Lei das Locações
Opinião

Lei das Locações: 30 anos e funcionando muito bem

Comemorou-se no dia 18 de outubro o 30º aniversário da Lei das Locações. Ela resultou da movimentação da sociedade civil, da conjunção de locadores e locatários, administradores, investidores, reunião à qual não faltou o “Movimento dos Inquilinos Intranquilos”, com decisiva atuação. 

Não foi lei criada longe, gestada n’algum gabinete estranho aos desejos do povo. Por isso mesmo, funciona.

Realmente, o que se tinha até então no país era a conjugação dos verbos congelar, impedir, proibir, dentre outros que retratavam os óbices de toda ordem surgidos como que de cartola de mágico e impostos sobre as locações urbanas. Melhor dizendo: sobre as pessoas que alugavam.

Fosse qual fosse o pendor ideológico declarado pelos governantes, no fundo ainda se cria, com consciência ou não, na cartilha dos pensadores alemães de 1872 (sim, daquela época, e circunstanciemos: 17 anos antes da proclamação da república em nossas terras…), tal como Arthur Mulberger, para quem “a abolição da moradia de aluguel é uma das aspirações mais fecundas e grandiosas que brota do seio da ideia revolucionária e deve se tornar uma exigência de primeira grandeza por parte da democracia social”. 

Com o projeto (consciente ou não) de extinguir as locações, aqui e ali se impuseram regras, se interferiu, e isso deu no que todos sofreram: a limitação dos reajustes a índices inferiores ao da galopante inflação, por exemplo, acarretou o óbvio desinteresse de proprietários e investidores na construção de imóveis para alugar; por igual o desrespeito aos prazos de locação combinados; a confusa e lenta tramitação das ações judiciais consequentes de descumprimentos contratuais; a dificuldade assustadora de equilibrar as relações – extra ou judicialmente. 

Ninguém se dispunha a construir para alugar, enfim, o que se evidenciava com maior vigor no setor mais necessitado: o de residências, pois mais agasalhado, por cruel engano do Estado. Experimentamos a oferta reduzida e decrescente de imóveis; aluguéis – dada a escassez – elevadíssimos e embutindo expectativas inflacionárias e riscos jurídicos e judiciais.  Evidente, nunca houve dinheiro ou disposição da União para suprir essa carência de imóveis.

Mas as pessoas precisavam morar e trabalhar. Foi quando a Lei n. 8.245 corporificou a prática de atores do setor, do desenvolvimento jurisprudencial e da boa doutrina, consistindo na norma que melhor funcionou ou, mais exatamente, que permitiu a operação das locações, a ponto de nessas décadas ter exigido, tão somente, acréscimos pontuais, atualizadores.

Note-se que essa lei se contrapôs diametralmente ao imaginado século e meio atrás, ainda naquela borbulhante Europa (e copiado por aqui). Assim, não se acha no texto inclinação em favor de qualquer dos lados: é livre a convenção do aluguel, é livre a opção dos prazos e todos têm claras previsões sobre suas consequências; é respeitado o término do contrato que tenha sido combinado; as ações judiciais fazem valer os direitos pactuados, a ponto de ser notório o declínio de demandas propostas anualmente graças ao rigor quanto aos procedimentos e aos inadimplementos; é clara e equânime a sistemática dos reajustes e das revisões. Enfim, é lei que privilegia a liberdade de contratar e de fácil aplicação – por isso longeva. Foram organizadas as locações diante das exigências sociais e econômicas, sem apego à antiga compreensão da propriedade imobiliária ou dos discursos de ocasião. 

Agora, é preciso definir o futuro: cederemos à tentação que uns têm propagado, de permitir graves interferências que desvirtuam o sistema dos aluguéis (enxergam no futuro que alcançariam a repetição do ruim passado?) proibindo despejos, obrigando os contratantes a buscarem – coisa que ficara no passado – garantias, as desvirtuando; impondo índices, por exemplo? Ou, como pensam muitos, haveremos de prosseguir com liberdade – e a responsabilidade e a eficiência dela advindas?

Aos apóstolos da retranca, recorde-se que nós, as pessoas, sabemos resolver nossas questões, contamos com o Judiciário eficiente quando necessário, preferimos ser livres. Sabemos que conseguimos uma lei que organizou os aluguéis e retratou com êxito o querer social, não se vê motivo para abandoná-la. 

E, ao seguirmos exatamente o que nós todos desejamos e vimos funcionar, é curioso observar que em 1869, mesma época antes mencionada, o nosso José de Alencar disse: “Um código Civil não é obra da ciência e do talento unicamente; é sobretudo, a obra dos costumes, das tradições, em uma palavra, a civilização, brilhante ou modesta, de um povo”. Certamente é conclusão válida também para a nossa trintona lei das locações. Fiquemos com o que é bom!

Jaques Bushatsky

Jaques Bushatsky é advogado, foi Procurador do Estado de São Paulo e Juiz do TIT/SP por dois mandatos e chefiou a Procuradoria da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Coordenador de Locação e Compartilhamento de Espaços na Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SP. No SECOVI – SP (Sindicato da Habitação) é membro do Conselho Jurídico da Presidência, Diretor de Legislação da Locação, Coordenador do PQE e Pró Reitor da Universidade corporativa.

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Jaques Bushatsky

Jaques Bushatsky é advogado, foi Procurador do Estado de São Paulo e Juiz do TIT/SP por dois mandatos e chefiou a Procuradoria da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Presidente da Comissão de Locação e Compartilhamento de Espaços do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, fundador e diretor da MDDI – Mesa de Debates de Direito Imobiliário. Autor da obra “Aspectos Principais do Aluguel Comercial” e coautor da obra “Locação Ponto a Ponto” publicada pelo IASP Instituto dos Advogados de São Paulo.

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