Construindo uma nova identidade: repensando o mercado imobiliário através do joão-de-barro
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Atuando no mercado imobiliário há mais de quinze anos, tenho encontrado antídoto à platitude vigente no setor, buscando conhecimentos alternativos tanto para ampliar repertório como por simples prazer e curiosidade.
Não é exatamente algo negativo, pelo contrário. É estimulante buscar novas fontes de inspiração. Essa foi uma das motivações que encontrei para estudar a psicologia e seus muitos caminhos para psique humana, por exemplo. Porém, foi em contato com áreas pouco comentadas, como a jardinagem e observação de pássaros, que encontrei analogias e metáforas para a vida.
A jardinagem é um excelente caminho para aprender sobre o tempo, pois nos proporciona uma conexão direta com os ciclos naturais. Ao cuidar de plantas passei a refletir sobre a passagem das estações do ano, a entender o momento certo de semear, regar e colher e, com isso, desenvolver a paciência necessária para acompanhar o desenvolvimento das plantas.
Mais paciente, nos intervalos de tempo em que preparo canteiros, planto flores e cuido de hortaliças, passei a observar pássaros. Primeiro aqueles que se aproximam em busca das sementes que sobravam no quintal. Depois passei a estimular a companhia com bebedouros, comedouros e ninhos artificiais que tornam o ambiente amigável aos pássaros.
Antes disso eu não havia percebido que ser rodeado por canários, pardais, beija-flores, bem-te-vis, cambacicas entre outras espécies que costumeiramente, visitam o meu quintal em busca de alimento e abrigo.
Junto das sábias, quero-queros, papagaios e outras aves residentes da minha vizinhança, eles me ajudaram a desenvolver a percepção e a aprimorar a habilidade da concentração e da observação.
Tenho aprendido muito observando pássaros e me surpreendo com alguns de seus comportamentos. Algumas descobertas desmistificam conceitos sobre a beleza e funcionalidades que as aves encontram com seus bicos, penas e cantos.
O tucano, por exemplo, ave comum no Mato Grosso do Sul que vez ou outra avisto passando por aqui. Seu voo rasteiro e seu longo e colorido bico tem uma finalidade além da graciosidade.
Tucanos são predadores! Apesar de sua dieta ser composta na maior parte por frutas, eles usam o longo bico também para caçar presas que incluem pequenos anfíbios, ovos e pássaros ainda no ninho.
Se um dia você avistar um tucano em áreas urbanas ficará surpreso em constatar como as demais aves adotam um comportamento conjunto contra o invasor, e isso independe da espécie. As aves residentes se unem para expulsá-lo, ainda que sejam elas grandes como um bem-te-vi ou pequenos como um beija-flor.
Falando em beija-flor, é justamente sobre seus hábitos que quero falar. Descobri que eu sabia bem pouco sobre essa ave. Quero dizer: sempre se pode aprender algo novo, mas quando reflito sobre meus conhecimentos prévios do pequeno passarinho, lembro que já sabia que beija-flor tem outros nomes. Entre eles, colibri é o mais famoso.
Também que ele é capaz de parar no ar, que é capaz bater as asas dezenas de vezes por segundo e por isso, consegue realizar movimentos para frente e para trás, movendo-se rapidamente entre flores em busca de alimento e dessa maneira, ajudando na polinização.
Os primeiros beija-flores que chegaram ao meu quintal foram em busca das flores de lantana que, plantadas em vaso, ajudam a dar cor ao meu jardim. Passei a usar garrafinhas com água e néctar e rapidamente percebi que eles passaram a morar em minha casa.
Não sei se posso usar o pronome eles. Talvez o ideal seja dizer ele, assim, no singular. Uma das primeiras descobertas é que o beija-flor é um animal territorialista e agressivo. Não importa quantas garrafinhas ou bebedouros você possa colocar em sua varanda, um beija-flor irá encontrá-la e passará a cuidar e lutar contra os que ele considerar invasor.
Ele não chega a ser um predador, como seu amigo de beleza, o tucano. Mas é muito valente e chega a atacar outros pássaros para defender ‘suas’ plantas, ‘seus’ bebedouros e ‘suas’ árvores. Se um dia você testemunhar uma briga entre um beija-flor e uma cambacica, poderá se assustar com o barulho e a violência do embate.
Não cheguei a ficar decepcionado com o beija-flor. Para falar a verdade, eu até passei a gostar de um jeito diferente dessa ave, pois ele é muito próximo do homem, se aproxima e convive numa boa conosco.
No entanto, ao conviver de perto e entender um pouco mais o colibri e sua rotina, passei a me perguntar: por que esse bichinho briguento se tornou símbolo do corretor de imóveis?
Segundo o site da entidade que fiscaliza e organiza a categoria e adotou o pássaro inclusive como logotipo, o beija-flor tem uma rotina que se aproxima ou se assemelha ao corretor de imóveis, pois é um intermediador de processos da natureza, auxiliando na polinização das flores e, por sua vez, em frutos.
Como o corretor possui na intermediação de transações imobiliárias a atividade precípua de sua atividade profissional, está aí a correlação que inspirou a ligação entre o animal e a profissão – ainda que seja preciso muita boa vontade para concordar com a justificativa.
Talvez por isso, os sites do conselho complementam que outra semelhança entre o colibri e o corretor é que, ao voar em torno de cada flor, o pássaro não invade a coroa da planta nem pousa em suas pétalas, tirando dali apenas o que realmente necessita.
Ora, comecei este artigo contando que estou neste segmento há muito tempo, sou corretor de imóveis e posso dizer que se existe uma coisa que esse mercado possui é a voracidade e por isso atrai tantas pessoas.
Não tenho nada contra o beija-flor, mas associar a ave com a intermediação imobiliária é tanto uma ‘forçada de barra’ para encaixar o símbolo na narrativa, como um reflexo do espírito da época. Fala de uma época na qual todo processo de compra de um imóvel era analógico, dependendo muito das informações que na maior parte das vezes, estava disponível apenas com o corretor.
A similaridade entre beija-flor e corretor de imóveis se dá aqui muito mais pela característica territorialista e individual da ave do que pela sua capacidade de atuar em processos que se complementam compondo ciclos importantes.
Ainda que o geógrafo David Harvey lembre que o mercado imobiliário constrói seus projetos para gerar lucro e não para oferecer moradia para as pessoas, ele, o mercado e os atores que o compõem precisam repensar o seu papel caso queiram se alinhar a uma agenda adequada ao século XXI, onde o consumidor busca mais dos prestadores de serviço. Inclusive, busca mais dos profissionais da moradia.
Vem da observação de pássaros a minha sugestão sobre como os corretores e o próprio mercado imobiliário podem buscar, na natureza, inspiração para conviver em um ambiente colaborativo, equilibrado, onde oferecer meios de acesso à moradia seja o fim e motivo de atuação.
Pois bem! Você já acompanhou a rotina de um joão-de-barro? Claro que sim, é muito difícil quem nunca tenha avistado o ninho dessa ave tão urbana. É provável que você já tenha entendido onde quero chegar, na associação do joão-de-barro com o corretor de imóveis. E é isso mesmo: não vou negar, mas vou me concentrar em ampliar meus argumentos.
O joão-de-barro, corretor de imóveis
Já li que essa ideia, a do joão-de-barro como símbolo do corretor, foi sugerida – e descartada – no mesmo congresso que escolheu o beija-flor como representante dos profissionais da intermediação. Entre os motivos daqueles que foram contra está no fato da ave construir e não vender sua casa, seria então ele um bom representante dos pedreiros, dos construtores, mas não dos corretores.
Os problemas não eram só esses. Contra o joão-de-barro; graças a uma música sertaneja popularizada na voz de Sérgio Reis, pesava a lenda que o macho da espécie, quando traído, prende a companheira no ninho, condenando-a à morte. Bom, música por música, eu prefiro a de Maria Gadu, que diz “joão-de-barro, eu te entendo agora, me ensine agora como guardar o meu amor”.
Como observador de pássaros, creio que posso apresentar argumentos que favoreçam essa espécie incrivelmente surpreendente.
Comum das Américas, o joão-de-barro só recebe esse nome no Brasil. Em outros países, como na Argentina (onde ele é também o símbolo da pátria), ele recebe o nome Hornero, já que seu ninho lembra um forno de barro.
Os guaranis que ocupavam o Brasil o chamavam de Uirá Cuite, traduzido como pássaro do abrigo ou pássaro da Cuia. Aí já resolve o primeiro problema: joão-de-barro é um nome que remete ao gênero masculino. Qual o nome da fêmea? Maria de Barro?
Pois bem, o Furnarius rufus, nome científico do construtor da floresta, é uma ave amplamente adaptada às cidades, acostumado aos seres humanos, que cumpre papel importante no ecossistema que habita. O abrigo que constrói para sua família serve de ninho para outras aves após seus filhos atingirem a idade adulta.
Trabalhador, sim, mas solitário nunca. Casais de joão-de-barro vivem juntos por toda uma vida, ao menos que um predador os separe. Sempre concentrados na construção de sua casa, principalmente pois os filhotes são presas fáceis para tucanos, corujas e cobras que utilizam seus recursos próprios para predar.
Construído em conjunto pelo casal, o ninho em formato de forno de barro é facilmente identificado em lugares altos, como a copa das árvores ou no alto de postes, como os que observo do meu quintal. Em aproximadamente 30 dias, ou uma lua, o vaivém frenético de voos do casal traz barro, esterco e galhos para formar uma casinha perfeita, com quarto e uma portinha virada para onde o sol nasce.
Feito o ninho, a fêmea, guardada e protegida, pode chocar os ovos durante o inverno enquanto o macho apoia durante o processo.
Na primavera, quando o ciclo se completa e os filhotes vão embora seguir suas vidas, o que faz o casal?
Desocupa o ninho, que passa a ser ocupado por outras espécies e parte em busca de construir uma nova morada, repetindo esse ciclo ao longo da vida. Não se sabe porque o joão-de-barro faz isso, fato é que naquele grupo de aves residentes que ataca invasores, seu ninho também é protegido enquanto ele segue trabalhando.
Um novo representante para um novo mercado imobiliário
Colaborativo, ecológico, altruísta, protetor, solidário. Ainda! Se forçar a imaginação para adequar aos nossos tempos, podemos dizer que, se existir nas aves algum nível de consciência, ele também pode ser interpretado como socialmente responsável.
Tudo aquilo que se pede às empresas e a sociedade contemporânea. Quando olho para o mercado imobiliário e constato tão poucas mudanças ao longo do tempo e com convicções tão arraigadas, quanto os cargos daqueles que ocupam suas funções, concluo que sugestão é só isso mesmo, uma sugestão.
Nada contra o beija-flor, talvez seja hora de abraçar a ideia de ter um joão-de-barro como o novo representante dos corretores, transmitindo a mensagem de um setor imobiliário comprometido com a sustentabilidade, a coletividade e o acesso à moradia para todos.
Tudo certo! Continue acompanhando os nossos conteúdos.
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