Opinião

Decifre o enigma das deusas do templo Home Office

Antes de empreender, pouco mais de três anos atrás, minha vida de executiva no real estate oferecia momentos especiais, principalmente por ser mãe de crianças pequenas: chegar ao escritório numa segunda, por exemplo, representava a liberdade de poder almoçar sem alguém no colo ou pegando comida do prato. Ir ao banheiro sem ninguém tentar abrir a porta a todo instante, que privilégio!

Acordar cedo, fazer o ritual da manhã e me vestir para sair de casa e ir trabalhar. Entrar no carro que me conectava ao universo da produtividade… Quase que uma cápsula do tempo, que separava a versão “manhêêêê” daquela que me identificava via cartão de visitas corporativo ou assinatura do e-mail.

Essa divisão do tempo e espaço é algo que perdemos em home office. E, após quase três meses em isolamento social, que lance a primeira pantufa quem ainda não abriu mão de se arrumar dos pés à cabeça para entrar nas inúmeras videochamadas que fazem parte da nova rotina.

Pois é, a mãe que anda por aí de calça legging (efeito puramente psicológico, uma vez ela não encontra forças para manter a malhação diária), blusa arrumada e maquiagem que aprendeu no tutorial do YouTube se naturalizou.

A imagem mítica de que estamos constantemente divididas em “metade profissionais, metade humanas” já provoca minha reflexão há algum tempo.

Essa linha imaginária que divide os trópicos da “maternidade & gestão do lar” e profissional de gestão de projetos. 

Parece mesmo que nos olhamos no espelho como uma deusa hindu, que se divide ao meio ou assume inúmeros braços para dar conta dessa múltipla personalidade.

A complexidade do tempo. Ou seria do templo?

Eu ainda estava de férias na França em março, com marido e filhos, quando o mundo começou a se redesenhar. 

O lockdown nos obrigou a nos adaptarmos à vida entre as quatro paredes do pequeno Airbnb: marido e nossos dois filhos de 6 anos e 4 anos. E seria apenas o começo.

A difícil decisão de suspender as missões do movimento Mulheres do Imobiliário, que havia planejado com tanto empenho, eu precisei tomar ainda à distância, enquanto ouvia os noticiários internacionais revelando como o vírus se espalhava de forma exponencial.

Da incerteza se conseguiríamos voltar ou não ao Brasil, ao embarque emocionante em um dos últimos voos antes das fronteiras fechadas, seguidos pela perda de parentes próximos e da constatação de que tínhamos os sintomas da Covid-19. 

Tudo isso em menos de um mês. 

A pandemia provocou muitas mudanças na vida de todos e, por aqui, não foi diferente.

Quando voltamos a nossa casa, encontramos com o nosso Novo Normal: sem nenhuma rede de apoio possível, precisávamos nos isolar ainda mais após os sintomas do novo coronavírus.

E agora? 

Retomar os projetos de trabalho, as negociações em andamento. Ao mesmo tempo, a necessidade de pivotar a atuação alinhada com as novas necessidades. Se isso não fosse o bastante, precisamos iniciar o homeschooling com as crianças.

Pausa. Respira profundamente e procura não surtar, pensei.

Parece muita coisa né? E é. 

Se Home Office e maternidade já faziam parte de uma equação complexa antes de incluir a palavra coronavírus em nosso vocabulário, agora essa conta parece que não fecha. 

Neste cenário onde tudo acontece ao mesmo tempo e agora, devemos nos apoiar nas nossas diversas faces e versões de nós mesmas.

A “deusa mãe” parece que materializa seus diversos braços, incorpora a divisão física entre a gestão do lar e dos inúmeros projetos que acontecem durante a pandemia. 

Nossa casa vira nosso local de estudo, trabalho, bem estar físico e mental. 

Nosso templo. 

Ilustração: Juliana Amorim

Nós, que somos mulheres, mães e profissionais, nos assumimos como verdadeiras divindades da transformação. E é desse olhar que repensamos nossos espaços. Internos e externos.

Agora, mais do que nunca, nós mulheres carregamos nessa base de dados as necessidades para a impressão do como o novo normal deverá ser adaptado.

’Decifra-me, ou devoro-te’

E se a presença de mulheres em mesas de decisão e na roda de discussão de projetos futuros já era uma causa defendida por mim e pelo movimento que idealizei, o que nos espera além do horizonte só poderá ser construído se houver, de fato, mais equidade nas empresas do setor.

A resposta do enigma para os novos tempos está no equilíbrio da força feminina.


Elisa Tawil

Idealizadora e co-fundadora do movimento Mulheres do Imobiliário, LinkedIn Top Voices, colunista no blog Revista HSM (Empresas Shakti), idealizadora e host do podcast Vieses Femininos.
Consultora estratégica para o Real Estate e mentora de negócios.