A condenação da imobiliária Reis Príncipe e a legalidade das cobranças adicionais na locação

Uma decisão judicial de segunda instância, tomada pela 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Rio de Janeiro, tem causado ruído e dúvidas no segmento de locação. Por cobrar dois tipos de taxas de candidatos a inquilinos (R$ 350 pela reserva do imóvel e R$ 400 pelo laudo de vistoria) antes mesmo da formalização do contrato, a tradicional imobiliária carioca Reis Príncipe amargou uma pesadíssima multa de R$ 100 mil, além do ressarcimento em dobro aos clientes que comprovarem ter desembolsado esses valores. No despacho assinado no começo deste mês, o desembargador Cláudio de Mello Tavares, relator do caso no TJ-RJ, votou por negar recurso da imobiliária e confirmar a decisão anterior, em primeira instância, que condenou a imobiliária. A posição foi seguida por unanimidade pelos demais membros da 15ª Câmara Cível. No entender dos magistrados, a cláusula sobre as cobranças que constava no contrato de adesão proposto pela Reis Príncipe é abusiva e representa uma “ofensa aos valores da coletividade”, caracterizando um “enriquecimento sem causa”. A ação civil pública inicial havia sido movida pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. A decisão lançou holofotes não apenas sobre essas duas taxas - de certo modo corriqueiras no mercado imobiliário -, mas também gerou apreensão sobre outras cobranças adicionais feitas pelas imobiliárias aos proprietários e, principalmente, inquilinos. Afinal, cada vez mais as imobiliárias de locação entendem que essas receitas extras são oportunidades para garantir seu crescimento e sua saúde financeira. Há algo de ilegal nesse tipo de procedimento? A boa notícia é que, segundo advogados consultados pelo Imobi Aluguel, o caso da Reis Príncipe tem especificidades que contribuíram para a condenação, e a legislação e a jurisprudência brasileiras continuam a permitir a cobrança de taxas adicionais ao aluguel - desde que alguns cuidados fundamentais sejam tomados para mitigar o risco de o Ministério Público bater à porta da empresa e levar a situação aos tribunais. A taxa de reserva Cobrar determinado valor do interessado para segurar o imóvel é prática comum em algumas praças e mais rara em outras, mas é fato que são muitas as imobiliárias que recorrem a esse expediente no País. A ideia é evitar que o cliente “sente em cima” do negócio ou reserve várias unidades ao mesmo tempo, congelando a oferta e prejudicando inclusive o proprietário. Aqui o procedimento recomendável é um só: cobre se quiser, mas devolva quando o negócio for fechado. A mera cobrança de taxas de cadastro, de reserva ou de empréstimo de chaves por parte das imobiliárias, sem nenhuma contrapartida, é prática vedada pela Lei do Inquilinato.Porém, a lei permite que a imobiliária aplique uma variante, que na terminologia jurídica é chamada de “caução” (o mesmo princípio da caução usada como garantia locatícia). Neste caso, o interessado em alugar antecipa uma quantia combinada em troca da garantia de que o imóvel são será alugado a outra pessoa, até que ele traga toda a documentação. É indicado firmar um pré-contrato, no qual fica estipulada uma indenização caso o negócio não seja celebrado. A empresa também se compromete a devolver o valor, normalmente na forma de abatimento no primeiro aluguel devido. Se o negócio não for para frente por questões alheias à vontade do cliente, como um veto na análise de crédito, o valor também deve ser devolvido. Mas se a locação não for efetivada por culpa do interessado, a imobiliária tem o direito de ficar com o valor da caução.Segundo o Secovi-DF, essa prática tem amparo legal se constar em contrato. ”A questão já foi submetida à apreciação do Poder Judiciário, que considerou o procedimento perfeitamente lícito e não abusivo, por apenas resguardar a indenização de prejuízos previamente pactuados”, afirmou o Secovi-DF em comunicado oficial. Para a entidade, a caução é cabível porque o proprietário do imóvel não pode ser prejudicado caso o pretenso inquilino desista da locação.E se mesmo assim o inquilino desistente insistir em receber de volta o dinheiro da caução? Neste caso, não vale comprar a briga, tanto por razões legais quanto comerciais, na opinião da advogada Denise Vieira, sócia da CUPOLA, principal consultoria do mercado imobiliário brasileiro. “Mesmo que o cliente tenha agido com desídia , sem fazer a parte combinada por ele, não compensa ir atrás e checar se o argumento dele é verídico. Há um risco de esse conflito gerar uma demanda judicial ou mesmo avaliações negativas e críticas à marca na internet”. Para a advogada Sabrina Rui, especialista em direito imobiliário e proprietária do escritório SR Advogados Associados, de Curitiba, outra solução é propor ao interessado a assinatura de um termo de compromisso, em que ele antecipa determinado valor e se compromete a finalizar o negócio em 2 ou 3 dias, tendo neste caso a quantia ressarcida no primeiro aluguel.Mas ela também sugere que o dinheiro seja devolvido ao cliente que se manifestar, mesmo quando ele não loca o imóvel. “Se a imobiliária insiste em ficar com esse valor, a cobrança pode ser configurada como abusiva”, aponta Sabrina. A taxa de vistoria (e demais encargos cobrados do inquilino) Quanto à cobrança da taxa de vistoria, a situação é um pouco diferente e passível de interpretações. A Lei do Inquilinato estabelece que o locador tem a obrigação de fornecer uma descrição minuciosa do estado do imóvel, no ato da entrega, ao locatário. Quanto à vistoria final não há dúvidas: trata-se de um encargo da locação, e o inquilino normalmente já sabe que terá esse custo. O problema no caso da Reis Príncipe foi a cobrança ter ocorrido anteriormente à assinatura de contrato de locação. Porém, mesmo no caso da vistoria inicial, se por um lado o locador está obrigado a fazê-la, por outro a lei não veda o repasse do custo ao inquilino (por intermédio da imobiliária ou não), no entendimento da advogada Denise Vieira. Para ela, os custos que a legislação proíbe de repassar ao inquilino são aqueles ligados à intermediação entre proprietário e imobiliária, como a taxa de administração e análise de crédito terceirizada.Portanto, a orientação é que a imobiliária faça constar no contrato de locação as cobranças adicionais de encargos, como vistoria, seguro-incêndio, manutenção, assinatura eletrônica de documentos de interesse do locatário, entre outros - em todos esses há o respaldo da lei. O contrato de adesão Outro complicador no caso da Reis Príncipe foi a caracterização do contrato questionado como “de adesão” - ou seja, aquele em que uma das partes não tem possibilidade de modificar as cláusulas, como o de um empréstimo bancário, por exemplo. Na ação, a Reis Príncipe argumentou que o contrato não era de adesão porque todas as cláusulas eram negociáveis. Porém, o desembargador Cláudio Tavares observou em seu despacho que, para a imobiliária comprovar essa alegação, bastaria ela apresentar algum contrato que não cobrasse as taxas discutidas, o que não foi feito. Para evitar que o contrato seja identificado como de adesão, o que eleva muito o risco de que cláusulas sejam consideradas abusivas e depois anuladas, a imobiliária deve ouvir os inquilinos e atender eventuais pedidos de ajustes, quando cabível. “A maioria dos locatários não discute contrato, mas se ele discutir, cabe avaliar se as alterações são válidas. Caso a imobiliária apresente 2 ou 3 contratos com mudanças feitas a pedido da outra parte, já quebra essa alegação ”, comenta Denise Vieira. O TAC O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é uma tentativa de acordo entre o Ministério Público e uma pessoa física ou jurídica acusada de violar algum direito coletivo (no caso da imobiliária, o direito do consumidor), para que o conflito seja resolvido sem a necessidade de ingresso de uma ação na Justiça. Normalmente, o TAC estabelece regras, punições e prazos para o envolvido ajustar suas práticas dentro do que diz a lei. O vice-presidente jurídico e de assuntos legislativos do Secovi-RJ, Alexandre Correa, ressalta que por vezes o MP impõe condições muito duras para o TAC, e as empresas preferem buscar o caminho dos tribunais (clique aqui para ouvir a entrevista na íntegra). Mas para isso é preciso um alto grau de confiança de que a posição da empresa será vencedora, ou então a tendência é a situação piorar.A advogada Denise Vieira, que já fez alguns TACs dentro do mercado imobiliário, conta que em somente uma ocasião valeu a pena bater o pé, num caso em que o procedimento denunciado pelo MP estava garantido pela jurisprudência. “Quando o Ministério Público chama pra conversar, é preciso ouvir e pensar seriamente em recuar. Brigar normalmente é desvantajoso”, diz. O que diz a Reis Príncipe O Imobi Aluguel procurou a Administradora Reis Príncipe, que confirmou que irá recorrer da condenação junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), última instância para o caso. Quanto às demais perguntas enviadas, como a intenção de devolver aos inquilinos ou de ficar com o dinheiro das taxas cobradas, os motivos de o TAC com o MP-RJ não ter sido firmado e a opinião da imobiliária sobre o valor da multa aplicada, a empresa respondeu que não comenta processos em curso. “Contudo, temos convicção de nossos argumentos no tocante à legalidade da cobrança por serviços efetivamente prestados e iremos recorrer até as cortes superiores do país, conclamando o mercado para entrar nesse relevante debate", acrescentou a Reis Príncipe, que se comprometeu a dar mais detalhes sobre o processo depois de obter o parecer final da Justiça.Por aqui, seguiremos atentos a este caso e acompanharemos eventuais desdobramentos para o mercado de locação. PODCAST IMOBI ALUGUEL 3 perguntas para Alexandre Correa, Vice-presidente Jurídico e de Assuntos Legislativos do Secovi do Rio de Janeiro O advogado que acompanha de perto a condenação da Reis Príncipe fala sobre o risco de as taxas cobradas pelas imobiliárias serem consideradas abusivas, a relação com o Ministério Público e a definição do valor das multas por parte dos juízes. Clique e ouça. Notícias da Locação Vistoria sempreO proprietário não pode reter toda a caução paga pelo inquilino no imóvel supostamente deteriorado quando não foram feitas as vistorias de entrada e de saída. A decisão é da 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que numa ação determinou que 2/3 da caução paga no início do contrato pelo locatário (uma empresa de construção civil) sejam devolvidos (R$ 12 mil, de um total de R$ 18 mil). Sem provaO relator do caso, desembargador Tércio Pires, argumentou nos autos que, sem os laudos de vistoria, ficou inviabilizado “o exame do cotejo entre seu estado de conservação por ocasião da entrega e devolução" e que “inexiste prova segura de sua devolução em condições diversas das em que recebida”. IGP-M dá uma tréguaFinalmente o IGP-M vai dando sinais de arrefecimento. Na 2ª prévia de setembro, divulgada na última segunda-feira (20) pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), o índice caiu 0,58%. Foi a primeira variação negativa do indicador nos últimos 12 meses. Em agosto, o IGP-M ainda apresentou crescimento, porém mais modesto que nos meses anteriores (0,66%). O valor fechado para o mês de setembro será divulgado na próxima quarta (29). Recife nas alturasCom o maior aumento entre as capitais nos últimos 12 meses (9,72%), Recife ultrapassou Brasília e se tornou a segunda cidade com aluguel mais caro no País, de acordo com o índice FipeZap. O preço médio do metro quadrado na capital pernambucana passou a custar R$ 33,78, atrás apenas de São Paulo (R$ 39,19). O metro quadrado mais caro da cidade é o do tradicional bairro do Pina: R$ 49,40 em média. Indicadores Acesse a página especial organizada pelo Imobi Aluguel com os principais indicadores ligados ao mercado de locação: IGP-M, IPCA, Fipe/ZAP, IVAR, QuintoAndar e outros: Indicadores Imobi Aluguel.

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