Excluir negativados da locação é tabu que imobiliário precisa quebrar, diz analista de crédito
Resumo
Em entrevista ao Imobi, Marcus Costa da FC ANALISE fala sobre o atendimento a negativados e como reduzir o risco para aproveitar esse público.
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Mudar conceitos pré-determinados e passar a olhar pessoas com crédito negativado (os negativados) como potenciais clientes de locação é uma estratégia capaz de ampliar significativamente o universo de locatários de uma imobiliária. A evolução do monitoramento de dados tem proporcionado às empresas do setor identificar com maior precisão os perfis de riscos de não pagamento de aluguel.
Experimentado em acompanhar dados de inadimplência de aluguel há 16 anos, Marcus Costa, CEO da FC Análise – plataforma digital de análise de crédito para locação -, aponta que o mercado imobiliário deve expandir com urgência seus horizontes e mirar essa fatia de 63 milhões de brasileiros que têm o “nome sujo” em birôs de crédito, segundo levantamento divulgado em maio pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL). Para ele, a negativação deve ser encarada como uma ferramenta a mais para avaliação, não como um critério único de análise de risco.
“É importante derrubarmos esse tabu e essa forma arcaica de analisar crédito baseada em negativação e aplicarmos a inteligência de dados sobre o comportamento dos consumidores, que é o que funciona muito bem em economias mais desenvolvidas”, diz Costa.
Dentro dessa proposta, a FC Análise, inclusive, lança este mês uma nova versão de sua análise de risco em que deixa de usar o rótulo de “negativado” dos pesquisados, passando a retornar um score de perfil em que o candidato se enquadrou. “A ideia é reforçar com a nova solução a necessidade de quebrar o paradigma de focar na negativação”, conta Costa.
Confira abaixo a entrevista do especialista em crédito ao Imobi Report.
Imobi Report: Quem são os negativados com perfil de bons pagadores de aluguel?
Marcus Costa: Há um perfil de negativados com problemas de gestão de crédito que são pais de família ou mesmo pessoas já com certa maturidade de vida, e que por essas condições priorizam a questão da moradia. Todos os negativados que tenham uma responsabilidade sobre o seu teto e o teto de outras pessoas têm uma relação com o pagamento de aluguel diferente da que elas têm com crédito. Esse é o ponto principal: a forma com que as pessoas lidam com moradia, que é uma uma prioridade, uma necessidade essencial, não é a mesma que elas lidam com o crédito.
Imobi Report: Os birôs convencionais de crédito como o SPC ou Serasa são eficientes na análise de perfil de um locatário?
Marcus Costa: O grande problema dos birôs é que eles capturam informações focadas em movimentações de operações de crédito. E aí, mais uma vez, a gente não tem nesse radar o comportamento dessas pessoas com moradia.
As imobiliárias muitas vezes aplicam literalmente a informação de comportamento de crédito que recebem do birô na sua política de aprovação de locação, de forma equivocada, e até então por falta de opção. O que a gente faz hoje é temperar esse processo de análise. Em nosso mapeamento de perfis de riscos, as informações de crédito são calibradas com outros dados que formam um perfil de consumidor de locação responsável, entregando um produto customizado para essa operação de moradia.
Um convite que eu sempre faço às imobiliárias: selecione dentro da sua carteira um grupo de inquilinos que nunca tiveram nenhum atraso e consulte o birô de crédito. Você vai encontrar um monte de bons inquilinos lá negativados. Isso já vai te dizer alguma coisa. Depois você vai nesses perfis negativados e tenta entender a idade deles, a situação com o emprego, o momento de vida, a maturidade profissional, enfim, e você terá ali algumas informações que te farão entender como separar e como caminhar para uma análise mais customizada.
Imobi Report: E no pós-contrato? Uma vez que esse negativado entrou na carteira de imobiliária é preciso ficar alerta para alguns sinais de uma inadimplência, ter uma atitude mais rigorosa com ele?
Marcus Costa: A cautela com a cobrança de locação tem que ser a mesma para toda a sua carteira. A gente que há muito tempo trabalha com crédito sabe que quando a pessoa está com dívida ela tem uma lista de prioridades, que são as necessidades essenciais. Então ela vai se livrar daquilo que lhe dará condições de se alimentar, e ela também tentará priorizar a moradia. Mas outro fator que influencia é quem cobra. Quem cobra primeiro, e com mais frequência e mais efetividade, normalmente ganha um lugar de destaque na definição de prioridade de pagamento. Então quanto mais rápido a imobiliária iniciar o processo de cobrança, é interessante.
Agora, é claro que ter uma atenção especial sobre as pessoas que foram aprovadas por negativação é uma cautela que pode ser adotada também. Mas normalmente o percentual de inadimplência dos negativados não é diferente da inadimplência geral, desde que você realmente aplique alguns critérios para selecionar dentro dos negativados quais são os perfis que tendem a ter uma responsabilidade de pagamento de locação.
Se você fizer um outro exercício, que é pegar a sua lista de inadimplentes de locação e fazer uma consulta de birô de todos eles, você vai encontrar negativados sim, mas vai encontrar também pessoas que não estão negativadas, que estão com score alto. Então há uma questão de comportamento, de priorização que também tem uma influência direta nesse processo. Mas a cautela principal sempre em termos de inadimplência é: quem cobra primeiro, recebe primeiro.
Imobi Report: É possível estimar quantas pessoas entraram nos cadastros de negativados nesses desde o início da pandemia?
Marcus Costa: Temos um dado bem interessante nesse sentido. Para cada CPF que é gerado na nossa plataforma, há uma classificação de risco para locação: muito baixo, baixo, médio, acima da média e alto. E acompanhamos trimestralmente como os CPFs vêm performando na plataforma. No primeiro trimestre de 2020, antes do estouro da pandemia, 58% dos CPF rodados na plataforma da FC estavam entre o risco muito baixo e baixo. Agora, no primeiro trimestre de 2021, esse número está em 46%. Ou seja, tivemos uma piora do perfil de crédito das pessoas nesse período, diante das dificuldades que conhecemos, de emprego, de fechamento de atividades o que obviamente também afeta a locação, apesar de ser uma prioridade.
Mas quando a gente pega só a inadimplência de locação, ela é muito inferior à proporção de inadimplência de crédito. É um dado significativo, que comprova a priorização das pessoas com moradia. Durante a pandemia o índice evoluiu entre 3% a 7% de inadimplência com mais de 30 dias em uma carteira de locação, conforme a localidade do País. Isso é três vezes menos que o percentual de uma operadora de crédito que esteja com inadimplência baixa. Portanto, essa piora tem efeito cascata: ela chega na moradia também, mas com um impacto diferente.
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