Lacuna na Lei do Inquilinato torna insegura locação de média permanência
Resumo
Em entrevista exclusiva, Gustavo Kloh fala sobre os problemas existentes na Lei do Inquilinato sobre locações de médio permanência. Confira.
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Uma lacuna da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91) tem gerado discussão junto a imobiliárias, startups e agentes do mercado que atuam com modalidades mais flexíveis de locação. O aluguel por períodos entre 3 meses e 1 ano não está contemplado pela legislação – nem na locação por temporada nem no contrato tradicional, com base no período de 30 meses.
Esse nicho de mercado, de média permanência, tem crescido principalmente entre profissionais de tecnologia, freelancers, executivos deslocados por suas empresas e alunos de cursos presenciais, bem como trabalhadores remotos de variados perfis, movidos pela oportunidade de experimentar novos ares. Mas esse “limbo” regulatório tem causado insegurança jurídica aos inquilinos, locatários e empreendedores
O advogado Gustavo Kloh, professor da FGV Direito Rio e membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim), comenta em entrevista ao Imobi Report que há “paliativos” que ajudam a proteger a imobiliária na locação de média permanência, mas defende que somente a atualização da Lei do Inquilinato trará segurança plena ao empreendedor.
Uma das opções respaldadas pela lei, aponta o advogado, é estabelecer um desconto regressivo no valor do aluguel, que diminui conforme o inquilino permanece no imóvel. “É uma forma de estimular que as pessoas tenham a responsabilidade de entender que esse pula-pula, essa troca sucessiva, ela tem um custo, e esse custo tem que ser composto pela fixação do valor do aluguel, da taxa de administração e por uma lógica econômico-financeira”, afirma Kloh, que também é sócio de um escritório de advocacia no Rio de Janeiro que atua com direito imobiliário. Confira a entrevista:
Imobi Report: De que maneira uma imobiliária pode flexibilizar um contrato de locação para permitir a saída do inquilino nesse intervalo entre os três meses previstos no contrato de locação por temporada e os 12 meses, conforme o contrato tradicional, sem incorrer em risco jurídico?
Gustavo Kloh: Não incorrer em risco jurídico é praticamente impossível, mas na leitura do artigo 46 da Lei de Locações fica bastante evidente que, para que haja direito à denúncia vazia [pedido para reaver o imóvel sem apresentar justificativa], é necessário que o contrato seja de 30 meses. Pela literalidade da Lei, nem o contrato de 12 meses garante o direito à denúncia vazia. Claro que em caso de inadimplência é sempre possível ajuizar uma ação de despejo para retirar o locatário, mas em caso de mera desistência nós estamos com o problema de qualquer maneira.
O contrato que dá garantia no curto prazo é o de temporada, que é de 90 dias. E as sucessivas temporadas é claro que são uma tentativa. Eu posso tentar fazer duas temporadas seguidas, três temporadas seguidas, o que é muito comum, mas isso pode ser interpretado pelo poder judiciário como fraude – e já foi interpretado como fraude.
Há a saída de elaborar contratos por prazos menores. Nesses casos podemos falar que o locatário conhece a extensão desse contrato e não poderia alegar a má-fé, mas o direito dele é imperativo, existe para proteger o locatário. Então há o risco de ele ficar no imóvel. Poderíamos pensar ainda em alguns mecanismos que tornariam mais difícil a permanência dele, como estabelecer certo prazo em que o inquilino perde o desconto no aluguel se ele decidir permanecer no imóvel, e aí ele passa a ter uma locação que fica não atrativa. Mas são todos mecanismos paliativos. No caso, precisaríamos mesmo de uma mudança legislativa.
Imobi Report: O grande drama para imobiliárias de locação é que o contrato de aluguel só tem retorno líquido depois de alguns meses, ou em alguns casos até perto de 1 ano. É viável, sob o ponto de vista jurídico, compor contratos com valor de aluguel regressivo, que começa alto e vai diminuindo conforme o inquilino permanecer no imóvel?
Gustavo Kloh: Sim, é totalmente lícito. O Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor são pautados pelo equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Se o contrato é de alto risco no início e o risco vai caindo, faz todo sentido que ele seja mais caro no início. Nós também vemos a regressividade nos contratos do financiamento imobiliário, no PGBL ou VGBL, faz parte do Direito brasileiro.
E essa situação do desconto é uma forma de estimular que as pessoas tenham a responsabilidade de entender que esse pula-pula, essa troca sucessiva, ela tem um custo, e esse custo tem que ser composto pela fixação do valor do aluguel, da taxa de administração e por uma lógica econômico-financeira que justifique a existência do mercado.
Imobi Report: Num aluguel hipotético de 6 meses, o que é mais viável para um gestor: estender o contrato com base na locação por temporada, que teoricamente vale só por 90 dias, ou encurtar o contrato tradicional, que em tese não pode ser rescindido antes de 12 meses? Qual a solução com menor possibilidade de conflito jurídico?
Gustavo Kloh: Eu preferiria fazer o contrato que não fosse de temporada. A norma da temporada me parece muito mais peremptória, muito menos passível de análise e de discussão do que a norma do encurtamento. A lei fala: para ter direito à denúncia vazia é preciso ter 30 meses. Mas se colocarmos no texto que a parte sabe que aquele contrato está sendo celebrado em circunstâncias especiais, com prazo mais curto, reduzimos o risco e criamos hipóteses melhores, mais interessantes, para um eventual litígio.
É claro que o gestor tem a preocupação econômica em receber o valor para pagar as contas da imobiliária, mas por outro lado também existe o risco horroroso de a gente começar não conseguir tirar o locatário de dentro do imóvel. E quanto mais a gente fizer o locatário declarar que ele sabe que aquele contrato é diferente, que ele sabe que vai ter que sair, que o imóvel vai ter uma nova destinação etc, ele começa a se comprometer e pode ser espremido com base na boa-fé objetiva.
Imobi Report: A inserção de uma cláusula no contrato que mencione o novo Código de Processo Civil, que permite a possibilidade de transação negociada entre partes em casos não previstos na legislação, pode ser uma saída?
Gustavo Kloh: É muito interessante essa ideia do negócio processual. Em alguns contratos de locação que elaborei, fiz alguns negócios processuais também, já estabelecendo que a parte abre mão de determinada proteção da lei. A gente não sabe como o Judiciário vai receber isso, mas no momento atual eu te diria que mais vale a pena tentar do que não tentar. É dizer o seguinte: você já admite que a tua posse a partir de seis meses é injusta, já admite que tem que sair, já reconhece o direito ao despejo. A gente coloca isso tudo como um negócio jurídico processual, ao qual a parte não vai poder se opor em um eventual litígio.
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