Guilherme Blumer, Brasil Brokers
Inovação

De Brasil Brokers a Desenrola: como um negócio tradicional passa por uma metamorfose com a inovação

Um dos maiores grupos imobiliários do país, a Brasil Brokers surpreendeu o mercado imobiliário nos últimos anos, ao lançar duas startups, mesmo já estando amplamente consolidada no setor. Os lançamentos da Credimorar e da Desenrola afetaram diretamente a cultura da holding, que passou por uma metamorfose para dar luz à inovação presente dentro da própria empresa.

Com os novos negócios, a Brasil Brokers aposta na colaboração e se posiciona como uma parceira do ecossistema de inovação e do mercado imobiliário, sem deixar de lado a história da companhia. Para conhecer mais sobre a Brasil Brokers e algumas das referências que construíram a Credimorar e a Desenrola, o Imobi entrevistou Guilherme Blumer, diretor de Transformação Digital da Brasil Brokers.

Guilherme Blumer, Brasil Brokers

Por que o mercado deve ser mais colaborativo?

Penso que é uma necessidade do mercado imobiliário ser mais colaborativo.

Como todos os mercados, o mercado imobiliário está se transformando em um negócio de serviços: não com foco no produto, mas na jornada de compra ou aluguel, no processo, até a entrega do imóvel. É o que a gente chama de everything as a service, tudo é um serviço. Quando olhamos esse cenário, vemos grandes empresas: a própria Brasil Brokers, a Loft, o QuintoAndar, em um processo de amazonização do negócio. Ou seja, as empresas querem criar um ecossistema em volta delas. 

E o que envolve a criação deste ecossistemas?

Há três opções claras neste processo: ou você cria, ou você compra, ou você empresta estes novos serviços. 

Mas são poucas empresas que têm condição de fazer estes dois primeiros movimentos, por condições financeiras mesmo. Então, o caminho de sobrevivência é o processo colaborativo: criar uma parceria com uma assessoria de crédito, com uma empresa de reformas, por exemplo. O mindset atual deve ser: se eu não construir uma cultura colaborativa no meu negócio com outros stakeholders, eu vou ficar obsoleto.

E como negócios menores podem se beneficiar deste ecossistema colaborativo?

Independente do tamanho da empresa, existem muitos níveis de tecnologia que podem criar uma experiência do usuário legal para o seu negócio.

Pessoalmente, o que peca muito para mim no mercado imobiliário, principalmente em menores empresas, é a resiliência de mudar a chave. Costuma-se entender que o resultado do negócio está na venda do produto, quando na verdade está no serviço prestado.

A resiliência cultural do mercado é muito forte, que diz ‘o que me interessa é ter bons produtos, se eu tiver sempre bons produtos as pessoas vão se atrelar a minha empresa”. Não é uma verdade. No mercado brasileiro, por exemplo, a exclusividade de vendas é muito difícil.

E que tipo de tecnologias podem ser adotadas?

Tecnologias que aceleram a velocidade de atendimento são um ótimo começo. Uma ferramenta de SMS, por exemplo, costuma ser mais barata e vai perguntar para o usuário se ele gostou da visita que fez no imóvel. É um custo que pode dar escala ao negócio. 

Inovar, então, implica em rever o core business.

Exato, você não precisa ter tudo no seu negócio, não precisa construir uma Amazon para o seu processo. Dentro da cadeia de valor do consumidor, tem elos que não necessariamente precisam ser feitos por você, pela sua companhia. Mas por parceiros que consigam entregar um nível de qualidade de serviço que não prejudique o seu negócio.

Na Brasil Brokers, prezamos em preservar o core business e terceirizamos outros serviços. Por exemplo, usamos a docusign. Fotos profissionais e vistoria também são serviços que contamos com parceiros.

Como a Brasil Brokers colabora com este ecossistema?

Tem vários pontos: nos desenvolvemos nos últimos anos como uma holding de negócios e cultivamos a cultura do “quem divide, multiplica”. Não acreditamos em ser um tubarão branco, queremos participar e colaborar com o mercado para fazer diferença em outros negócios.

Foi nesse cenário que surgiu a Credimorar e a Desenrola?

Isso! Eu sempre brinco que existem dois tipos de empresa: a que ganha para perder, e a que perde para ganhar. Se você está ganhando muito, mas não tá testando coisas, não tá saindo da zona de conforto, melhorando seu processo, vai perder lá na frente.

E se você está perdendo algo, gastando mesmo, neste momento para tentar um processo mais disruptivo, provavelmente em breve você irá ganhar escala.

Quando entrei na companhia, a maior parte dos negócios era venda primária, e eu cheguei à conclusão de que o mercado primário era um ganhar para perder. O processo de construção é dos incorporadores, que têm seus próprios processos, que pagam melhor seus corretores, têm seu próprio investimento de marketing. E eu achei que estávamos deixando de lado outras operações, como o crédito, como o mercado de locação. A Credimorar foi a primeira, aí veio a ideia da Desenrola.

Qual foi a principal dor que vocês propuseram sanar?

A maior dor é que trabalhamos em um mercado de diálogo, de confiança. É um mercado de tempo. E a maior insanidade que vejo no mercado hoje é que ele procura cliente para seus produtos, quando deveria procurar produtos para seus clientes. Clientes dialogam com a sua marca, com seus produtos, com seu site, te dizem o que querem e, dentro desse universo, quando você dialoga com uma pessoa com intuito de resolver a dor dela, de fato, você tem sua atenção.

Marketing é gerado em dois pilares: criar valor e captar a atenção. O resto é balela. É simples, mas não é fácil de ser feito.

Como foi o processo de criação da Desenrola, especificamente?

Estudamos o mercado de locação e olhamos uma operação nossa que já vivia de locação, em Goiânia. Aportamos em Goiânia no final de 2018 para desenhar esta empresa.

Então, criamos uma startup em cima de uma empresa que já existe: com sua receita, com sua cultura, com sua história.

Mas acho que o que acabou nos diferenciando é que a cultura da Desenrola cresceu até para o board do conselho, para toda a companhia. É o mindset de respeitar o seu usuário, seu cliente, para decidir como ele quer dialogar com você.

A tecnologia cria muita escala, mas deve ser meio, não fim. Ainda somos human to human, pessoas falando com pessoas.

O que vocês buscaram ao desenvolver esta nova cultura?

A primeira métrica que olhei ao pensar na Desenrola é que queria ser uma empresa de customer experience, para criar uma experiência memorável.

Ninguém vai atrás de uma imobiliária se a zona de conforto dele não foi impactada: você troca de apartamento quando trocou de emprego, você casou, divorciou, sua zona de conforto foi impactada. Então, essa jornada é naturalmente estressante.

E como ela pode ser memorável?

Eu não acredito que ela precisa ser rápida, hoje as pessoas querem colocar um apartamento em um carrinho de compra. Acredito que comprar um imóvel não precisa ser chato, mas como você dialoga com empresas do mercado imobiliário, os ruídos envolvidos neste processo podem ser bem chatos.

Então, busquei novas referências. A Zappos, por exemplo, é uma empresa de calçados americana muito pautada no delivery de felicidade para o consumidor.

A primeira medida que buscamos foi o NPS: as pessoas indicariam a empresa para seus amigos? Na home do nosso site, tem um espaço para as pessoas darem ideias e feedbacks. É um processo de criação de tribo.

Criar esse branding de tribo, sem diferenciar colaborador de usuário, começou a fazer muito sentido para nós. O nosso SAC é o nosso departamento de marketing – não só na Desenrola, na Brasil Brokers mesmo.

Como uma imobiliária de pequeno ou médio porte pode dar um primeiro passo para essa mudança?

Se uma imobiliária tiver condições de ter uma pessoa no pré ou no pós-vendas, para acompanhar o atendimento prestado pela empresa, já é um começo. Mas acredito que dialogar com o consumidor desde o começo do processo faz muito sentido.

O mercado imobiliário costuma ser muito imediatista – até a linha de comunicação é imediatista, num senso de urgência. Então, quando você cria emergência, vende almoço para comprar janta, é um mercado de caçador.

A relação com o lead deve ser diferente: você está sempre buscando muitos leads, mas este número infinito de pessoas já tem muitas marcas falando com ela, então o custo é mais alto. Olhei para esse processo e pensei: para mim, isso não faz sentido. 

E corretores são caçadores, não são fazendeiros. Por isso é tão importante cultivar esses leads em um processo de pré-venda.

As pessoas e as empresas costumam ser muito pautadas em custos. Neste caso, a palavra custo não deveria existir. É um investimento. Você tem que acreditar que isso vai ser um game changer do seu negócio, que vai mudar o nível do seu jogo.

A prática do NPS também é fácil de ser aplicada, certo?

A prática do NPS também independe do tamanho. Tem ferramentas de NPS fantásticas com custos baixos, por exemplo. Ferramentas de NPS criam diferentes campanhas, o NPS transacional (com score em cada etapa da jornada) ou relacional (sobre a relação da pessoa com a sua empresa), que dão um embasamento maior.

Mas há desde o NPS qualitativo. O próprio gerente da empresa pode entrar em contato com o cliente ou colocar uma pessoa para fazer esse contato para saber: como foi a sua visita? O corretor foi atencioso? Deu tudo certo com a entrega de documentos? Resolvemos seu problema?

Ou seja, abrir o diálogo com o cliente.

Exato. Se você não ouve seu cliente, parte do pressuposto que você tem verdades absolutas – e você não vai melhorar, não vai inovar. Digo mais: a disrupção nunca partiu de uma empresa. Nenhuma empresa muda nenhum mercado. Quem muda o mercado, quem muda o mindset é o consumidor.

Pode citar um exemplo?

Entre as startups disruptivas, uma das que eu mais admiro é o Airbnb. E o Airbnb não disruptou absolutamente nada.

Explico: o Hotel Hilton, o Four Season, as grandes redes de hotéis sabiam que as pessoas não queriam mais ficar em quartos de hotéis. Tinham a real noção que as pessoas achavam que ficar em hotel era coisa de turista. 

E há dois tipos de empresa: as pautadas no consumidor, e as pautadas nos recursos. Para redes de hoteis, recursos são os hotéis, os prédios, os funcionários. Quem dá escala são os recursos. Então eles pensaram: “ah, as pessoas querem mais espaço. Querem que os filhos fiquem no mesmo quarto” e começaram a construir quartos conjugados. Não resolveu o problema: ele pensou no seu recurso, não no consumidor.

O que o Airbnb fez? Pensou “entendi, a Ana quer vir para São Paulo e quer se sentir uma paulistana. Então por que ela não se hospeda na casa de um paulistano?”. Mas a demanda sempre veio do consumidor.

Pautar sua empresa em pessoas, no consumidor, não é modinha. Ou é isso, ou sua empresa morre. Você pode ter um arsenal de recursos, mas alguém pode te engolir.

Ou seja, precisa ter muito conhecimento do próprio negócio e do próprio consumidor.

Muito. Você precisa ter paixão por dados e por problemas. Eu sou um apaixonado por problemas. É você conhecer seu negócio, olhar com uma visão analítica e resolver os seus problemas e dos outros.

Como absorver referências de outros mercados – sejam estrangeiros ou outros setores da economia?

Eu leio muito, viajo constantemente, mas tem alguns tipos de modelo de negócio que sou aficcionado por estudar. Conheço empresas do mercado imobiliário da África do Sul, da Finlândia, da Rússia, da China, EUA, Argentina, Colômbia. Uma referência nossa para construir a Desenrola, por exemplo, foi o Kodit.io, um iBuyer finlandês.

Além disso, leio muitos estudiosos, para filtrar e conseguir aplicar no nosso negócio, principalmente do mercado de Saas.

Essa mudança de mindset, de olhar outros mercados que geram valor, criam valor e mantêm a atenção das pessoas, é importante. Netflix, Nike, faz total sentido estudar. Você vai fazer igual essas marcas? Claro que não, mas boa parte das decisões que elas tomaram podem vir a fazer sentido para nós