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Retomada de imóvel alugado para uso próprio: existe, funciona, mas há como evitar as discussões

É bastante conhecida a possibilidade de despejo para uso próprio, provavelmente porque era, antigamente, um dos poucos argumentos, dentre os previstos em lei, que funcionavam para a recuperação do imóvel alugado.

Bem divulgado, também, que essa possibilidade legal (art. 47, da Lei das Locações) engloba, além do próprio uso, o uso destinado a cônjuge ou companheiro, ou para uso residencial de ascendente ou descendente.

São diversas as peculiaridades dessa modalidade de despejo, que é manejado naquelas situações em que o contrato foi celebrado verbalmente ou por escrito e por período inferior a 30 meses, estando a locação perdurando por prazo indeterminado. É interessante destacar algumas delas, relevantes na retomada para uso próprio:

(i) O locador, seu cônjuge ou companheiro poderão dar nova destinação ao imóvel e não obrigatoriamente a que lhe era dada pelo locatário (a lei não limita o uso). Isso ocorre bastante com casas que eram destinadas a comércio pelo inquilino, mas passarão a ser moradia do proprietário, e vice versa;

(ii) É amplo o direito do locador: escolher este ou aquele imóvel que possua, retomar e usar para atividade que possa até estranhar terceiros (por exemplo, a muitos pareceria inopinado retomar imóvel em que o locatário resida, para uso de lazer, mas isso é admitido); optar por beneficiar este ou aquele filho ou neto, quiçá os parentes afins, sem que decline a motivação.

(iii) A lei não especifica, mas quando prevê como requisito dessa modalidade de despejo o benefício ao “ascendente ou descendente, que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio” (art. 47 – III, da Lei das Locações) entende-se majoritariamente que esse prédio residencial próprio há de estar na mesma região, na mesma cidade: de que adiantaria ter um prédio residencial em Curitiba, mas pretender morar (e, para tal, despejar imóvel) em Recife? E, numa grande metrópole, o exemplo poderia comparar os bairros do Morumbi e Itaquera: mais de hora para ir, de carro, de um a outro, mais de 40 quilômetros separam os dois bairros paulistanos. Logo, se ele tiver um prédio de inviável utilização, poderá se beneficiar dessa modalidade de despejo;

(iv)  Tratando-se de pretensão destinada a ocupação por ascendente ou descendente, a destinação deverá ser residencial;

(v)   Nada impedirá que o pleito se faça em favor de neto (e não de filho), não existindo indicação de preferência entre um ou outro: o locador terá livre opção, assim como ao escolher um, dentre vários filhos. A lei das locações se refere a descendente genericamente, e o é o “parente em linha reta” (art. 1.591, do Código Civil);

(vi) Admite-se a retomada para destinação à sogra (sogro) ou ao genro (nora), afinal “cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade” (art. 1.595, do Código Civil);

(vii) As relações familiares socioafetivas, que não são de parentesco nem têm registro, merecem especial atenção, pois a rigor, na leitura direta da lei, não seria possível a retomada. Mas, a paternidade (ou maternidade) socioafetiva já tem sido proclamada pela Jurisprudência e pela Doutrina, trata-se aqui tão somente da destinação do uso de bem pelo locador que goza de amplos direitos quanto à destinação. Penso que a leitura da lei há de ser feita hoje, com toda a cultura – no mais amplo sentido – contemporânea: incontáveis as situações em que laços afetivos (os filhos de coração ou de consideração) são mais fortes e trazem mais felicidades do que os laços de sangue. Como ignorar essa evidência? Creio previsível que interpretações passem a seguir a trilha da contemplação desse desejo do locador, beneficiando os “filhos de coração”;

(viii) O pedido do autor da ação se presume sincero, mas o locatário poderá demonstrar a insinceridade do locador, valendo-se das provas possíveis e admitidas em Direito e da argumentação cabível e condizente com o caso. Tudo será adequadamente provado, sob o crivo judicial, lembrada a aplicação das regras de experiência comum, apuradas pela observação do que ordinariamente aconteça (dificilmente aquelas alegações mirabolantes convencerão o Juiz, basicamente). Ou seja, é largo o campo de atuação do advogado do inquilino que não queira concordar com o despejo. Insista-se, nada impedirá farta produção de provas no processo judicial, se for mentirosa a alegação, a mentira aparecerá.

Assegurado o direito ao locador, é preciso, contudo, alertar: melhor será que ele nem precise se valer de todas essas anotações, simplificando sua relação através do melhor meio, o mais exato, indubitavelmente preferido pela Lei porque imune a dúvidas: celebrando um contrato escrito de locação residencial, por período superior a 30 meses, que admitirá a resolução tão logo acabe o prazo (art. 46, da Lei das Locações).

É a solução mais simples e eficaz. Por que não a preferir?

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Jaques Bushatsky

Jaques Bushatsky é advogado, foi Procurador do Estado de São Paulo e Juiz do TIT/SP por dois mandatos e chefiou a Procuradoria da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Presidente da Comissão de Locação e Compartilhamento de Espaços do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, fundador e diretor da MDDI – Mesa de Debates de Direito Imobiliário. Autor da obra “Aspectos Principais do Aluguel Comercial” e coautor da obra “Locação Ponto a Ponto” publicada pelo IASP Instituto dos Advogados de São Paulo.

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