Construtoras

Alta nos preços de materiais de construção pressiona custos do mercado imobiliário

Os recordes consecutivos nos preços dos materiais de construção surpreenderam o mercado imobiliário, que precisou buscar alternativas para atenuar o impacto das altas em meio à mais grave crise sanitária dos últimos 100 anos. E apesar de o setor já estar em recuperação, incorporadoras acreditam que o processo de reequilíbrio deve encarecer o orçamento de obras e, portanto, o preço final dos imóveis.

O Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), vinculado ao Índice Geral de Preços (IGP) e medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostrou variação de 3,08% no grupo de materiais e equipamentos de obras entre agosto e setembro de 2020. Foi o maior patamar dos últimos 18 anos, de acordo com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Serviços e mão de obra permaneceram praticamente estáveis.

Impactados pela desvalorização do Real, fornecedores de aço, cimento e tubo de PVC foram os que mais contribuíram para a escalada do índice, aponta a CBIC. Segundo a entidade, o preço do aço subiu 14,5% entre março e setembro deste ano. No mesmo período, o encarecimento médio de cimento (50 kg) e tubo de PVC (150 mm) foi ainda maior, chegando a 32,9% e 73,6%, respectivamente. Já para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o tijolo entra como o principal vilão. No acumulado do ano até setembro, o insumo teve variação de 22,32%, seguido do cimento (13,19%) e dos materiais hidráulicos (6,86%).

Mas não é só o bolso das construtoras e incorporadoras que tem arcado com o aumento dos novos tabelamentos. Respaldado pelo INCC, o reajuste das parcelas dos contratos de compras de imóveis em construção vai exigir mais investimento de compradores que  estão à procura ou pensam em buscar por um novo lar.

“O aumento de preço de insumos impacta no custo dos empreendimentos imobiliários, com o consequente repasse para quem deseja comprar um imóvel”, observa Luiz Antonio França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). “Isso é negativo, considerando que estamos começando a recuperação de uma crise iniciada em 2015”, acrescenta.

Da pandemia à recuperação

As readequações exigidas pela pandemia do coronavírus, que já matou mais de 150 mil pessoas em todo o país, ajudaram a inflar os valores dos insumos da construção civil. Se, por um lado, a indústria diminuiu o ritmo de produção diante de uma perspectiva pessimista por outro, uma demanda repentina que alavancou os números do setor exigiu reação que não veio a tempo. Pressionado pela renda mínima estabelecida em caráter emergencial e por um novo perfil de clientes, o consumo explodiu e acionou com força a lei da oferta e da procura. 

“Havia uma expectativa de que a demanda por materiais de construção poderia cair durante a pandemia. Com isso, muitos fornecedores reduziram o ritmo de produção em março e abril. Como o mercado acabou crescendo, puxado por um grande número de pessoas comprando materiais para fazer reformas, o que vimos foi um choque no preço”, explica o presidente da Abrainc. 

Para França, o efeito do dólar em produtos como o aço foi outra frente de impacto. No entanto, o presidente acredita se tratar de um obstáculo pontual para o mercado e vê condições mais favoráveis até o final do ano. 

Já a Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat) reconhece a dinâmica instalada com a crise sanitária como um dos fatores que levou ao aumento nos custos da construção civil. Mas, segundo Rodrigo Navarro, presidente da entidade, o cenário também é reflexo da própria recuperação do setor, impulsionada por medidas econômicas, como a redução da taxa de juros, e novas perspectivas de investimento na infraestrutura por agentes públicos e privados. 

“Teve movimentações de preço, sim, e que são consequência de uma série de fatores conjunturais, que afetam em maior e menor grau, e dependendo do produto e da região, um segmento ou outro. Houve a diminuição abrupta da demanda para depois essa subida em “V”, e isso desestabiliza qualquer planejamento. Quem desligou um forno, não é só apertar um botão que ele religa, tem um custo alto envolvido, uma série de procedimentos que não voltam do dia para a noite”, justifica o presidente da Abramat, associação representante de cerca de 400 fábricas brasileiras da indústria da construção. 

O peso da alta se espalhou de forma generalizada. No mercado imobiliário, construtoras e incorporadoras chegaram a se deparar ainda com a falta de insumos em diversas regiões, embora lançamentos e vendas de imóveis tenham entrado agora em um fluxo bastante otimista. Em pesquisa recente, a Abrainc revelou um terceiro trimestre positivo para o setor, com possibilidades de que o total lançado em 2020 possa alcançar o patamar de 2019 ou até apresentar algum crescimento.

É também o que esperam incorporadoras de menor porte, como a Maken, construtora e incorporadora curitibana de imóveis de alto padrão. Com o Alba, empreendimento no bairro Mercês, já na reta final da fase de estrutura e com dois projetos para serem lançados no próximo ano, o diretor Matheus Gulin avalia que o próprio ritmo célere do mercado imobiliário ajudou a inflar os preços da construção civil.

“O principal fator é realmente o fato de a gente ter passado por uma crise imobiliária muito grande no país, e os preços terem ficado reprimidos por muito tempo. O preço de matéria-prima ficou muito tempo reprimido e agora se está recuperando o tempo perdido”, diz o executivo, que acredita ainda numa alteração consequente da política dos fornecedores “A gente vê que tem um pouco de estratégia de mercado, sem crucificar ninguém, porque a gente apoia o mercado livre. Os fornecedores estão aproveitando que o mercado vai ter uma ótima performance nos próximos anos e estão subindo o preço das coisas porque entende que nós, como incorporadoras, vamos, sim, ter que comprar os produtos e que a gente vai conseguir repassar isso no preço do imóvel”, argumenta.

Desequilíbrio no preço de materiais de construção

Ainda em setembro, a CBIC encaminhou à Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia um documento em que diz evidenciar abusos no aumento do preço de materiais de construção durante a pandemia. Segundo a entidade, a elevação também seria resultado da falta de oferta de produtos em quantidade suficiente para atender o mercado, fruto de um “desequilíbrio artificial por parte das empresas”. 

O comunicado repercutiu e gerou reação da Abramat. Em nota pública, a associação negou possíveis manobras para fomentar desabastecimento e reiterou a retomada abrupta da demanda, após um período de baixa, como um dos principais elementos provocadores do crescimento de custos e do déficit da oferta. 

Agora, conforme Navarro, a retomada da produção nas indústrias está cada vez mais a pleno vapor. A expectativa é que o novo fluxo normalize o mercado da construção civil em até dos meses, segundo ele, graças à utilização da capacidade instalada nas indústrias, que já ultrapassa os 80%. O nível é maior do que o registrado no início de 2020, quando a cadência estava próxima dos 75%. 

“A gente imagina que em 60 dias [o atendimento à demanda] deverá ser regularizado. Nós ainda estamos em uma situação emergencial, de crise, então vamos tratar ela como tal. Mas eu tenho ouvido muito, e está um consenso, de que a construção civil vai ser um dos grandes pilares de sustentação dessa retomada”.

Orçamentos mais pesados

Ao contrário de tantos outros empreendimentos espalhados pelo país, as obras do Alba passaram pelo drama dos preços da construção civil praticamente ilesas. A razão, conta Matheus, foi um planejamento estratégico que conseguiu se adiantar aos empecilhos do setor e, dessa forma, evitar atrasos no cronograma e prejuízos maiores. 

De acordo com o executivo da Maken, a empresa conseguiu manter as metas e o calendário dos projetos. Para os clientes que já compraram imóveis, não houve repasses extras, e os reajustes para novos contratos continuam seguindo a política interna da incorporadora, baseada em readequar valores de acordo com o estágio da obra. 

“O nosso grande impacto foi uma questão de desembolso de caixa. A gente entendeu que o mercado ia ter essa resposta de começar a subir preço e, no caso do Alba, como a gente já está em ritmo de obra, antecipamos diversas contratações que tínhamos para conseguir manter o preço que ainda era praticado. Então, começamos a fechar materiais que a gente só iria começar a fechar, por exemplo, ano que vem”. 

Conforme o diretor, as adaptações não devem interferir no caixa da empresa, já que o aquecimento do mercado, alimentado sobretudo pelas taxas de juros mais baixas, deve absorver os custos extras. “Vemos que pessoal está muito mais pronto para comprar aquele imóvel que já está pensando há muito tempo, mas que antes não era possível”. 

Ciente da nova conjuntura, a Maken já trabalha em ritmo acelerado para 2021. No próximo ano, a incorporada prevê lançar dois projetos de alto padrão, ambos no bairro Cabral – mas que, diferentemente do Alba, vão agregar as altas dos preços dos insumos registradas nos últimos meses. A previsão inicial da empresa é de que as tabelas cresçam cerca de 20%, comparado ao que a empresa já havia estudado antes dos novos valores praticados. 

No entanto, a variação não deve frear a demanda. “A gente entende que o Brasil, e ainda mais Curitiba, vai passar por, se não o melhor, um dos melhores momentos do mercado imobiliário dos últimos anos, e não é alta de preços do mercado da construção civil que vai parar isso. Sabemos que tem bastante lançamento por vir e que os clientes têm bastante potencial de compra nesse momento”, afirma Matheus.

Retomada

Apesar de os imóveis de alto médio e alto padrão terem registrado queda de 60,3% nos lançamentos e de 9% nas vendas durante o último trimestre em todo o país, conforme a Abrainc, espera-se uma grande mudança na direção dos ventos. 

Segundo a associação, a melhora nas negociações de imóveis nesses perfis garantiu ao setor da incorporação, em setembro, o melhor mês em vendas desde maio de 2014 – indicativo de um mercado bastante aquecido para os próximos anos. 

“Os juros baixos e o alto déficit habitacional são grandes motivadores para o setor seguir apostando na retomada. O setor teve um momento ruim entre 2014 e 2108 e, agora, tem potencial e vocação para reverter esse quadro. Acreditamos que a construção civil será um vetor importante de saída da crise representada pela pandemia”, analisa o presidente da Abrainc.

Mesmo ainda sob cautela, a indústria de materiais também prevê dias de otimismo e já vibra com números menos preocupantes. No auge da pandemia, levantamento da Abramat e da FGV sugeriam queda de 7% no setor, que, agora, deve fechar o ano com retração bem menos expressiva, de  2,8%. 

“A indústria está com otimismo moderado, porém cauteloso, porque ainda tem cenários que podem nos atingir, ainda temos desafios. Mas podemos falar que o pior já passou e que a perspectiva continua boa, principalmente porque seremos o pilar do crescimento do país”, finaliza Navarro.