A onda dos SUVs, o fim do Uno Mille e o futuro da locação de imóveis
Resumo
Rodrigo Werneck fala sobre o futuro da locação de imóveis, em um comparativo com o que aconteceu na indústria automotiva. Confira no Imobi.
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O algoritmo das redes sociais nos impõe um dilema. Nunca houve tanto conteúdo disponível ao alcance de todos nós, mas o fato é que somos impactados diariamente sempre por mais do mesmo. Imóveis, marketing imobiliário, lançamentos e incorporação imobiliária, dicas de vendas, aluguel etc. Que tal, então, olhar para fora e analisar o que acontece ao nosso redor, escapando das garras do algoritmo que tanto sabe sobre nós para entender sobre o futuro da locação de imóveis?
Eu gosto de olhar com frequência para o mercado automotivo, outro bem de alto valor agregado com uma cadeia de comercialização semelhante à lógica do imobiliário.
Montadoras (incorporadoras), concessionárias (imobiliárias e corretores autônomos de vendas) e locadoras (investidores imobiliários + imobiliárias de locação) se encarregam de levar o produto final ao consumidor, dentro de uma correlação de dependência que vem se transformando rapidamente.
E o que o automotivo tem a nos ensinar é que uma revolução está diante do imobiliário, especialmente do mercado de locação de imóveis.
Relaciono algumas mudanças do mercado de carros com enorme potencial para se repetir no imobiliário, porque o pano de fundo para ambos os segmentos é o mesmo: a macroeconomia, a visão dos empreendedores e o comportamento do consumidor.
O fim do carro popular
Em 1993, a redução do IPI sobre os automóveis com motor 1.0 para 0,1% provocou uma mudança profunda no perfil de carros vendidos no Brasil.
A redução do preço dos veículos “despidos” de acessórios mais caros fez as vendas explodirem, passando de 15,5% do mercado em 1992 para 69,8% em 2001, ano do auge dos populares.
Só que o tempo passou e, em 2020, os veículos de entrada voltaram ao patamar de 30 anos atrás, representando 12,7% do mercado.
O que provocou este movimento tão expressivo é a decisão das montadoras de dar ênfase a produtos de valor agregado mais alto, pois a margem de lucro dos econômicos foi duramente comprometida com a legislação que aumentou o número de itens de segurança obrigatórios e as exigências de respeito a normas ambientais.
O consumidor também se tornou mais exigente, e em 2019 o ar-condicionado estava presente em 97% dos novos carros vendidos.
Não à toa, a Fiat cogita tirar o Uno Mille de produção, pois hoje só empresas querem comprar o carro que virou símbolo de veículo econômico no Brasil: 93,6% das vendas em 2020 foram para a categoria de venda direta, que inclui locadoras.
Quando olhamos para o imobiliário, o esvaziamento do mercado de imóveis econômicos se repete.
O aumento dos custos de produção da construção civil, puxados pela contínua tensão cambial, representa uma ameaça real à margem de lucro dos incorporadores que atuam no segmento.
Por conta do teto de programas habitacionais como o Casa Verde e Amarela, há um limite praticamente intransponível no repasse de custos ao comprador, o que tende a afugentar incorporadores e manter no negócio apenas aqueles com excelência operacional e, principalmente, escala de produção.
O programa Casa Verde e Amarela, com orçamento reduzido, ajuda a compor o cenário.
Contra uma média de R$ 11 bilhões de orçamento anual do Minha Casa Minha Vida, a política habitacional do governo federal consumiu apenas R$ 2,54 bilhões em 2020.
Isso tudo ocorre a despeito de um gigantesco déficit habitacional de 7,7 milhões de moradias, segundo a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE.
E a pergunta que fica é: onde essas pessoas vão morar?
Se no automotivo temos o Uber à disposição para nos deslocar, no imobiliário os caminhos disponíveis são 1) a atração de pequenos investidores para incorporações populares, 2) a locação valorizada. Em um cenário de escassez de produtos econômicos, 2) a coabitação de duas ou mais famílias, e 3) as ocupações irregulares.
A onda dos SUVs
Se o carro popular deixou de ser um bom negócio, para onde caminham as montadoras?
Elas miram hoje em produtos de alto valor agregado como os SUVs, vide o exemplo da Ford, que deixou de produzir no Brasil mas continuará vendendo os modelos mais caros importados de outros países da América Latina.
A Volkswagen, antes tida como uma marca de veículos econômicos, deixou de brigar pela liderança de vendas no Brasil e hoje se reposicionou como uma empresa de veículos premium.
Se você pensou no movimento que a MRV vem fazendo desde 2019, não é coincidência.
A gigante brasileira da construção civil lançou em dezembro a Sensia, a sua marca de médio padrão, procurando abraçar um mercado em que as margens são mais generosas e onde a renda é menos afetada em crises como a da pandemia.
Com a Sensia, a MRV planeja atingir um mercado estimado em 3 milhões de famílias e um VGV de R$ 1 bilhão por ano até 2023.
Muito além do médio padrão, é evidente a explosão das vendas em segmentos como os imóveis de lazer (estima-se que haja 800 mil famílias considerando a compra de uma segunda moradia no Brasil) e o alto padrão, que voa acima das nuvens carregadas das crises econômicas.
Montadoras x Locadoras
Além dos SUVs, as montadoras estão com os olhos voltados para a locação de carros.
Enquanto os incorporadores brasileiros ainda estão tateando a lógica da locação, no automotivo a guerra é declarada.
As locadoras já respondem por mais de 50% dos emplacamentos no Brasil, o que tem impacto direto na margem dessas vendas, um tormento para as montadoras.
E o que move o crescimento das locadoras?
O aumento do custo do carro (lembra do tópico 1?) e a consequente corrida dos consumidores aos aplicativos de mobilidade urbana, que hoje já têm locadoras especializadas para atender os motoristas cadastrados.
Diante das locadoras empoderadas, a resposta das montadoras está sendo… a criação das suas próprias locadoras.
Primeiro foi a Toyota, sempre ela, na vanguarda com o seu Kinto.
Depois, veio a CAOA-Chery com o seu programa de locação.
A penúltima foi a Volkswagen, e a Renault finaliza a estruturação do seu modelo de negócio já com 3.000 clientes cadastrados e dispostos a alugar um carro, em vez de comprá-lo.
Sem disposição (ou renda, como preferir) para gastar R$ 50.000 em um Uno Mille, o consumidor prefere alugar um carro de melhor qualidade, ou vai de Uber também alugado.
Voltando ao imobiliário, a onda se repete.
Grandes incorporadoras como MRV, Helbor e Vitacon já operam em pequena escala (é possível que só a lista da Renault supere as locações dessas três empresas), movidas principalmente pela rentabilidade do aluguel que, numa economia de juros baixos, começa a fazer sentido mesmo para grandes investidores.
A conta, para as incorporadoras, não é de 0,4% de rentabilidade ao mês.
Para elas, o retorno pode tranquilamente superar a casa de 1%, pois parte-se do preço de custo de construção do imóvel, sem despesas com venda e administração de uma imobiliária, além de vantagens tributárias.
Assim, um desafio se apresenta aos players tradicionais que operam a locação de imóveis no Brasil: enquanto a demanda por aluguel cresce massivamente, com a entrada de um sem-número de leads todos os meses, por outro lado a oferta de imóveis dentro das imobiliárias tende a cair no longo prazo, resultado do impasse mercadológico em torno dos imóveis econômicos e do movimento das incorporadoras.
A(s) saída(s) para o futuro da locação de imóveis
“Está faltando imóvel para alugar” é a expressão que eu mais escuto nas visitas a imobiliárias pelo Brasil. E diante de todo o exposto até aqui, vejo alguns caminhos que podem representar uma saída mercadológica para quem tem na locação o seu core business.
Não quero entrar em questões de processo e tecnologia, observe. Estou falando em termos estratégicos.
A primeira proposta é a busca por imóveis de um ticket mais alto, que possam agregar rentabilidade à operação, um mercado que será o foco das incorporadoras por alguns anos.
A minha principal aposta, no entanto, é o mapeamento e apoio a investidores locais para que ingressem na incorporação para posterior locação aproveitando-se da inteligência da imobiliária, uma profunda conhecedora da demanda mercadológica.
Em contrapartida pela transferência de conhecimento e montagem do negócio, a imobiliária fica responsável pela administração do imóvel, podendo inclusive ser sócia do empreendimento para garantir a administração no longo prazo.
Ao contrário do automotivo, em que poucas montadoras detêm o conhecimento e o maquinário para produzir um veículo, a produção de um imóvel é infinitamente menos complexa.
Esta é a vantagem competitiva das imobiliárias em relação às locadoras de carros, que dependem de poucas montadoras para sobreviver.
Se a captação de imóveis está difícil na sua empresa, lembre que você poderia estar à frente de uma locadora de carros com capital aberto, sem alternativas à mão.
Consultor e especialista em Marketing Imobiliário, Rodrigo Werneck é sócio-fundador e CEO da CUPOLA, consulgência exclusiva para o setor imobiliário, com clientes nas cinco regiões do Brasil.
Tudo certo! Continue acompanhando os nossos conteúdos.
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