Opinião

Como e porque vendi a imobiliária da família

Meu pai foi bancário por 24 anos e, em 2001, ele estava de saco cheio do seu emprego, especialmente por conta do declínio que a profissão de bancário havia sofrido nos últimos anos. Inquieto, ele decidiu inovar e, num ato de coragem apoiado pela minha mãe, resolveu pedir demissão para empreender, mesmo tendo 3 filhos sob a sua dependência financeira. A primeira tentativa deu totalmente errado, um caos! E, mesmo assim, ele não se deixou abater e acabou aceitando um convite para se tornar sócio de uma imobiliária em Florianópolis, a Terraz, sendo que na época morávamos em Criciúma, no interior de Santa Catarina.  

Ilustração: Juliana Amorim

Mal sabiam ele e a minha mãe que, naquele momento, estavam me dando dois incríveis exemplos aos quais eu sou grato e carrego até hoje: a coragem para empreender e tomar riscos e, principalmente, a habilidade para se reinventar frente às dificuldades que a inovação e o empreendedorismo vão te trazer. 

Em 2017, eu estava me sentindo exatamente igual ao meu pai, há 15 anos trabalhando na Terraz com aluguéis e de saco cheio de passar os meses administrando insatisfações e fazendo mais do mesmo.  Percebi, então, que precisava fazer algo diferente para reinventar o meu negócio. Em 2010, eu já havia feito uma tentativa de inovação, quando fui sócio de uma proptech que estava indo super bem, até que o sócio majoritário resolveu vender a empresa para a Domínio Sistemas (futuramente vendida para a Thomson & Reuters). Após essa venda eu resolvi não continuar na empresa e voltei a focar somente na Terraz.

Foi então que, ainda em 2017, estive no Conecta Imobi, que é o maior evento do mercado imobiliário da América Latina. Naquela ocasião, já tinha uma grande imobiliária digital crescendo exponencialmente no mercado de São Paulo. No entanto, me surpreendeu que no evento havia no máximo uns dois ou três painéis falando sobre inovação na locação. Ao perceber que poucos estavam olhando para essa oportunidade, resolvi voltar para Florianópolis e começar a transformar a Terraz na primeira imobiliária digital de Santa Catarina. Com isso, eu esperava ter uma chance enorme de destaque e de protagonismo nesse mercado, bem como preparar a Terraz para a onda de transformação que o setor imobiliário viria a experimentar nos anos seguintes. 

E foi assim que começou uma jornada super intensa de transformação digital, na qual aprendemos muito através de 9 grandes erros, os quais serão abordados nas minhas próximas colunas.
Em 2018, a Terraz já alugava cerca de 55% de seus imóveis por inside sales, sem qualquer contato físico com o cliente. Diante disso, assumimos definitivamente o posicionamento de Imobiliária Digital, inclusive com planos de encerrar o atendimento presencial em nossas lojas físicas.  Aos poucos os resultados começaram a aparecer, ou seja, mais aluguéis, melhor experiência do cliente e uma empresa mais enxuta. 

Ao mesmo tempo, reconhecemos que algumas limitações, especialmente quanto ao  desenvolvimento de tecnologia, poderiam nos atrasar frente a uma competidora gigantesca que chegaria em 2019 no mercado de Florianópolis.

Em busca de acelerar o desenvolvimento de tecnologia, voltamos o nosso olhar para a ACATE – Associação Catarinense de Tecnologia.  Acabamos percebendo ali a atuação do Grupo Imobiliário Brognoli, empresa líder no mercado da capital catarinense, que estava com uma célula de inovação no Linklab
Iniciamos nossas conversas com eles e ficou claro, logo de cara, que uma parceria poderia elevar o nosso sonho para um nível de maior impacto no mercado imobiliário. Nós poderíamos contribuir com nosso mindset inovador e em contrapartida eles trariam experiência de mercado, rompimento das barreiras de entrada e investimento em tecnologia. 

Após cerca de 45 dias de negociação, selamos a parceria em março de 2019.  Em menos de 60 dias, migramos o atendimento da carteira de locação para as 6 lojas da Brognoli, desativamos nossos 2 escritórios físicos e passamos a atuar na ACATE, com um time super reduzido e focado em inovação e inside sales.

Acredito que viveremos cada vez mais uma era de revolução, ao invés da simples evolução dos nossos negócios. Acredito também que toda imobiliária deveria ter um projeto sério de “canibalizar o seu próprio negócio”.

Na atitude do meu pai, em largar sua zona de conforto para empreender, bem como na nossa decisão de matar a antiga Terraz, vejo ações que nos expuseram a enormes riscos e altas doses de ansiedade. No entanto, estar disposto a pagar esse preço é o que nos fez poder sonhar hoje com um projeto de alcance nacional.

Que venham as próximas revoluções e “frios na barriga”!

You can’t connect the dots looking forward; you can only connect them looking backwards (Steve Jobs) 


Lucas Madalosso

Cofundador e CEO da Terraz Aluguel Digital, board member na Construtora GPR Investimentos. Apaixonado por inovação, leva a bandeira da transformação digital para imobiliárias de todo o Brasil.