Garantias locatícias: um alento ao pequeno empreendedor
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Enquanto algumas gigantescas redes se emaranham em dificuldades a ponto de encerrarem locações, cresce sensivelmente a quantidade de pequenos e médios negócios, de startups (que cresçam!) a bares em portinhas, restaurantes, confecções, algumas franquias, salões de beleza, por aí vai.
Precisam se estabelecer fisicamente, o que leva tais empresários a alugarem os locais que melhor lhes convenham. Mas, são empresas pequenas, os investimentos às vezes rondam os R$ 40.000,00, suficientes para comprar um carro (muito) usado. Como alugar um imóvel para um negócio novo, sem cadastro ou passado que o avalize, com pouco dinheiro circulando no início das atividades?
Se é verdade que os aluguéis cabem no capital de giro, ou mesmo na expectativa de faturamento, existe um complicador: a garantia a ser dada ao locador, que dificilmente alugará a um empreendedor acreditando apenas em seu elogiável otimismo, na sua criatividade, no seu entusiasmo e na sua imensa força de trabalho. Será exigida garantia e, sem ela, não haverá locação.
Mesmo com as contas apertadas, esse empreendedor poderá se instalar e deverá render, nesse momento, homenagem à segurança jurídica que prevalece no mercado de locações imobiliárias urbanas.
De fato: a lei das locações oferece diversas modalidades de garantia, mas são, em sua maioria, inacessíveis ao pequeno empresário: o depósito em dinheiro importa no aparte de 3 aluguéis (se cogitarmos de um aluguel médio de “portinha” no bairro paulistano de Santa Cecilia, falaremos de cerca de R$ 12.000,00, um quarto do investimento usual nesses negócios – opção inviável); títulos de capitalização acarretarão problema ainda maior, pois é usual a contratação de maiores multiplicadores do valor do aluguel; o seguro de fiança locatícia, boa opção moderna e bastante funcional também esbarra em custos, nem sempre compatíveis com o pequeno empreendimento. Afinal, o empreendedor deve destinar seu dinheiro a estoques, montagem, equipamentos, complicaria deixar um montante significativo parado, garantindo a locação.
É quando se volta à tradicional fiança, modalidade que teve sua viabilidade abalada há algum tempo, mas que voltou a merecer plena credibilidade.
Mas, por que estava abalada a fiança? Porque em alguns julgamentos, foi decidido que o imóvel em que residisse o fiador, o seu “bem de família” não poderia mais ser penhorado para quitação do débito da locação, quando esta fosse comercial, muito embora a lei jamais tivesse distinguido, no que diz com esta garantia, as locações comerciais das residenciais. Representativa dessa linha foi a decisão em 18/02/19 no Recurso Extraordinário 605.709/SP, relatoria do Ministro Toffoli. Foi um retorno aos desastrosos tempos anteriores a 1991, que exigiram a promulgação da atual lei das locações.
No entanto, esse cenário mudou quando o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral deste tema ao analisar em 08/3/22 um recurso extraordinário (n.1307334) no qual se objetivava afastar a penhora que recaíra sobre o único imóvel do fiador de locação não residencial, alegando a sua inconstitucionalidade. O julgamento resultou, finalmente, na fixação da tese de que: “É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial” e a relatoria foi do Ministro Moraes.
Foi um alívio. Realmente, a fiança é a modalidade mais utilizada em todo o país por evidente e provado interesse dos locadores e dos locatários, haja vista que devido às dificuldades para eleger outra opção (por serem onerosas), as pessoas preferem se valer da única garantia gratuita e possível de obter entre amigos ou familiares.
Especialmente no caso de empresas locatárias, o próprio sócio da inquilina finda sendo aceito como fiador, ao apresentar cadastro que, ao conter imóvel residencial penhorável, é aprovado. Essa evidência, constatada na prática, viabiliza um sem-número de locações não residenciais, porque permite ao locatário investir não na garantia, mas sim em seu negócio, aspecto de enorme relevância para os empreendedores, esse é o retrato real.
E, até que o STF definisse a constitucionalidade dessa penhora do “bem de família”, essas empresas pouco tinham a oferecer em garantia; os amigos dos sócios, até dispostos a afiançar (em algumas colônias de imigrantes é honroso afiançar um conterrâneo), por igual exibiam pouco patrimônio, além de sua residência que, se fosse impenhorável, tornaria imprestável a garantia: sem possuir nada mais de valor, com o que o fiador pagaria o débito assegurado? Quantos, embora a vontade de empreender e de crescer economicamente, possuem muito mais que uma casa e um carro financiado?
Assim, no que diz com a validade da fiança na locação imobiliária, foi alcançada mais que satisfatória “segurança jurídica”, a assegurar o desenvolvimento de negócios e a celebração de incontáveis contratos, graças à certeza de que, se necessário, o fiador findará honrando a garantia que prestou.
O STF, neste tema, realçou a certeza e a estabilidade no campo jurídico dos contratos. Fosse diferente, pudesse alguém assinar prometendo fiança para depois se furtar ao prometido (como chegou a ocorrer, vimos), e teríamos a indesejável falta de previsibilidade e o negacear da proteção da confiança que acabariam por influir em todas as atividades econômicas de forma desastrosa, sem dúvida: seria impossível contratar ou, quando se contratasse, seria essencial a inclusão de enormes recompensas pelo risco do não cumprimento (situação lamentável que já sofremos no país, mencione-se).
Os contratos de locação resultam somente da vontade dos celebrantes, consolidando-se sob princípios basilares que respaldam todas as relações contratuais. Bem por isso, se locador e locatário forem agentes capazes, for lícito o objeto do contrato, o pacto será válido integralmente, nos exatos termos das declarações de vontade e intenções das partes, inclusive no que diz respeito à certeza de receber e à efetividade da garantia locatícia escolhida.
Malgrado a segurança alcançada, que se elogia, lamentavelmente o tema locação é por vezes vergastado por projetos ou entendimentos, abandonando a crença no sistema legislativo que, desde 1991, permitiu a consolidação do setor. Tal é feito através de propostas criativas ou normas e decretos com evidente interferência nas relações privadas, frustrando expectativas legítimas e projetos construídos sobre legislação que se tem por tradicional e firme.
Não é o que a sociedade deseja. Não é o que a lei determina, não é o comando constitucional, e essa certeza foi privilegiada pelo Judiciário. No mais, por certo os legisladores, legítimos mandatários, saberão enfrentar o candente tema com sabedoria.
Tudo certo! Continue acompanhando os nossos conteúdos.
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