Como (não) perder o ponto comercial
Resumo
Jaques Bushatsky comenta sobre a lei que rege a locação de ponto comercial e como evitar problemas com essa operação.
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Poderíamos imaginar um comerciante no milenar souk de Marrakesh, ou no dono de uma boutique na Rua Oscar Freire, São Paulo: o que faz qualquer deles ter algum direito de permanecer comerciando naquele local? Ou, para os catastrofistas: o que o faz perder essa possibilidade, se não for dono do prédio?
Em Marrakesh, são as tradições que vêm desde o século XI, quando foi fundada a cidade e os primeiros comerciantes de couro se estabeleceram por lá. Por aqui, o direito se dá graças à legislação que privilegia os comerciantes, desde que eles cumpram alguns requisitos.
Se lá valem tradições (que se aproximam das histórias das Mil e uma noites…), por aqui se passou a entender, concretamente, que o exercício da atividade empresarial pode se sobrepor em importância e exigência de empenho (investimentos, trabalho) à propriedade imobiliária. Pois é, ao contrário do que se diz por aí, a propriedade imobiliária não é “sagrada” também nesta situação.
Cogita-se aqui do locatário que desenvolve seu comércio ao longo do tempo, faz o imóvel locado inerente à sua atividade, seja na rua, seja numa galeria ou internamente num prédio, e há mesmo de ser contemplado com um benefício, apenas: o de continuar trabalhando naquele local. Protege-se legalmente o investimento, o empenho.
Mas a lei não facilitou completamente as coisas para os locatários: exige que eles preencham alguns requisitos e depois, promovam (se não conseguirem acordo com o locador) uma “ação renovatória do contrato de locação”. Insisto neste alerta: não basta uma cartinha, é preciso acionar judicialmente, até seis meses antes do fim do prazo do contrato.
Pois bem. A instalação de atividade com fins lucrativos no local é da essência da proteção legal de que se cuida, mas é preciso cumprir requisitos, cumulativamente, para prova-la.
A primeira exigência: deverá existir contrato de locação escrito com a previsão do prazo mínimo de 60 meses (nada impede a soma de vários períodos consecutivos, para atingir esses cinco anos, é o que os professores chamam de a “accessio temporis”).
Isso quer dizer que um mito bastante repetido é falso: não basta o inquilino estar lá, pagando regularmente, por anos e anos. Se não houver contrato escrito por prazo determinado e mínimo de cinco anos, nada feito.
Um outro requisito é de cumprimento essencial: a exploração da atividade durante o período de, ao menos, três anos ininterruptos. Logo, o imóvel não poderá servir de pet shop por um ano, de loja de sapatos n´outro, de floricultura num terceiro. Mas, certamente, atividades correlatas poderão, em princípio, ser admitidas (um restaurante e um bar; uma loja de roupas e de acessórios como bolsas, cintos). Essencial que a atividade seja desenvolvida no imóvel, continuamente (e prevista no contrato).
Não fica por aí: todas as obrigações impostas aos locatários no contrato ou na lei deverão ser por ele cumpridas (sim, o locador deverá cumprir as dele, mas é do inquilino que cuidamos agora…).
Assim, o contrato certamente preverá obrigações que de modo algum poderão ser esquecidas. É o caso da destinação do imóvel, indicando qual é a atividade comercial que será desenvolvida no local; da responsabilidade pela averiguação e adequação à legislação de uso do local; da responsabilidade pela obtenção das autorizações oficiais para o uso do imóvel; da obrigação de pagar seguros do prédio; do vencimento do aluguel e dos modos ou lugares dos pagamentos; das obrigações por obras e das benfeitorias; da sublocação (se permitida ou não). Obvio, aluguel, reajustes, serão previstos também.
Interessa comentar a questão das luvas nessas locações as quais, se previstas, deverão ser pagas: os ares de mistério que assumiram as referências a elas podem ser creditados à natural preservação dos segredos comerciais, motivo válido; mas também a uma certa ignorância sobre a legalidade da sua cobrança (que talvez remonte à regulação pela afamada “Lei de Luvas”) e, por fim, em alguns casos, a aspectos de índole fiscal. Nada impede a cobrança das luvas no início da locação; é proibida a cobrança na renovação; isso é tudo.
.Por último, muito importante nesses tempos de demolição de prédios para construção de novos empreendimentos, precisamos cuidar da cláusula de vigência da locação em caso de alienação, que é tema deveras negligenciado, a trazer, ao menos, perdas de oportunidades ao locatário: é preciso resgatar que a cláusula estipulando a vigência do contrato em situação de alienação do imóvel é essencial, devendo o contrato estar “averbado junto à matrícula do móvel” (sic – art. 8º, da Lei das Locações), para que em caso de alienação, o locatário possa continuar no prédio. Assim não se prevendo, o despejo será legal e rápido. E dolorido.
Enfim: somente o exato e quase obsessivo cumprimento do contrato permitirá a defesa dos direitos dele decorrentes. Se o locatário deixar de atentar a isso, jogará no lixo o que investir no ponto comercial. É assim que se protege o fundo de empresa (ou, como muitos o compreendem, o “ponto comercial”).
Ou, aos descuidados: ao não se fazer assim, é desse jeito que se perde o patrimônio, o direito de exercer a atividade no local.
Jaques Bushatsky
Jaques Bushatsky é advogado, foi Procurador do Estado de São Paulo e Juiz do TIT/SP por dois mandatos e chefiou a Procuradoria da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Coordenador de Locação e Compartilhamento de Espaços na Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SP. No SECOVI – SP (Sindicato da Habitação) é membro do Conselho Jurídico da Presidência, Diretor de Legislação da Locação, Coordenador do PQE e Pró Reitor da Universidade corporativa.
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