A “lei” que os dois lados querem nas ações locatícias

Receba as principais notícias do mercado imobiliário
-
Ler uma amostra.
Nenhum de nós pode ditar leis, mas, certamente, todos podemos combinar regras, ao menos no dia a dia.
Combinar obviamente decorre da anuência de mais um (lembrem-se do Garrincha perguntando se a jogada lindamente planejada pelo técnico Vicente Feola, na Copa de 1958, havia sido combinada com os adversários, os russos…), mas sempre é possível.
Entretanto, às vezes é proibido combinar – ou fazer as próprias leis (falamos aqui de algo acima, mais do que aquele contrato em que estabelecemos deveres e direitos, valores, prazos e que costumamos dizer que é uma “verdadeira lei” entre os contratantes. Ao pensarmos no que é proibido combinar, batemos nas fronteiras traçadas pela própria lei.
É o caso do que se tente contratar em matéria de locações imobiliárias urbanas, em que, ao pensarmos sobre algumas cláusulas contratuais que hoje a Sociedade demanda e que os novos negócios de locação imobiliária exigem, encontramos como freio básico a referência proibitiva contida no artigo 45 da Lei das locações, que decreta serem nulas as “cláusulas do contrato que visem a elidir os objetivos da presente lei”, proclamando a supremacia dos “objetivos da presente lei”.
Ou seja, da razão de ser da lei há de resultar a sua perfeita aplicação e de alcançar-se sua efetiva meta e, evidentemente, se concluirá sobre a admissibilidade – ou não de determinada cláusula. Este pressuposto norteia a breve análise que se segue.
Perceba-se, a boa interpretação do dispositivo legal deve ser contemporânea. A evolução dos costumes, da tecnologia, das necessidades e dos objetivos econômicos e sociais integram, obviamente, novos modos de usar a unidade imobiliária e de entender e operar o contrato de locação.
A ilustrar essa necessidade de interpretarmos as leis e os contratos com atualidade – e essa vocação – dois exemplos dentre tantos que existem, ilustram: (1º) nos condomínios edilícios desenvolve-se a mescla de usos, residenciais e não residenciais, em unidades autônomas, com franco reflexo nos contratos de locação – e na convivência (assunto espinhoso, objeto de tantas discussões); (2º) no dia a dia se pensa em “locações por assinatura” com um redimensionamento do período de locação, quiçá do próprio bem locado, dentre outros aspectos; (3º) “modus operandi” da celebração e operação mudou ((a forma dos textos, as assinaturas digitais e eletrônicas,; ,as soluções debatidas e alcançadas através de troca de mensagens instantâneas ao invés de visitas e reuniões presenciais, entre outras.
As novas relações econômicas (e os novos hábitos, necessidades e metas de locadores e locatários, investidores imobiliários e usuários, novos interesses) exigem, a elaboração de novos contratos e a leitura e a compreensão dos já existentes, com novas óticas, contemporâneas e coerentes com os usos atuais, exatamente para que os interessados possam usar e gozar plenamente dos imóveis, inclusive em discussões que eles levem aos tribunais. Ao longo do tempo as compreensões mudam – impossível neste passo esquecer Karl Marx que dizia que “O tempo é o campo do desenvolvimento humano”. Sim, cabe a interpretação inteligente do convencionado, como o cabe do legislado.
Se aquele artigo 45 traça uma fronteira, a Lei nº 13.874, de 20/09/2.019, decretada com o propósito de instituir a “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”, veio para privilegiar a liberdade expressa nos contratos, alargando as possibilidades de desenvolvimento de previsões pelos contratantes.
A lei realçou “a intervenção mínima” e fez presumir “paritários e simétricos” os “contratos civis e empresariais”, tudo a enaltecer a quase absoluta liberdade de contratar. Esta é, atualmente, a lei. Com base nela é que são atualmente escritos e lidos os contratos.
Tudo se fará com prudência: o prestígio à boa fé contratual (afastem-se as previsões maliciosas ou safadas: seriam foco de outros estudos), à função social do contrato, do negócio, da propriedade, a submissão às cláusulas gerais do Código Civil, nada disso é novo nem foi abandonado, é, e deve ser respeitado.
O que existe é maior abertura às novidades contratadas, sua apreciação aberta e sem preconceitos, deixando-se no passado aquele rançoso apego ao que se fez, para se olhar com boa vontade ao que se faz e ao que se fará.
Pois bem. Em acréscimo, o Código de Processo Civil de 2015 ampliou a possibilidade de as partes alterarem a marcha processual, nos litígios que versem sobre direitos que admitam a autocomposição (artigos 190 e 200, do CPC).
Melhor, essa abertura poderá constar em texto de lei que tratará especificamente das locações não residenciais, conforme Projeto de Lei 4.571/2019, do Senador Rodrigo Pacheco, prevendo que: “Em qualquer fase da relação de locação, os contratantes poderão estipular mudanças no procedimento judicial para ajustá-lo às especificidades da sua relação e da causa judicial e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, assim como sobre as formas de comunicação de atos, a escolha do mediador ou do conciliador, a delimitação da matéria a ser ajuizada ou sentenciada e à gradação do suporte da sucumbência, tomando, sem a elas se limitarem, como base de tais estipulações, o previsto na Lei n. 13.105, de 16/03/2015”.
Chegamos, assim, ao ponto: os contratantes têm base legal para “fazerem as suas leis” no que se refere a uma série de aspectos do eventual processo locatício em que se confrontem. Valerá o que ajustarem! É o que se denomina “negócio” ou “ajuste” processual: os contratantes combinam como tramitará o processo em que venham a se confrontar. Com muitos, evidentes e enormes limites, nesse nosso microambiente superaríamos a angústia retratada por Charles Gavin em “Estado Violência”: “A dor que angustia. A lei ao meu redor. A lei que eu não queria.” “Estado violência deixem-me querer. Estado violência, deixem-me pensar. Estado violência, deixem-me sentir. Estado violência, deixem-me em paz”.
Por exemplo, locador e locatário poderão livremente regulamentar: (i) a impenhorabilidade de algum bem; (ii) a dispensa de assistentes técnicos em caso de perícia; (iii) a ampliação ou diminuição de prazos processuais (com parcimônia, pois já existe controvérsia quanto à possibilidade de diminuição); (iv) o rateio ou não das despesas processuais; (v) a admissão do crédito locatício ou do próprio imóvel a título de caução pelo Locador para cumprir uma exigência legal; (vi) o ajuste de que não seja promovida execução provisória; (vii) a realização de mediação ou de conciliação extrajudicial prévia obrigatória, como pressuposto do ajuizamento de ação; (viii) a renúncia prévia à realização de audiência de conciliação (prevista no CPC); (ix) a disponibilização prévia da documentação (pacto de disclosure) que evitará documentos surpreendentes e permitirá que todos avaliem a conveniência de transações imediatas; (x) a estipulação de sanção, aplicável em situações de inadimplemento; (xi) a concessão de liminar em determinadas hipóteses; (xii) a validade de procuração recíproca (por exemplo, entre sublocadora e sublocatário, entre fiador e locatário); (xiii) que a citação ocorra exclusivamente por correspondência eletrônica; dentre outras hipóteses.
Esses ajustes processuais, em muito interessam aos contratos de locação, pois é por meio de uma ação judicial, por meio de um processo, que o contrato de locação terá cumprimento forçado ou a sua resolução, caso o locador e/ou o locatário deixem de observar o pacto ou a lei. A ação judicial permite fazer valer o que foi contratado e, se seu trâmite for combinado, tudo ocorrerá de modo melhor, mais rápido, mais barato.
Mas, alerta-se, as previsões deverão ser cuidadosas e minuciosas, evitando-se estipulações vazias, enigmáticas, que nada resolvam. E algumas sinalizações parecem convenientes: (i) será de boa cautela que essa negociação seja realizada quando celebrado o contrato de locação, quando tudo está bem, o momento e as perspectivas naturalmente forem positivos. Guardadas as devidas proporções, exemplifica-se com um casamento: é mais simples e eficaz debater um pacto antenupcial no noivado, do que discutir direitos à época do divórcio; (ii) mesmo itens já referendados pela jurisprudência poderão ser ajustados, para evitar-se a oneração que decorreria de recursos judiciais que, malgrado tenham conclusão previsível, certamente demandariam tempo, energia, custos; (iii) alguns temas não são negociáveis, ao redigir o contrato será essencial atentar à jurisprudência atualizada.
Enfim, os ajustes processuais consistem importante evolução, dando força às declarações dos que são diretamente interessados no evento, pois a ação adequada e o processo eficiente são bons impulsionadores dos negócios locatícios, visto que locador e locatário conseguem vislumbrar, desde as tratativas, quais são os riscos da locação e, havendo o inadimplemento contratual, qual caminho será trilhado para solucionar a lide. Ou seja, é possível nesse âmbito, fazermos as nossas leis.
Tudo certo! Continue acompanhando os nossos conteúdos.
As mais lidas
Quem vai pagar pela Reforma Tributária na locação de imóveis
Imobiliárias celebram cenário positivo para o mercado no 82º encontro da ABMI
Imobi explica: expressões do mercado financeiro
Imobi Report é confirmado como parceiro de mídia do Superlógica Next 2025
Receba as principais notícias do mercado imobiliário
-
Ler uma amostra.