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Gestão de riscos na locação garantida: por que as garantidoras estão falhando com as imobiliárias?
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Gestão de riscos na locação garantida: por que as garantidoras estão falhando com as imobiliárias?

26 jun 2025
Caio Belazzi
Caio Belazzi
6 min
Gestão de riscos na locação garantida: por que as garantidoras estão falhando com as imobiliárias?
Caio Belazzi, CEO da Alpop.

Nos últimos anos, o mercado de aluguel cresceu, sofisticou-se e tornou-se cada vez mais complexo. A demanda disparou, a inadimplência tornou-se mais complexa e o papel das garantidoras — que deveriam proteger imobiliárias e proprietários — passou a ser amplamente questionado.

Cresci em uma cidade do interior paulista com apenas 45 mil habitantes. Lembro bem: por lá, todas as imobiliárias pagavam o aluguel ao proprietário, mesmo que o inquilino atrasasse. Era simples. O risco era local, previsível e, de certo modo, pessoal. Hoje, esse cenário mudou radicalmente.

As garantias de aluguel deixaram de ser apenas um compromisso de palavra entre imobiliária e proprietário. Tornaram-se produtos financeiros, vendidos com a promessa de proteção total — mas que, na prática, nem sempre entregam o que prometem.

Neste artigo, analiso como a transformação do mercado de locação expôs as fragilidades dos modelos atuais de garantia. Vamos explorar os dados, o comportamento do risco e entender por que tantas garantidoras estão falhando — e o que isso significa para as imobiliárias que dependem delas.

Crescimento do aluguel: a base do novo risco

Nas últimas duas décadas, o mercado de locação residencial passou por uma transformação silenciosa, porém profunda. Em 2000, o aluguel representava apenas 14,22% dos domicílios ocupados no Brasil. Eram cerca de 6,4 milhões de moradias alugadas, segundo dados do Censo do IBGE.

De lá para cá, a proporção de imóveis alugados cresceu de forma expressiva e num ritmo superior ao crescimento do total de domicílios no país. Entre 2000 e 2010, enquanto o número de domicílios brasileiros cresceu a uma taxa composta de 2,23% ao ano, os domicílios alugados avançaram a uma taxa composta de 5,07%. Entre 2010 e 2022, os domicílios cresceram 2,50% ao ano, enquanto os alugados avançaram 3,63% (com base na métrica Compound Annual Growth Rate).

O efeito acumulado desse crescimento é significativo. Segundo o Censo de 2022, o Brasil superou a marca de 16 milhões de domicílios alugados. Considerando todo o período de 2000 a 2022, o aluguel avançou a uma taxa de crescimento contínuo de 4,19% ao ano.

Esse avanço quantitativo não é apenas um dado estatístico — ele altera, de forma estrutural, a natureza do risco no setor. Quanto maior o número de contratos, maior a exposição a fatores como comportamento financeiro das famílias, informalidade, instabilidade econômica e novas dinâmicas do trabalho. O aluguel deixou de ser um arranjo marginal e passou a ocupar uma posição central na estrutura de moradia do brasileiro. Com isso, o risco de inadimplência tornou-se mais recorrente, mais variado e, sobretudo, mais complexo.

Mudança no perfil de risco 

O crescimento do mercado de locação, as rápidas transformações no mercado de trabalho e a popularização de novas formas de garantia mudaram drasticamente o perfil de risco da locação nos últimos 20 anos. Alugar um imóvel sempre envolveu riscos — principalmente inadimplência e danos ao patrimônio — e isso permanece verdadeiro. O que mudou foi a natureza desses riscos.

Seguradoras e garantidoras contribuíram para democratizar o acesso à moradia, o que é extremamente positivo. No entanto, o perfil de risco evoluiu mais rápido do que a capacidade de adaptação das ferramentas tradicionais de análise. Como resultado, muitas garantidoras, seguradoras e até mesmo imobiliárias enfrentam desequilíbrios operacionais que levaram a prejuízos recorrentes.

Um dos fatores centrais dessa transformação é o acesso ao crédito no Brasil. Historicamente, o país sempre teve baixa penetração de crédito, especialmente entre pessoas físicas. Essa realidade, no entanto, mudou de forma expressiva nas últimas duas décadas. Segundo dados do Banco Central, apurados pela Associação Nacional dos Bureaus de Crédito, a relação entre crédito e PIB era de 25% em 2005. Em dezembro de 2024, esse índice já havia saltado para 54,4%.

Outro fator relevante é a informalidade. Apesar dos avanços em qualificação e renda média, cerca de 40 milhões de brasileiros ainda atuam em condições informais, o que representa 42,1% da população ocupada, segundo estudo do IPEA.

Essas variáveis — crédito em expansão, informalidade persistente e dinâmica de renda instável — exigem novas abordagens para gestão de risco. A análise superficial da ficha cadastral já não é suficiente.

O que garantidoras e seguradoras prometeram (e não entregaram)

A descontinuidade da QuintoCred no mercado de garantias reacendeu o debate sobre a responsabilidade das garantidoras e sua capacidade de gestão de riscos. Imobiliárias, proprietários e inquilinos de todo o país foram afetados pela decisão. Mas esse não foi um caso isolado. Há diversos relatos públicos de garantidoras que não estão cumprindo seus compromissos com imobiliárias.

Em matéria do UOL, assinada por Mariana Barbosa (04/06/2025), diversas garantidoras são citadas por enfrentar problemas graves de inadimplência e descumprimento contratual. Uma simples busca no Reclame Aqui ou em sistemas judiciais revela reclamações e processos movidos por imobiliárias por falta de pagamento.

Um caso que apurei pessoalmente (processo nº 1008516-06.2024.8.26.0566) relata um prejuízo de aproximadamente R$ 400 mil causado por uma garantidora que não honrou compromissos financeiros. Além disso, seguradoras importantes também encerraram suas operações no mercado de fianças, deixando o setor ainda mais exposto a incertezas.

O que essas empresas prometeram — e não entregaram — foi, em essência, uma gestão de riscos sólida. A maior falha foi tratar a gestão de risco como um processo pontual, restrito à análise de crédito na entrada. Isso é apenas o primeiro passo — e o mais trivial. A gestão adequada exige acompanhamento mensal da carteira, reclassificação de risco com base em comportamento e, acima de tudo, projeção de perdas esperadas e inesperadas.

Esse tipo de abordagem está previsto na norma contábil IFRS 9, adotada internacionalmente após a crise de 2008 e hoje referência obrigatória para instituições financeiras. As garantidoras deveriam considerá-la leitura de cabeceira.

Outro sintoma da má gestão são os preços irreais cobrados por algumas garantidoras para conquistar participação de mercado. Gestão de risco exige equilíbrio entre precificação e perdas. O preço precisa ser suficiente para cobrir as perdas esperadas — e ainda gerar margem. A precificação artificialmente baixa pode atrair negócios no curto prazo, mas inevitavelmente colapsa no longo prazo.

Por fim, é inaceitável que empresas operando com esse nível de risco não possuam reservas técnicas reais, em dinheiro, para enfrentar variações inesperadas na inadimplência. Sem essas reservas, a operação se torna insustentável.

Conclusão: como as imobiliárias devem se proteger

Diante de tantos riscos e falhas, minha recomendação às imobiliárias é clara: sejam criteriosas na escolha de parceiros de garantia e seguro. Algumas ações simples podem ajudar a evitar grandes problemas:

  1. Pesquise no Reclame Aqui se há recorrência de reclamações por falta de pagamento. Reincidência é sinal de gestão de risco deficiente.
  2. Verifique nos sistemas judiciais se há processos movidos por imobiliárias contra garantidoras. Leia o conteúdo para entender a gravidade.
  3. Pergunte sobre as reservas técnicas. Questione o volume efetivamente aportado e a liquidez disponível em caso de inadimplência acima do previsto.
  4. Desconfie de taxas muito baixas. Preço fora da realidade costuma indicar ausência de análise técnica — e risco de quebra futura.

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