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Aluguel da linda casa de praia. Tremei, locadores?

Vamos conversar com os locadores por temporada eventuais, aqueles que têm uma casa de praia ou de campo bem agradável, montada para o próprio uso, bem decorada, que resolveram alugá-la nas férias, por bom preço, importância quase suficiente para cobrir as despesas anuais de manutenção.

Não, não tratamos aqui dos locadores de imóveis construídos com destinação para a locação, especialmente para temporada, já desenvolvidos com materiais, áreas, arquitetura apropriados, que contam com administração eficaz dos negócios, fiscais, gerentes, equipes de manutenção etc. Mas, mesmo quanto a estes, os breves comentários aqui alinhados servirão, afinal a lei é uma somente. 

Lemos e ouvimos bastante, quando o tema é a locação por temporada, sobre os cuidados que devem ser tomados pelos locatários: saber o que estão alugando, quais as características exatas do imóvel, quais os equipamentos e utensílios, se estão lidando com quem tem mesmo direito de alugar (proprietário? Procurador? Imobiliária?); sendo unidade em condomínio edilício, se existe alguma vedação, quais as regras do condomínio. A literatura é farta.

E o locador, como fica? 

No que se refere ao recebimento do aluguel, a legislação permite ao locador receber de uma só vez e antecipadamente o aluguel, e a prática consagrou a cobrança antecipada, sendo usual o pagamento em duas parcelas: a primeira, muito tempo antes do período de ocupação, quando celebrado o contrato e a segunda, por volta de um mês antes do início da temporada. Portanto, a possibilidade de inadimplemento do aluguel é remota. 

No que diz com o termo final da locação: se o locatário não devolver o imóvel ao fim do período combinado, se sujeitará a, de duas, uma: (i) poderá sofrer ação de despejo (os locadores previdentes adicionam que o locatário ainda indenizará pelas perdas e danos decorrentes do retardo na devolução, que poderá prejudicar a locação seguinte; ou (ii) o locador poderá não se opor, mantendo então a locação pelo mesmo aluguel, certamente muito superior ao que seria cobrado se a locação tivesse sido contratada como residencial por período superior a 90 dias; talvez o locador esteja, então, diante de uma alternativa interessante.

Se o fim do período tem solução razoável e o aluguel dificilmente deixará de ser pago, que problemas poderão aborrecer o locador? Alguns, e são desagradáveis, e são onerosos.

O principal problema é o dano ao imóvel e aos pertences nele instalados. É verdade que a lei admite que o locador exija qualquer das garantias locatícias previstas na lei das locações urbanas (caução, fiança, seguro de fiança locatícia, cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento) para atender às demais obrigações contratuais, obviamente englobando a cobertura desses danos.

Entretanto, não se costuma ajustar essas garantias (no passado, era usual a obtenção de um cheque caução, prática que se perdeu com o desuso dos cheques – algo como se deixar de comer peixe porque não se oferece o talher apropriado… simplesmente as pessoas não procuraram outras soluções). Exigir garantia certamente será tendência no futuro, como era costumeiro no passado.

Sugiro que você suspenda a leitura deste texto e assista a “Morando com o perigo” (Pacific Heights, 1990), de John Schlesinger, em que Michael Keaton interpreta o inquilino de um apartamento numa linda casa em São Francisco. No extremo, é o que pode acontecer…

Provar a existência do dano não é tão complicado: uma vistoria na entrada e a comparação com a vistoria na saída permitirá a identificação dos estragos – ao menos os visíveis. Testemunhos de técnicos convocados para os consertos servirão de prova, também.   

Mas, quanto custará o reparo? O custo da reposição poderia ser previamente combinado (quando fossem listados os itens do imóvel, já se estimariam os custos de reparo), mas isso é trabalhoso e raríssimo nessas locações não profissionalizadas. Em consequência, diante do dano se buscam orçamentos, por vezes tudo se resolve, por vezes se abre uma tortuosa estrada de negativas, refugos, espantosas mentiras… A experiência mostra, diga-se, que na imensa maioria das oportunidades os locatários são honestos e, simplesmente, repõem o item. O que se teme são as exceções, lamentavelmente elas existem.

Outra modalidade terrível de dano ocorre quando o locatário é mal-educado, de índole ruim, grosseiro. Essas pessoas findam azucrinando vizinhos (criando mal estares que somente se superam com boa dose de disposição positiva dos que ficam quando acaba a locação), molestando empregados da casa ou dos condomínios, por vezes à toa estragando instalações, sujando áreas, desrespeitando regras comezinhas de convivência. 

O filósofo Mario Sergio Cortella se referiu a crianças que urram em restaurantes: resta somente apontar aos pais que eles não as treinaram para a vida em sociedade e que o ideal será saírem do local, voltando quando educadas. No caso desses locatários importunadores, sequer haverá tempo para se sugerir o caminho da educação, e restará ao locador a chateação, acrescida da multa condominial que virá (poderá ser repassada ao mau locatário, porém o incômodo, este ficará).

Como lidar, ou tentar lidar com essas situações? Não é fácil, pois não existe teste de educação e cultura aplicável, não cabe aplicar um exame psicológico, existe risco. A boa notícia: realmente, essas situações são patologias do sistema, são conhecidas em escritórios de advocacia, mas pouco frequentes nas imobiliárias (algo como se comparar o que ocorre na UTI com o que se dá numa clínica médica…).  

Algumas boas práticas, recomendadas a esses locadores não profissionais:

(i)         Na medida do possível, entrevistar o pretendente à locação e esclarecer as coisas. Por exemplo, frisar se há problemas com animais (esta vedação não se mistura com a permissão dada pelo condomínio, realcemos, cada relação é uma relação); se há problemas em hospedar crianças (os móveis são branquinhos… sujarão). Impossível aplicar um teste (como se faz ao contratar profissionais, aliás), mas a ideia é tentar intuir o comportamento do pretendente (missão difícil e que nem sempre resulta em acerto);

(ii)     Contar com indicações. Indicar não é garantir, mas um elogio sobre alguém, sempre conta;

(iii)       Ser sincero consigo: se a aprovação representar algum risco de dano, você estará disposto a assumi-lo?

(iv)     Ensinar, se necessário, como funcionam os equipamentos da casa. Muita gente (a estatística mostra que a ignorância não decresce com a quantidade de dinheiro) não sabe que, especialmente nas casas alheias: se deve fechar as janelas e as portas para que os aparelhos de ar condicionado funcionem bem e não arrebentem; geladeiras devem ficar com portas fechadas; fogo na lareira somente poderá ser aceso se a grade de proteção estiver lá; uso de piscinas exige atenção a regras de higiene, por conta dos demais usuários e, conforme o caso, para o bom funcionamento da aparelhagem; poltronas claras mancham facilmente com shoyo, molho de tomate ou café, e por aí vai. Enfim, às vezes é preciso remeter um tutorial.       

(v)       Celebrar um contrato escrito para a locação de temporada, expressando claramente endereço, datas, valores, forma de pagamento, itens que estão na casa (itens de coleção? quantas televisões? Quantas geladeiras? Roupas de cama e banho estão incluídas?).

(vi)         Esclarecer no contrato a quantidade de pessoas que poderão permanecer no imóvel. Essa previsão atende a normas condominiais, legislação edilícia, regras básicas de utilização de equipamentos comuns (para quantas carros foi dimensionado o estacionamento? Quantos poderão utilizar com conforto a piscina?). A fixação permite o adequado uso da casa locada (por exemplo, se tiver 8 camas, poderá acolher até 8 pessoas);

(vii)       Referir claramente as normas do condomínio (quando o caso) e se possível, as normas de associações de bairro, de segurança etc. Convém remeter esse material por escrito, a ideia é que o locatário saiba como deverá se comportar no local;

(viii)     Prever com clareza as multas por descumprimento das obrigações;

(ix)          Realizar uma vistoria de entrada e outra de saída, descrevendo (ao menos, fotografando) adequadamente as condições do imóvel, dos objetos, dos móveis. O ideal seria estimar os valores, mas… De qualquer maneira, ao menos fotografar a casa é providência simples e bastante pertinente;

(x)      Deixar alguém à disposição para reparos imediatos, o que igualmente findará tendo um certo aspecto de vigilância, sem intromissão;

(xi)          Tentar, o locador, dar um tom cordato para a relação, quem sabe deixando um cartão de boas-vindas ao locatário, talvez um agrado. Os que atuam no mercado imobiliário devem ter notado em “O mundo depois de nós”, de Sam Esmail (Leave the world behind, 2023, estrelado por Julia Roberts) um pequeno detalhe: a família chega numa espetacular casa alugada por temporada, numa região de praia, e encontra uma cesta com presentinhos de boas-vindas. O filme trata de muito mais que isso, mas está lá a recepção, um tanto inusual por aqui, ao locatário de temporada. O tomo positivo foi dado.Aqui, se tentou cuidar daquela locação única, em que o locador entrega uma casa mantida com capricho, de seu uso, a um locatário de quem se espera a utilização correta, plena, respeitosa. Sem os cuidados antes e na redação do contrato, como alugar uma casa mantendo nela a coleção de conchas, a biblioteca, os quadros, os objetos e equipamentos de qualidade, exatamente o que torna aquela casa especial para quem a tem e para quem vai utilizá-la? Não haveria como.

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Jaques Bushatsky

Jaques Bushatsky é advogado, foi Procurador do Estado de São Paulo e Juiz do TIT/SP por dois mandatos e chefiou a Procuradoria da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Presidente da Comissão de Locação e Compartilhamento de Espaços do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, fundador e diretor da MDDI – Mesa de Debates de Direito Imobiliário. Autor da obra “Aspectos Principais do Aluguel Comercial” e coautor da obra “Locação Ponto a Ponto” publicada pelo IASP Instituto dos Advogados de São Paulo.

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