Opinião

Transformação digital imobiliária: priorize processos antes da adoção de tecnologias

O tema transformação digital imobiliária me intriga há algum tempo. Particularmente, desde que entrevistei pela primeira vez Gabriel Braga, fundador do QuintoAndar, durante a segunda edição do Conecta Imobi, em 2015.   

O surgimento do Quinto Andar, a primeira imobiliária brasileira a se identificar como digital, deu início a um período em queas demais empresas do setor passaram a buscar soluções tecnológicas para oferecer uma experiência totalmente online para a aquisição (ou locação) de uma nova moradia. 

A partir de então, uma miríade de soluções (a maioria delas pagas) surgiu para buscar atender a ansiedade dos gestores imobiliários que, assustados com uma possível concorrência diferenciada, sempre estiveram dispostos a encontrar ajuda para executar a sua própria transformação digital.

Mas o quanto essas soluções se mostraram efetivas? As imobiliárias digitais possuem vantagens competitivas em comparação às tradicionais? E como tem sido a experiência das empresas que passaram ou que tentaram passar por esse processo?

Embora quente e atual, o tema transformação digital imobiliária possui mais perguntas que respostas. Para destrinchar o tema, reuni profissionais especialistas para, em mais de 1.000 minutos de conversa, debater o que é essa tal transformação digital.

O resultado foi organizado em áudios e disponibilizado em um programa de podcast em 15 episódios, que pode ser acompanhado no link disponível aqui. Neste artigo, compartilho as principais conclusões que colhi destes encontros. Confira:

Não existem soluções mágicas

Nas mitologias populares a bala de prata é a única munição capaz de matar bruxas, vampiros e lobisomens. Quando trazemos esta analogia para o mundo de gestão de negócios a bala de prata significa encontrar uma solução simples e eficiente para um problema complexo.

É consenso que para que uma operação imobiliária possa apresentar uma experiência digital e fluida de aquisição ou negociação de uma nova moradia é preciso muito tempo de dedicação a processos e metodologias de trabalho em grupo.  

Embora desejadas, as soluções únicas ainda não existem. O que os principais profissionais comentam é que esta jornada requer dedicação e muitas horas de estudo sobre o seu negócio. E também que buscar referências é algo que acelera processos, esclarece pontos duvidosos para só depois definir tecnologias. 

Benchmarking acelera a transformação digital 

Por ser um tema novo e com muitas dúvidas a respeito, praticamente não existe literatura a respeito. Por isso é tão importante a troca de experiências e informações como fator de aceleração da tão desejada transformação digital de corretores e imobiliárias. 

Nas conversas com os convidados do programa, foi possível entender que é melhor promover o debate sobre tecnologia e processos com os profissionais de sua região do que tratá-los como  concorrentes.

É da prática de benckmarking que se entende melhor o uso e a aplicação de algumas ferramentas ou soluções digitais disponíveis para auxiliar ou mesmo resolver a transformação digital imobiliária. 

Busca pelo propósito da empresa ajuda no processo de digitalização

Imobiliárias são empresas naturalmente burocráticas e a culpa não é delas. São produto da sociedade que surgiu após a revolução industrial e que pela primeira vez teve acesso a propriedades e bens imóveis, antes restritas à igreja e à nobreza. 

A compra, venda e locação de imóveis surgiu da necessidade dessa nova sociedade em administrar seus bens imóveis e sua origem está totalmente ligada ao setor terciário, aquele que abriga as prestadoras de serviço e que teve seu auge no final do século XX.  

Acontece que vivemos o limiar da mudança de um período que remonta a era industrial para uma nova era: a era da inovação e do ‘design’. Para evoluir é preciso desapego a este modelo ultrapassado e evidenciado, durante a pandemia que atingiu a humanidade em 2020. 

O caminho para as empresas que negociam imóveis entrarem nessa nova era passa pelo conhecimento de seu propósito. É através do entendimento das razões pelas quais uma imobiliária oferece seus serviços que se evidenciam seus diferenciais. 

Entender o propósito de sua empresa é muito mais que ter na parede um quadro com missão, visão e valores. É o verdadeiro Santo Graal da Transformação Digital de uma empresa. 

É a chave que irá permitir você ir além e construir uma operação única e pronta para o futuro, com as características culturais do seu time e pronto a atender as demandas regionais que só vocês entendem.

Não negligencie os processos

Quando falamos em transformação digital imobiliária, temos sempre uma sensação de que é preciso hiperdigitalizar, contratar softwares e ter acesso a APIs, mas olhando de fora, temos a sensação de que a implementação de processos e protocolos são quase sempre neglicenciados.

O design e a implantação de processos é sempre apontado como um grande gargalo dentro das empresas do mercado imobiliário. 

Por falta de processos, muitos projetos e investimentos são abandonados ou perdidos, criando uma espiral negativa de erros e frustrações relacionadas à transformação digital de empresas imobiliárias.

É comum recomeços nos quais novas ferramentas, tecnologias e até profissionais sejam substituídos para uma nova etapa, mas por falta da implantação de processos e de clareza de objetivos, a digitalização de imobiliárias não acontece.

Digital: um adjetivo que deve deixar de existir em pouco tempo

Há pouco mais de 10 anos, vi de perto a grande necessidade das imobiliárias em busca de ter um departamento online dentro de suas organizações. Ter uma área com corretores-online, com chat para atendimento e foco na prospecção digital era considerado o diferencial a ser atingido. 

Pouco tempo passou para que o ecossistema imobiliário entendesse que a presença digital deveria ser de toda a empresa, mas não de apenas uma área específica. 

Eu, sinceramente, acredito que o mesmo vai acontecer com o tema transformação digital. Quando os profissionais que fazem o mercado entenderem que é a soma e a compreensão de todos os pontos descritos aqui, é provável que o termo imobiliária digital caia em desuso e tenhamos apenas imobiliárias atendendo as necessidades da moradia. 

Felizmente, dá tempo de mudar. Se não fosse a pandemia, dava até para ficar mais tempo pensando em processos, implantação de cultura e busca por um propósito. 

Mas o coronavírus nos jogou no meio do século XXI e agora precisamos encarar nossos problemas e reinventar o modelo imobiliário. 

A boa notícia é que, diferente do que se encontra nas ‘balas de prata’ disponíveis na internet, essa transformação não possui nem um modelo único, nem um modelo que não possa ser adaptado a sua realidade. 

No final, é o seu jeito de fazer processos, sua forma de absorção de novas tecnologias e a sua leitura sobre o mercado de sua região que irá determinar a transformação digital de sua imobiliária.