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Suspeita de fraude em SP reforça o papel da ética na corretagem
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Suspeita de fraude em SP reforça o papel da ética na corretagem

05 dez 2024
Arthur Thomazi
Arthur Thomazi
7 min
Suspeita de fraude em SP reforça o papel da ética na corretagem
Foto: Sinduscon SP – Moradia enquadrada como Habitação de Interesse Social

Ministério Público de SP investiga fraude em subsídios habitacionais; um alerta para o papel dos corretores na preservação da confiança no mercado imobiliário

Projetado para oferecer moradias acessíveis a famílias com renda mensal com limite de seis salários-mínimos, o programa HIS parece ter sido desvirtuado em diversos empreendimentos imobiliários na maior capital do país. Conforme noticiado pelo Imobi Report e pelo portal UOL, investigações conduzidas pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) apontam que parte das unidades subsidiadas teria sido comercializada para públicos fora das faixas de renda legalmente estabelecidas.

O programa, que viabiliza isenções fiscais e urbanísticas, incluindo a dispensa de pagamento de outorga onerosa (valor cobrado para construir além do potencial construtivo da região), tem sido usado para erguer prédios em áreas nobres como Itaim Bibi e Pinheiros. Nessas regiões, o custo do metro quadrado é elevado, afastando as famílias de baixa renda, que é o público-alvo do programa, e atraindo compradores de classe média alta e investidores, que utilizam as unidades para locação via plataformas como Airbnb.

Muitos empreendimentos oferecem um número mínimo de unidades de HIS para atender às exigências legais para liberação das vantagens, enquanto a maioria das unidades é vendida por valores muito acima do acessível. Suspeita-se que em alguns casos, compradores sequer sabiam das restrições impostas ao imóvel, como a obrigatoriedade de que o comprador se enquadre na faixa de renda estipulada. Essas irregularidades evidenciam falhas tanto na fiscalização pública quanto na postura de corretores e incorporadoras.

Recentemente, vivi essa situação de perto. A abordagem dos corretores plantonistas mostrou-se, propositalmente ou não, superficial e pouco transparente em relação às condições do empreendimento e ao enquadramento exigido para os compradores, deixando esses pontos cruciais para serem descobertos apenas na “fase de contrato”. Essa conduta prejudica gravemente a imagem dos corretores envolvidos, que, ao priorizarem a assinatura de contratos a qualquer custo, ignoram que a verdadeira construção de valor no mercado imobiliário é um compromisso de longo prazo.

A postura que os corretores devem adotar: informação clara

A minha experiência evidenciou a importância do corretor de imóveis que está na linha de frente da apresentação do produto. É com ele que o consumidor mais ou menos avisado tem sua primeira experiência com o produto e com a oportunidade de investimento. Desde o primeiro contato, as pessoas criam um vínculo com aquele atendimento e é algo que precisa ser reforçado e estruturado durante a jornada de compra. Isso passa não só pelas questões comerciais do investimento em si, mas pelos eventuais riscos jurídicos inerentes ao negócio.

No meu caso, fui extremamente bem atendido no que diz respeito às informações sobre o imóvel: suas características, localização, potencial de valorização e rentabilidade foram detalhadamente apresentados. Além disso, recebi prontamente um kit com a documentação que incluía o Registro de Incorporação e todos os documentos relativos à incorporadora. No entanto, ao sair do stand de vendas, possivelmente pelo fato de ser advogado atuante na área, fui informado de forma tardia sobre a situação que envolvia a classificação da unidade como Habitação de Interesse Social (HIS).

Embora uma recente mudança normativa tenha aberto a possibilidade de pessoas fora do perfil adquirirem unidades classificadas como Habitação de Interesse Social (HIS), essa flexibilidade vem acompanhada de condições rigorosas. O imóvel deve ser destinado exclusivamente à locação para famílias que atendam à faixa de renda prevista no programa. Essa exigência é expressamente detalhada no contrato de promessa de compra e venda, que inclui uma cláusula específica de Declaração de Ciência, sublinhada, em negrito, e com campo de assinatura próprio. Nessa cláusula, o comprador declara, de forma inequívoca, estar ciente de que a unidade é vinculada ao programa HIS e que a destinação fora das regras pode acarretar penalidades.

O contrato estabelece ainda que, caso o comprador descumpra as obrigações previstas, pode sofrer graves consequências. A incorporadora tem a prerrogativa de rescindir o contrato unilateralmente, alegando inadimplemento contratual. Além disso, o instrumento reforça que, no caso de locação, o comprador deve promover a averbação da destinação na matrícula do imóvel e exigir que o locatário comprove enquadramento na faixa de renda estipulada. Essas exigências reforçam a complexidade jurídica e os riscos associados à aquisição de imóveis HIS por compradores que não se encaixam no perfil original do programa.

Ocultação intencional de informações e argumentos imprudentes

Apesar do rigor contratual, que deixa claro o enquadramento exigido para as unidades classificadas como Habitação de Interesse Social (HIS), o discurso comercial nos stands de vendas é extremamente conflitante com o que está escrito no contrato. 

A estratégia de venda, frequentemente baseada na promessa de alta rentabilidade, destaca o potencial de locação por diárias em plataformas como Airbnb. No entanto, essa narrativa desconsidera um ponto crucial: as pessoas dispostas a pagar diárias elevadas por estúdios de alto padrão geralmente não se enquadram na faixa de renda exigida pela legislação para imóveis HIS.

A desconexão entre o texto contratual e os argumentos comerciais é preocupante. Alguns corretores, ao serem questionados sobre a aparente incompatibilidade, recorrem a justificativas frágeis e irresponsáveis, como:

– “Ah, isso não é possível de ser fiscalizado.”

– “Está todo mundo comprando, ninguém liga para isso.”

– “Se for para Airbnb, não pega, ninguém vai saber.”

Esse comportamento reflete, de forma evidente, negligência profissional, contrariando o que estabelece o art. 723 do Código Civil, que exige que o corretor execute sua função com diligência e prudência. Ao invés de esclarecer os consumidores sobre as reais condições e riscos envolvidos, muitos corretores optam por discursos que banalizam o descumprimento das regras, apresentando uma abordagem que ignora as exigências legais e éticas da profissão.

Tal conduta não apenas induz o consumidor ao erro, mas também compromete gravemente a reputação do corretor e do mercado imobiliário como um todo. Mais do que uma falha ética, trata-se de uma estratégia imprudente que coloca em risco a credibilidade do setor e expõe todos os envolvidos a consequências legais e reputacionais.

É importante ressaltar que a responsabilidade na intermediação de imóveis avulsos, do ponto de vista legal, é idêntica à que se aplica às vendas de lançamentos. Existe um equívoco comum em acreditar que, por se tratar de vendas de lançamentos, a incorporadora é a única responsável, liberando os corretores para prometer o que for necessário para captar clientes e fechar contratos. Essa percepção é equivocada e perigosa. Corretores têm um papel indispensável na construção de confiança no mercado e devem se lembrar de que sua responsabilidade é solidária e está amparada por lei.

A verdadeira construção de valor no mercado imobiliário exige compromisso com a ética, transparência e respeito aos consumidores. Somente assim será possível garantir um setor confiável e sustentável, em que todos — profissionais, empresas e consumidores — possam prosperar.

A responsabilidade do corretor nos lançamentos não é menor: o jogo de longo prazo da corretagem

A responsabilidade do corretor de imóveis não é menor nas vendas de lançamentos em comparação às transações de imóveis avulsos, diferentemente do que muitos imaginam. Em verdade, a falta de transparência em qualquer modalidade pode gerar consequências profundas. Do ponto de vista jurídico, um contrato assinado hoje parece ser um trabalho entregue e finalizado. Acontece que, no caso de venda de imóveis em construção, muita água ainda há de passar por debaixo da ponte e o corretor pode ser responsabilizado caso tenha agido com negligência e aquele negócio gere prejuízos ao cliente. Não dá para dormir tranquilo tendo participado de um negócio frágil e precário.

Além disso, quando um cliente se sente enganado, dificilmente voltará a fazer negócios ou recomendará o corretor ou a imobiliária responsável, pelo contrário, será um detrator. Em um mercado onde a confiança é o principal valor, essa perda de credibilidade pode ser devastadora para o profissional e para o setor como um todo.

A corretagem é, por natureza, um jogo de longo prazo. Essa responsabilidade se estende também às vendas de lançamentos. Muitos acreditam, erroneamente, que a incorporadora é a única responsável, em qualquer hipótese, pelo que foi prometido. Na prática, o corretor que negligencia a clareza e a ética em suas negociações pode ser igualmente responsabilizado.

Casos como as irregularidades no programa de Habitação de Interesse Social (HIS) ilustram os perigos de um discurso comercial desconexo das condições contratuais e legais. Corretores que optam por omissões ou promessas infundadas comprometem não apenas a satisfação do cliente, mas também a confiança no mercado como um todo.

Trabalhar com transparência é um investimento no futuro. É assim que se constroem relações de confiança duradouras. Atuar com integridade é o único caminho para garantir uma carreira sustentável.

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