faixas 2 e 3 do Casa Verde e Amarela, a construtora Danpris também tem sentido a necessidade de que o programa passe por uma reestruturação. “Um dos maiores problemas do momento é a inflação, porque isso faz com que os custos aumentem, mas a renda da população, não. Então, se não não houver uma revisão, isso pode acabar inviabilizando o programa, não só para a faixa 1, mas também para as faixas 2 e 3, que são atingidas da mesma forma, apesar de poder repassar um pouco do valor”, comenta Dante Seferian, CEO da Danpris.