Qual o impacto da pandemia no atual ciclo imobiliário?
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Qual o impacto da pandemia no atual ciclo imobiliário?

05 nov 2021
Ana Clara Tonocchi
Ana Clara Tonocchi
7 min
Qual o impacto da pandemia no atual ciclo imobiliário?

Resumo

Ana Clara Tonocchi conversou com players importantes para entender como a pandemia impactou o ciclo imobiliário de recuperação esperado.

O ano de 2020 foi marcado por fortes emoções no mercado imobiliário: do pânico pelos efeitos da crise sanitária aos recordes de vendas por todos os lados. Uma retomada tão rápida não é comum no ciclo imobiliário brasileiro, por isso, buscamos entender qual foi o impacto do período desde o início da pandemia no momento atual do setor.

Para começar a explicação, vale um contexto anterior. O último céu de brigadeiro do mercado aconteceu entre 2006 e 2013. “Uma conjunção de fatores favoreceu esse momento: a economia estava em alta, foi ainda mais alavancada com a melhora da renda e da empregabilidade; as taxas de juros estavam favoráveis; além do lançamento do programa Minha Casa Minha Vida”, analisa Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do FGV IBRE.

Marcelo Gonçalves, sócio-consultor da Brain, lembra de mais um fator: “Nessa mesma época, tivemos a entrada em massa de incorporadoras na Bolsa de Valores. Muitas com a intenção de atuar em várias regiões, e isso não é comum em lugar nenhum do mundo. Incorporadoras e construtoras costumam ter atuações mais regionais por terem custos muito altos, mas aqui no Brasil temos um cenário um pouco diferente. Essa combinação de recursos dos dois lados (há consumidores engajados e incorporadoras recebendo investimento) colabora para a boa época”.

Esses anos foram marcados por lançamentos vendidos rapidamente, acesso facilitado ao financiamento imobiliário e ingresso expressivo de profissionais no setor, especialmente novos corretores de imóveis. Vale lembrar que, em 2008, enquanto o mundo vivia uma crise econômica originada justamente do mercado imobiliário nos Estados Unidos, o nosso setor continuou estável. Mais do que isso, crescendo.

Depois da bonança, veio a tempestade. De 2014 a 2018, o Brasil viveu uma crise econômica generalizada, que afetou o mercado imobiliário diretamente. “A partir do final de 2013, algumas cidades já começam a sentir essa inversão de ciclo, como São Paulo, um dos primeiros mercados a sentir essa mudança de cenário. A partir de 2014, vemos um encolhimento da economia, taxas de juros subindo e vários reflexos negativos no mercado imobiliário”, analisa Ana Maria.

“Na época, não tínhamos uma legislação para distratos, então a soma de fatores (problemas de emprego, de renda e problemas políticos) resulta em grande quantidade de estoque e alto número de distratos. É a tempestade perfeita”, aponta Gonçalves.

Durante esses 12 anos (de 2006 a 2012), pudemos observar três ciclos do mercado imobiliário: a expansão, marcado pela indústria crescendo e imóveis valorizados; a superoferta, quando a indústria está trabalhando no seu máximo, com vários lançamentos, mas os preços começam a se estabilizar; e a recessão, marcada por indústria com pouca produção e imóveis com preços abaixo do mercado. Para fechar o ciclo imobiliário, falta o momento em que começamos a entrar em 2019, a recuperação. Durante esse ciclo, o interesse do consumidor por imóveis é retomado, o preço dos imóveis volta a subir e as incorporadoras começam a lançar e planejar lançamentos.

“No final de 2019, você começa a ver uma mudança, um cenário mais favorável para o mercado que volta a lançar e ter bons resultados de venda. Porém, essa melhora ainda está concentrada em alguns mercados mais maduros, como São Paulo e Brasília. Em outras cidades, muitas incorporadoras já foram se preparando para fazerem lançamentos em 2020”, explica Ana. Mas havia uma condição não prevista no horizonte.


No meio do caminho, havia uma pandemia

Para continuar com a metáfora do céu, o início da pandemia foi um grande cenário de raios e trovões. Plantões de venda foram interrompidos, portas de imobiliárias fechadas e a exigência do isolamento social chegou a cessar os trabalhos em canteiros de obras. Pessoas perderam seus empregos, o medo reinou. O primeiro impacto foi de pânico, empresas adiaram muitos dos lançamentos e esperaram o pior. “Havia a expectativa que 2020 seria o ano da renovação do ciclo e da entrada de expansão do ciclo imobiliário, então o susto foi grande em março”, lembra Marcelo Nascimento, diretor da Apsis, consultoria de negócios.

Os primeiros meses de pandemia foram marcados pela corrida por processos digitais: além das fotos e anúncios, o tour virtual, vistorias à distância, escritura e assinatura de contratos online. “Quem não tinha iniciado a venda digital ainda teve que trocar pneu com o carro andando”, comenta Gonçalves.

Foi um clima tenso até meados de julho. O tempo maior das pessoas  em casa, somado à redução de algumas despesas e à Selic baixa, fez com que o jogo virasse rapidamente. “Acredito que até o final de maio a expectativa era negativa. O mercado todo correu para inovar, implementar novas tecnologias para se estabelecer de pé. No meio do ano, incorporadoras com caixa já começam a aproveitar o período para adquirir land banks mais estratégicos”, comenta Nascimento.

As grandes incorporadoras, já mais bem preparadas, começam a surfar a retomada. Mas esse novo ciclo não se restringiu aos gigantes: imobiliárias, incorporadoras e corretores de imóveis bateram recorde atrás de recorde durante a pandemia. Foi uma bela surpresa.

A recuperação do mercado imobiliário em 2020 foi tão boa e tão rápida que, no final do ano, algumas cidades chegaram a apresentar baixo estoque. Com vários fatores ao seu lado, as incorporadoras entraram em 2021 com vários lançamentos. O começo deste ano também foi animador, ainda com os juros baixos e inflação mais controlada.

É a partir da metade do ano que começa a assustar: a Selic volta a subir (quando fechamos esse texto, está em 7,75%. Começou o ano em 2%), os empregos perdidos com a pandemia não foram repostos tão rapidamente e o INCC atingiu valor recorde, impactando o valor final dos imóveis. 

Retomamos os anos de 2020 e 2021 para entender que o começo da pandemia joga para frente e adia o início do ciclo de recuperação. Porém, no 3ª tri de 2020, a recuperação volta com tudo, batendo recordes nacionais e indicando falta de estoque. Há uma alta nos lançamentos e nas demandas ainda no primeiro semestre de 2021. Porém, nos resultados das incorporadoras listadas na Bolsa de Valores do 3º tri de 2021, começamos a ver os primeiros sinais de arrefecimento.

“Metade de 2020 até 2021 é, de fato, um ciclo de recuperação fortalecido e que repercute na atividade, com geração de empregos e investimento no setor. Esse ciclo está acontecendo, mas a grande questão, agora, é a continuidade dele”, afirma Ana Maria.

Impacto da pandemia no ciclo imobiliário

A economia no ciclo imobiliário

“O aspecto macroeconômico é muito importante para qualquer setor produtivo. A construção tem um efeito positivo na economia quando estimulada, mas também é afetada por ela. Vale lembrar que o mercado imobiliário tem uma dinâmica um pouco diferente: o aspecto do tempo no negócio, por exemplo. A jornada de compra do consumidor final é longa, entre a decisão de comprar e fechar o negócio, há meses, senão anos. Na incorporação, entre a compra de um terreno, aprovação de um projeto, lançamento e venda de um empreendimento, também passam alguns anos”, comenta Ana Maria.

Isso faz com que algumas regiões e até mesmo bairros vivenciem ciclos próprios. “Um exemplo que ilustra o ciclo regional do mercado imobiliário é o bairro Morumbi, em São Paulo. Foi um bairro de alta na demanda nos anos 90, que, no início, não havia tanta oferta, mas muitos lançamentos. Incorporadoras continuam investindo em grandes projetos na região, mas a demanda do consumidor vai mudando. Resulta que, em 2010, o Morumbi vive um ciclo de baixa: não há demanda para aquele tipo de imóvel, há grande estoque e mais oferta de secundários por preços desvalorizados. Esse é um exemplo de ciclo que não se correlaciona diretamente com a economia. A demora da entrega de projetos não acompanha a mudança de hábitos do consumidor e os projetos ficam velhos rapidamente. Se nos anos 90, era bom ficar longe do centro e usar carro para tudo, em 2010 tem uma inversão de valores, uma reocupação do centro, e preferência por imóveis menores com a diminuição das famílias”, exemplifica Pedro Tenório, head de insights do DataZAP+.

E no próximo ano, podemos entrar em um ciclo de superoferta no mercado imobiliário? Confira nosso material com os quatro entrevistados.

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