A tempestade para as proptechs
Resumo
Daniel A. Santos, cofundador da STS Capital e conselheiro da Terracotta Ventures, fala sobre a tempestade que vivem as proptechs pelo mundo.
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Depois de bater grandes recordes em 2021, o mercado global de investimentos em startups e empresas de tecnologia está passando por uma turbulência em 2022. Para as proptechs, empresas de tecnologia focadas no mercado imobiliário, a situação não é diferente.
O motivo? Tem a ver com macroeconomia e sentimento dos investidores.
A inflação alta e persistente nos Estados Unidos em 2021 forçou o banco central americano a aumentar a taxa básica de juros do país, que estava em 0% até março de 2022, para 4% em novembro último, o maior patamar desde 2008.
Não satisfeito, o Fed ainda sinalizou para o mercado que vai continuar aumentando os juros enquanto a inflação nos Estados Unidos não se mantiver sob controle, e reconhece que isso pode ser o gatilho para uma recessão na economia americana.
Inflação, juros altos e possibilidade de recessão é uma combinação perigosa, que faz com que investidores de todo o mundo retirem recursos de investimentos de risco, como em startups e empresas de tecnologia, e busquem ativos de menor risco para preservar seu capital.
O impacto dessa mudança de cenário pode ser observado no preço das ações de algumas das proptechs mais relevantes dos Estados Unidos e que têm ações negociadas na bolsa americana. Desde a máxima histórica dessas empresas em 2021, o valor delas caiu de 82%, como no caso do Zillow, o maior portal imobiliário dos Estados Unidos, até 95% como no caso da OpenDoor, iBuyer que compra, reforma e vende casas nos EUA.
Dentre essas empresas, o caso da Compass exemplifica bem o surgimento e queda de uma companhia que surfou a bonança das proptechs nos últimos anos.
Fundada em 2012, a empresa cresceu de forma acelerada, investindo de forma agressiva em marketing, atração de corretores e compra de imobiliárias nas maiores cidades dos Estados Unidos. Apoiada por grandes fundos de investimento como o Softbank, a Compass chegou a levantar mais de 1,5 bilhão de dólares de investidores em diversas rodadas de investimento e abriu seu capital na bolsa, sendo avaliada em 7 bilhões de dólares em março de 2021.
Compass em números
O crescimento da Compass em número de corretores, transações e receita é realmente impressionante. A empresa chegou a realizar 225 mil vendas em 2021, atingindo uma participação de mercado de 5,6% de todas as transações dos Estados Unidos. No entanto, chegar nesses números de forma acelerada custou alto para a Compass, que acumulou prejuízo de mais de US$ 1 bilhão entre 2018 e 2021.
A Compass anunciou demissões em 2022 e hoje a empresa está avaliada em apenas US$ 1,3 bilhão, valor inferior ao capital de US$ 1,5 bilhão que ela levantou de investidores desde a sua fundação. Em análise sobre a situação do caixa da Compass, o especialista em techs imobiliárias Mike Del Prete nota que a companhia não terá muitos meses de vida pela frente sem que levante mais capital ou corte drasticamente suas perdas.
O caso da Compass é um exemplo perfeito da máxima do Warren Buffet de que é “quando a maré abaixa, que se vê quem está nadando pelado”.
Seria esse então o fim das startups? Longe disso
Vale notar que apesar de o mercado ter se ajustado rapidamente, esse não é o fim das startups e proptechs. O que devemos observar daqui para frente é uma mudança de comportamento de investidores e empreendedores, que estarão mais próximos da realidade e valorizando conceitos importantes para qualquer negócio, mas que estavam em desuso, como lucro, margem de contribuição e sustentabilidade.
De acordo com relatório da CBInsights, os fundos de investimento em startup continuam ativos, mas em comparação com o mesmo período de 2021, houve queda de 55% no volume de investimento. As empresas mais afetadas foram aquelas em estágio mais avançado e com rodadas de investimento maiores. A queda em mega-rodadas acima de US$ 100 milhões foi de aproximadamente 70% no 3o. trimestre de 2022, em comparação com o mesmo período de 2021.
Isso indica que o investimento em startups deve se manter, mas em um ritmo menor, com os investidores mais seletivos e com foco em rodadas rodadas menores, dando preferência para empresas em estágio mais inicial.
O que isso significa para o mercado brasileiro
Esse movimento nos Estados Unidos acaba repercutindo fortemente no Brasil. Um dos motivos é que uma parte relevante do capital que investe em proptechs no Brasil é internacional. Outro é que o nosso país também enfrenta um cenário de taxa básica de juros (Selic) alta, a 13,75%, o que faz com que investidores nacionais também evitem investimentos de alto risco por aqui.
Uma terceira razão é que empresas americanas são comparáveis importantes para definir o valor das empresas no Brasil – e a queda drástica de valor delas é uma notícia ruim para as brasileiras.
As proptechs no Brasil ainda são empresas privadas e mantêm seus dados financeiros protegidos a sete chaves. No entanto, podemos observar que enquanto 2020 e 2021 foram anos excelentes para captação de recursos para startups, no atual momento as empresas estão adiando a busca por rodadas de investimento e tentando sobreviver com o caixa que ainda têm.
Enquanto em 2020 e 2021 as notícias eram de rodadas de investimento milionárias e aquisições, em 2022 as notícias são de corte de custos e troca de liderança.
Via de regra, empresas que dão prejuízos têm duas opções para sobreviver: 1) cortar custos; ou 2) levantar capital de investidores.
No atual cenário, as startups estão buscando incessantemente o corte de custos. Empresas de tecnologia no mundo todo têm anunciado grandes demissões, e no Brasil não é diferente. QuintoAndar, Loft e Facily são alguns dos unicórnios que anunciaram grandes cortes.
Esse é um movimento global que empresas estão sendo provocadas a fazer. O objetivo é preservar o caixa para passar por essa turbulência e evitar a necessidade de buscar mais recursos com investidores em um momento desfavorável.
Fazer cortes é a primeira opção porque essas companhias querem evitar a todo custo o chamado downround (rodada de captação de recursos com valor de mercado inferior à anterior).
Isso porque o downround traria exposição para o mercado de que essas empresas não valem mais o valor que anunciaram há 1 ano atrás. Imagine por exemplo, uma empresa que anuncia que vale US$ 1 bilhão e no ano seguinte anuncia que o seu novo valor de mercado é US$ 200 milhões.
O downround tem um efeito desastroso na imagem da empresa perante o mercado, na atração e manutenção de talentos, que têm boa parte da sua remuneração atrelada às ações, e em possíveis compras e aquisições futuras, uma vez que elas utilizam suas próprias ações como moeda de troca na aquisição de outras companhias.
O que isso significa para o leitor do Imobi Report?
Nos próximos dois anos devemos observar um mercado muito mais rigoroso com as decisões de caixa das companhias. É pouco provável que investidores apoiem modelos de negócio com margens negativas e que apostam em crescimento de receita a qualquer custo.
Nesse cenário, o empreendedor disciplinado terá mais espaço para crescimento e novas empresas lucrativas e sustentáveis poderão surgir. Já aquelas empresas gastadoras, acostumadas com crescimento movido por grandes injeções de capital de investidores, terão pouco tempo para se adequar ou correm o risco de não sobreviver a esse novo ciclo de escassez.
Se houver alguém nadando pelado, devemos descobrir em breve.
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