Habitação de interesse social: para onde vai o setor em 2022?
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Há um conceito difundido entre os estudiosos da moradia, o housing first. Na tradução livre, significa moradia em primeiro lugar e refere-se à importância da residência na vida das pessoas. Quando falamos sobre habitação de interesse social, não há como não falar, portanto, sobre housing first. Mas, principalmente, não tem como não falar sobre políticas habitacionais, especialmente depois do último ano. Em 2021, os consumidores sofreram com a alta de empregos não regulamentados e do desemprego, assim como inflação e juros altos. Por outro lado, as incorporadoras ficaram pressionadas pelos altos custos da construção civil. O resultado dessa soma de fatores é que o déficit habitacional só cresce.
É uma conta que não fecha: há demanda e necessidade, mas não há poder de compra. E, como o mercado não pode parar, muitas construtoras passaram a investir em projetos de médio e alto padrão, deixando de lado o setor econômico. Então, buscamos empresários e especialistas para responder: o que precisamos fazer para o setor econômico voltar para o jogo?
A importância da habitação de interesse social
Antes de mais nada, vale lembrar e entender a importância dos programas de habitação. “As políticas habitacionais podem ajudar a impulsionar um Estado de bem estar social, qualidade de vida e desenvolvimento socioeconômico. Elas estimulam uma série de fatores para que as pessoas em condições financeiras menos favoráveis ampliem sua capacidade de aquisição do imóvel, enquanto fomentam todo um ecossistema de negócios e empreendimentos na construção civil com milhares de empregos”, analisa Adriano Nobre, diretor Comercial e de Incorporação da Direcional Engenharia.
Dados do Caged de 2021 apontam que a construção civil emprega cerca de 2,5 milhões de pessoas. Já a Abrainc aponta que o setor representa 7% do PIB nacional. São mais de 60 atividades econômicas da indústria nacional movimentadas pela construção.
Ainda, todo o conceito de housing first gira em torno do fato de que toda a qualidade de vida de uma pessoa passa, em primeiro lugar, por onde ela mora. “A minha vida foi pautada pela necessidade de habitação de qualidade. Então, posso comentar com propriedade como a gente esquece o impacto da moradia na autoestima na vida das pessoas. A ausência da casa qualificada gera uma deficiência emocional e psicológica enorme. São inúmeras inseguranças: ter seu imóvel de aluguel informal invadido pelo proprietário, ter a casa alagada, risco de incêndio, violência. Isso que ainda não estamos falando de favela, estamos falando de bairros em periferias de todo o Brasil. Como podemos exigir de uma mãe e um pai produtividade no trabalho se ele vê a chuva e tem medo de alagar sua casa? Como exigir de uma criança capacidade de aprendizado se ela dorme com barulho de pancadão, calor infernal, mosquito. As pessoas falam de educação, mas é educação depois da vírgula. Antes da vírgula, tem a moradia”, comenta Bruno Sindona, CEO da Incorporadora Sindona.inc.
Mas afinal, o que houve com o segmento de imóveis econômicos?
“Tivemos um ano de 2020 espetacular, com uma reunião de fatores interessantes: juros baixos, demanda muito ativada. Ainda não tínhamos um grande problema de desemprego – vale lembrar que no começo da pandemia, houve diversos incentivos para que as empresas não desligassem colaboradores e preservassem suas folhas de pagamento. E, naquele ano, a inflação ainda estava controlada”, explica Ronaldo Motta, diretor de desenvolvimento imobiliário da MRV.
Para o segmento econômico, o cenário começou a piorar em 2021. Foi uma nova conjunção de fatores reversos ao que se via até então: alta do desemprego e trabalhos informais, juros subindo e inflação afetando o poder de compra do consumidor final. Paralelamente, o fato de muitos setores terem parado suas produções brevemente no início da pandemia causou um desarranjo no setor de suprimentos. Uma das consequências foi o desabastecimento de insumos em diversas cadeias produtivas.
“A permanência das incorporadoras no mercado foi muito impactada com as fortes altas do Índice Nacional de Custos da Construção (INCC), principalmente nos anos de 2020 e 2021, devido à pandemia. Hoje, está mais difícil vender e manter as margens saudáveis para o negócio. Ainda, o poder de compra das pessoas diminuiu muito, pois além das despesas mensais das famílias serem corroídas pela inflação, o valor dos imóveis subiu muito mais que a renda dos compradores”, detalha João Felipe Mora, diretor de operações da Rottas Construtora.
“Um problema grave é que o negócio de habitação de interesse social funciona muito bem no regime de Crédito Associativo. Na prática, significa que os contratos na venda dos imóveis na planta são repassados para a Caixa, banco que opera esses sistema do CVA, ainda na planta. E os repasses das unidades vão acontecendo para as incorporadoras quando as obras avançam. Quando vendo, congelo preço e a correção é feita pelo banco, mas o custo da obra continua sendo nosso. Ou seja, ao vender muito em 2020 e aumentar os custos em 2021, de fato fez com que o mercado arrefeça”, explica Ronaldo, da MRV.
Por um lado, as incorporadoras tiveram que aumentar o ticket dos seus produtos e, por outro, a renda do cliente e seu poder de compra não cresceram. Assim, incorporadoras passaram a investir em projetos e em suas marcas de médio e alto padrão.
O grupo MRV é um exemplo de empresa que, recentemente, diversificou seu portfólio. Porém, Ronaldo reforça que o foco da incorporadora não mudou. “O negócio da MRV é habitação de interesse social. Temos iniciativas de diversificação de portfólio, mas nosso core permanece sendo habitação de interesse social. Nossas novas atuações, como Urba, Sensia, Luggo e AHS, fazem parte de uma estratégia de diversificação para agregar valor para a MRV e ter uma empresa mais estável do ponto de vista de previsão de resultados”.
Como reverter esse cenário?
Claramente, a habitação de interesse social envolve vários fatores e atores. Por isso, essa resposta não vem fácil. Para o segmento econômico voltar para o jogo, é preciso comprometimento de muitos envolvidos.
“A habitação tem três pilares principais: os agentes financeiros, as pessoas que precisam morar e quem constrói. Os custos têm que ser equilibrados, não podemos desincentivar as incorporadoras que elas migram para outros produtos. E também não podemos deixar os agentes financeiros com rentabilidade negativa ou com dificuldade operacional pois eles param de operar, o que aconteceu com o Banco do Brasil. Ainda, há o mutuário e devemos protegê-lo. Ele é a razão da existência da política habitacional”, analisa Henriqueta Arantes Ferreira Alves, consultora da CBIC e conselheira do FGTS.
Entidades como a CBIC buscam aproximar governo das incorporadoras. “Nós estamos trabalhando muito com foco no conselho curador do FGTS, tentando descobrir formas de incentivar a produção habitacional para as famílias com baixa capacidade de financiamento. Ano passado, nós publicamos uma resolução reduzindo a taxa de juros. Estamos discutindo soluções na operação de financiamento para tentar chegar mais perto de quem ainda pode comprar. Temos grupos trabalhando intensamente em rever as políticas habitacionais, identificar acertos, erros, corrigir rumos. Em 2022, tenho certeza absoluta que vamos conseguir melhorar esse cenário. Temos um orçamento muito bacana já aprovado, colocado à disposição das construtoras”, aponta Henriqueta.
Na iniciativa privada, incorporadoras buscam soluções para diminuir os custos e ainda entregarem produtos de qualidade no segmento econômico. “Os segmentos em que atuamos têm suas especificidades e requerem experiência e capacidade produtiva diferenciada para suportar eventuais adversidades e desafios do setor. De nossa parte, temos um processo bastante rigoroso em todas as áreas da companhia que nos fortalecem no trabalho em escala, gestão financeira, eficiência operacional e profundo conhecimento da jornada do cliente. Um método construtivo com bastante tecnologia embarcada nos garante qualidade, agilidade e plena gestão de materiais e de resíduos. Conhecemos muito bem o ciclo produtivo e comercial do segmento, estamos bastante próximos do cliente para acompanhá-lo em toda sua experiência”, comenta Adriano, da Direcional.
Na opinião de Marcelo Lemos, gerente de marketing da Caprem, um ponto importante a ser atacado são os juros. “Aqui na Caprem, temos empreendimentos enquadrados nessas políticas onde conseguimos zerar o valor de entrada e deixar as unidades 100% financiáveis. Em outros casos, conseguimos fixar tetos para reajustes anuais, como INCC ou IPCA. O que realmente atrapalha são as taxas de juros, como a Selic alta. Quando a economia favorece, mais pessoas conseguem acesso à casa própria, com parcelas que caibam dentro do escopo da família; então, manter os juros baixos é essencial”.
Para Ronaldo, há algumas frentes de atuação importantes: “A primeira providência, diria que é a mais importante, é que o Brasil precisa, de fato, controlar a inflação. Entendemos que desta vez vivemos uma inflação global, que não é trivial e que há muitas pessoas dedicadas ao tema. Mas a inflação alta gera aumento na taxa de juros que, embora não influencie diretamente as taxas do CVA, afeta as taxas do SBPE, que é o sistema alternativo. E, especialmente, a inflação tira poder de compra do cliente”, analisa.
Com o déficit habitacional alto, o ponto relevante de observar é que, apesar da demanda ser alta, uma das maiores travas está no consumidor, não na capacidade produtiva da indústria. “Uma das ações que vemos funcionar muito bem são as diversas esferas do governo, como instâncias estaduais e municipais, aportarem subsídios adicionais para essa população. O governo do Paraná, por exemplo, tem um programa de subsídios adicionais. E isso aumenta o número de clientes aptos para comprar, melhora o affordability desses clientes”, exemplifica Ronaldo.Para Bruno, o envolvimento da iniciativa privada nas habitações de interesse social deve começar por soluções de funding. “A primeira iniciativa privada que precisa se envolver com o setor habitacional econômico são os bancos e o mercado de capitais. Não adianta as incorporadoras quererem construir, mas não terem acesso à dinheiro”, analisa. “É uma mudança de mentalidade, é preciso uma vontade do mercado de olhar para a habitação popular e ver mérito nisso. Fazer coisas no imobiliário para pobre não é sexy. Como o capital é escasso, muitas empresas vão pensar ‘onde é sexy? Onde posso ganhar prêmio?’. A realidade no Brasil é essa, sempre vivemos uma crise de liquidez. Pode parecer distante, mas nossa construção é toda dolarizada. O fio de cobre que o pobre compra, é o mesmo que o rico compra. O cimento do cara que faz apartamento de 20 mil reais o m² é o mesmo que eu uso. Você vê grandes fundos vindo fazer shopping, aeroporto, mas não fazem habitação. E aí que tá o pulo do gato: se algum grande grupo ou funding estrangeiro, vier para o Brasil buscando volume, vai ter que fazer habitação popular. É onde tem tamanho e demanda. O resto é nicho”, conclui Bruno.
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